* Julio Gostisa
A maioria dos apaixonados por vinhos sabe que a safra indicada na garrafa, quando impressa, indica o ano em que as uvas foram colhidas. Isso mesmo, as uvas que estamos colhendo a partir de janeiro no Brasil, darão origem a vinhos da safra de 2024. Afinal as uvas foram removidas dos cachos já em 2024.
Os produtores em suas anotações de plantio, agricultura e colheita se referem a esta mesma safra como 2023/2024, pois a floração e brotação aconteceu durante o ano de 2023. Lembro a todos que não costumam acompanhar estes detalhes técnicos de vitivinicultura que o ano de 2023 foi um verdadeiro show de horror para quem planta uvas. Não tivemos nenhuma folga: foi um verdadeiro sufoco.
Isso mesmo, no ano de 2023 para a tristeza dos produtores brasileiros, tivemos granizo, muita chuva em todos os meses, geadas tardias, alagamentos, desmoronamentos, temporais fortíssimos, mais doenças causadas por fungos, presença do fenômeno El Niño em momentos imprevisíveis de clima em geral. Uma série interminável de desafios foi apresentada aos produtores brasileiros. Definitivamente o nosso planeta está passando por graves alterações climáticas.
Qual será o resultado deste conjunto de fatores negativos aos vinhos que chegarão ao mercado em 2024? Teremos vinhos de menor expressão e qualidade inferior ou não?
Difícil de acertar esta previsão.
No início da colheita é complexo acertar no resultado de qualidade ou quantidade, precisamos aguardar um pouco mais de tempo.
Mas será que o consumidor final se preocupa com estes detalhes?
Estaria o consumidor final somente interessado em receber um vinho de qualidade independentemente do tamanho do esforço do produtor? Algo como ‘cada um com seus problemas’?
Quando começamos a entender a cadeia de fornecimento dos vinhos nacionais precisamos recordar que existem lojistas e restaurantes, empresas que recebem e compram seus vinhos de outros lojistas e distribuidores, que por sua vez adquiriram os mesmos de vinícolas.
Como será que acontece o equilíbrio entre custos e margens? Gastos maiores em cuidados, fungicidas, tratamentos e mão de obra extra provavelmente não irão gerar vinhos com melhor custo x benefício.
Isso sem mencionar que as vinícolas, muito provavelmente, terão quebra de safra. E serão colhidas menos uvas em comparação com o ano passado, gerando por consequência menos garrafas a serem elaboradas e vendidas: tudo acontece em cadeia, e estamos falando de uma indústria que normalmente tenta agradar a todos. Isso mesmo, tenta agradar seus consumidores e seus negociantes. E no fim do dia, sofre sozinha absorvendo todos os custos adicionais.
Mas a análise não termina por aí, temos que nos recordar que a Organização Internacional da Vinha e do Vinho (OIV) divulgou recentemente que no mundo inteiro dentre as últimas 60 safras anteriores, este ano será o de menor colheita de uvas em quantidade. Portanto estamos falando de um problema mundial que, aliado à moderação de consumo e um ambiente regulatório mais rígido versus a bebida vinho, irá gerar um consumo menor de vinhos. Uma tempestade perfeita de excesso de oferta aliada à queda de consumo. Novamente vai sobrar vinho a ser engarrafado e vendido no mundo e não somente no Brasil. Sem mencionar que alguns sommeliers já estão bebendo menos e divulgando esta prática como sendo mais saudável. Interessante este comportamento.
Durante a pandemia, as vinícolas nacionais surfaram uma boa onda e tiveram um aumento nas vendas de seus vinhos, principalmente daqueles chamados de ‘premium’. O consumidor estava em casa trancado e se permitia um ‘vinho melhor’ para harmonizar com seu jantar, e isso sem contar que os contrabandistas também estavam em casa, reduzindo assim drasticamente o descaminho de vinhos em território nacional. Hoje, infelizmente, a procura por estes vinhos diminuiu e o descaminho claramente aumentou, como se comprova diariamente. E as alterações que serão causadas na Argentina com seu novo presidente e o mundo do vinho certamente trará reflexos no Brasil.
Vale lembrar também que muitos dos produtos necessários a nossa indústria do vinho são em sua maioria importados. Como por exemplo garrafas, insumos em geral, leveduras, rolhas e barricas, que normalmente vêm de fora do Brasil. Itens que tiveram seus valores reajustados para cima bem como sofreram um aumento significativo do valor do frete, afinal o nível de água dos oceanos baixou e está levando mais tempo para cruzar o Canal do Panamá – além disso alguns países estão em guerra – para elencar alguns fatores que causam atrasos e aumentos de custo no comércio mundial de imediato.
E se a safra de 2024, mesmo com todos estes problemas, gerar vinhos de excelente acidez, expressão aromática e qualidade, será que as vinícolas poderão reajustar seus preços? Seria possível manter os pedidos de vinhos com os lojistas e distribuidores com os vinhos brasileiros? Será que o consumidor final irá concordar e entender todos os problemas acima? Torço que todos ganhem, ou seja, um produto melhor com preço justo e que justifique o esforço diante de tantas adversidades e adaptações.
Uma coisa todos os leitores do Brasil de Vinhos podem estar seguros: todas as vinícolas brasileiras que conheço e atendo de uma forma ou de outra, seguirão desenhando suas histórias de atendimento com carinho, educação e de uma forma memorável, se esforçando a elaborar e entregar vinhos de excelência, independentemente do tipo ou quantidade de problemas que serão enfrentados safra a safra. Estas empresas precisam de clientes engajados, envolvidos e que tenham um pouco mais de empatia diante de tantos desafios.
Por isso que peço menos chuva e mais empatia.
* Julio Gostisa é colunista, escritor e pesquisador sobre o comportamento do consumidor, diretor comercial da Vinícola Routhier & Darricarrère e consultor de diversos negócios no segmento do vinho.
Este é um texto assinado, que não traduz a opinião do Brasil de Vinhos.
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