(foto acima: Edenilson Rivabene e Jonas Vasca, no vinhedo da Alma da Videira, em Piracicaba)
Questões específicas de cada região, falta de investimentos do governo, custos operacionais e planejamento direcionado: vinicultores compartilham seus motivos para não possuírem vinhedos comerciais atualmente.
A produção de vinhos no Brasil é centenária. Então, como novos produtores podem entrar nesse mundo? Nesse mercado que envolve muita paixão pelo negócio, definição de uma identidade e planejamento (que muitas vezes pode ser prejudicado pelo clima e fatores externos) é necessário ter alternativas. Por diversos motivos, vinicultores podem optar por não ter um vinhedo próprio e buscar a uva com produtores já estabelecidos, evitando custos operacionais, imprevistos de larga escala com a qualidade do fruto e até mesmo limitações relacionadas à região. Em tempos de queda de volume de produção e imprevisibilidade do clima, conversamos com quatro produtores, procurando compreender melhor suas razões para optar por esse modelo de negócio e, dessa forma, apontar possibilidades.
Quando se fala em possibilidades, a Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais (Epamig) é uma grande aliada. Atuando como uma espécie de incubadora, a Instituição recebe uvas de produtores sem histórico vitivinícola e produz o vinho. A partir daí, é criado um protocolo para que esse produtor permaneça por 5 anos testando, elaborando um rótulo e criando uma identidade. “Após esse período, espera-se que o produtor tenha desenvolvido caminhos para construir a própria vinícola”, conta Lucas Amaral, enólogo responsável na Instituição. Para Amaral, comprar uvas de terceiros pode significar uma oportunidade para diversificar o portfólio: “quando você planta, fica limitado em relação à mão de obra, isso sem falar dos custos. Comprar de terceiros é uma possibilidade para uma mesma vinícola possuir vários terroirs ao mesmo tempo”, explica o especialista.
Com a ideia de explorar novos terroirs, a Epamig (foto acima. crédito: Diego dos Santos/Seapa) conta com produtores de todos os cantos do Brasil e lida com as peculiaridades de cada região. A partir daí, Amaral aponta diferenças: “o Sudeste ainda é novo na produção de vinhos finos em comparação ao Sul, por exemplo. Então as opções para compra são limitadas na região: quem quer ingressar em um negócio rentável começa na maioria das vezes com o vinhedo”. Amaral argumenta ainda que produtores pequenos do Sudeste que procuram ter seu próprio vinho normalmente compram de Santa Catarina, Paraná ou Rio Grande do Sul. Além disso, aponta que os impostos são uma barreira a ser superada e a falta de incentivo do governo impacta fortemente na região.
Essa dificuldade também é lembrada pelos vinicultores da região – uma das que mais cresce hoje no Brasil “Não existe nenhuma linha de investimento ou de fomento, para a viticultura paulista hoje. Não há nenhuma linha de crédito para você suportar os investimentos nessa área de atividade”, lamenta Gabriela Hirschfeld Campolongo, enóloga e proprietária da vinícola urbana Alma Gêmea . Gabriela, biomédica que estudou viticultura e enologia visando uma transição de carreira, considera que o planejamento bem executado é parte vital do negócio.
A Alma Gêmea iniciou os trabalhos como uma vinícola urbana, sem vinhedo próprio, mas com planos futuros para isso bem definidos: “somos de São Paulo, minha família é de Cunha. A cultura do vinho era forte lá, se perdeu e agora vem sendo retomada. Comecei a fazer vinhos de garagem e montei uma micro vinícola urbana em São Paulo (foto acima. crédito: arquivo pessoal), enquanto não abrimos as portas em Cunha e esse projeto maior não inicia”. Atualmente com capacidade de até 6 mil litros por safra, Gabriela começou comprando uvas da EnoConexao, que também oferece cursos e assessoria, e depois partiu para parcerias ‘de boca em boca’, comenta a enóloga.
É assim que Edenilson Rivabene e Jonas Vasca, proprietários da Vinícola Alma da Videira, situada em Piracicaba, também no interior de São Paulo, tocam os negócios: “fomos buscando parceiros no entorno. E aí você descobre que tem muito mais gente plantando uva do que estrutura de vinificação e vai procurar quem tem fruta excedente. Conversa com um e com outro, cria trocas e vai fechando parcerias”, explica Rivabene, que diz ainda que não existe uma receita pronta para definir se é necessário vinhedo próprio ou não. Ele conta que a intenção inicial era um investimento focado no plantio, mas que a empresa acabou sofrendo com perdas significativas de frutos em uma situação atípica.
A proximidade com plantações de cana de açúcar fez com que a Alma da Videira (foto acima. crédito: arquivo pessoal) enfrentasse o 2,4-D, um dos defensivos da cana que busca eliminar pragas em folhas largas: “o episódio mais traumatizante foi na nossa colheita de verão da Cabernet Franc de 2022/2023. Tínhamos conversado com os produtores no entorno, mas, sem saber disso, um funcionário acabou aplicando o veneno na nossa divisa e perdemos toda a produção daquele pequeno talhão”, lamenta Rivabene. Entretanto, o produtor encontrou em sua rede de contatos um cenário favorável. Hoje, a Alma da Videira tem seus principais fornecedores de uva situados no Rio Grande do Sul, mas comemora que a oferta de frutas no Sudeste está aumentando: “a partir da Epamig tive contato com um possível parceiro com excedente de frutas”, explica Rivaben. A vinícola pretende montar mais uma pequena área de vinhedos, dessa vez com barreiras verdes para proteção: “não será em nível comercial, mas é necessário porque os turistas querem ver a planta, a fruta no pé”, explica.
Com a mesma finalidade, Roger Koetz, proprietário da Bodega Koetz – que não possui vinhedo próprio – pretende dar seu próximo passo: “as pessoas querem ter o contato com a uva. Sem isso, parece até fake, não é? Por isso, já tenho um local em vista para produzir e ter um pequeno vinhedo, com foco na visitação”, conta o vinicultor. Koetz ressalta que não visualiza um futuro com um vinhedo voltado para a produção, devido a demanda de mão de obra e custos, e destaca que a opção por esse modelo de negócio permite que ele escolha a melhor uva de cada região, mesmo em anos atípicos, com perdas significativas para grandes vinhedos. Koetz conta ainda que o início de sua produção foi natural e acredita que primeiro é necessário saber fazer um vinho de qualidade para depois pensar em plantar: “comecei fazendo cerveja, mas meu sogro me incentivou, me apresentou ao vinho. Acompanhei a produção, encontrei semelhanças e fiz a minha primeira produção com o maquinário que tinha disponível”, conta o apaixonado por vinhos, que hoje têm a ajuda de seu filho, Otávio, na produção feita na garagem de casa, em Taquara, no Rio Grande do Sul. Com o maquinário renovado anualmente visando melhorar o processo, Koetz hoje produz cerca de 5 mil garrafas por ano.
Também no Rio Grande do Sul, Rodrigo Zini, sócio-proprietário da vinícola Berkano, destaca as mesmas vantagens apontadas por Roger Koetz, como menores custos operacionais e a possibilidade de identificar no mercado as uvas mais interessantes. Zini também chama a atenção para o trabalho com pequenos produtores: “realizamos um acompanhamento da uva que é diferente de produções voltadas para volumes maiores: estamos junto do pequeno produtor e incentivamos”, conta. Zini também celebra a remuneração adequada da mão de obra: “é um ganha-ganha. Podemos acompanhar a produção, recebemos altíssima qualidade e a agricultura familiar é valorizada”, afirma. O empreendedor conta ainda que parte das uvas da Berkano vêm do Condomínio vitivinícola Spa do Vinho: “cuidamos junto, damos assessoria. Por isso brincamos que o vinhedo não é próprio, mas a uva é própria. Não teve custo de terra, de implementação, porém a uva é a que a gente deseja para o nosso padrão”, explica Zini.
Com vinhedo próprio ou não, a paixão pelo vinho com a vontade de buscar alternativas frente às adversidades é o que move o empreendedor que busca produzir vinhos de qualidade e encantar – como diria o autor Rogerio Dardeau – com cores, aromas e sabores.
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