O rótulo influencia na compra do vinho?

O rótulo influencia na compra do vinho?

(diferentes rótulos expostos em prateleiras da Anja Vinhos, e-commerce que comercializa apenas vinhos brasileiros)

Cada um escolhe vinho de forma diferente. Quem conhece um pouco mais, talvez busque variedade, safra, região, produtor, ou quem sabe método de elaboração. Já a maioria dos consumidores é influenciada por outros motivos e o preço certamente é um dos mais relevantes. Mas recomendação de amigos, especialistas ou vendedores, vinícola e marca são muito fortes. Assim como o rótulo – a primeira impressão que temos de um vinho, quase sempre. 

Comecemos pela parte técnica. Qual o papel legal de um rótulo?

 “No rótulo se o produtor não quiser informar coisa alguma, não precisa. Não é muito comum, mas existem alguns casos pontuais. Em geral a maioria dos produtores utiliza o rótulo para identificar nome, categoria, uva, região, sub-região, país, ano da colheita e o volume alcoólico”, explica a sommelière Tita Moraes (abaixo, foto Márcio Ferreira). Porém a especialista em mercado de bebidas e tendências de consumo lembra que, como em toda regra, há exceções: “Um produtor brasileiro imprimiu um poema no contrarrótulo, por exemplo”, conta. “Mas no geral uma garrafa de vinho se divide em duas partes: na frente a vitrine e no verso o cumprimento da legislação vigente”.

Como surgiu

A ideia dos rótulos vem de Antes de Cristo. Pelo menos é o que está escrito no livro “Contos de Vinho”,(reprodução abaixo)  de Taiana Jung e Rui Marcos, que relatam que esta forma de comunicação surgiu no período das civilizações antigas, com os egípcios, em 1300 a.c. As informações sobre o ano de colheita das uvas, a região e o nome do produtor eram escritas em papiros. Depois, com as navegações europeias, as informações eram marcadas em ferro quente nos barris de madeira, onde os vinhos eram transportados para serem comercializados.

Os rótulos como conhecemos hoje surgiram em 1924, quando o Baron Philippe de Rothschild começa a rotular vinhos em seu Chateau, criando assim seu próprio rótulo. A partir de então, a cada ano entregou a concepção do rótulo a um artista contemporâneo, que o ilustraria com uma obra original. Entre eles, Georges Braque, Salvador Dalí, Henry Moore, Juan Miró, Marc Chagall, Wassily Kandinsky, Pablo Picasso (abaixo, reprodução Adega do Déco), Andy Warhol – que time esse. As garrafas se tornaram itens de colecionador, não apenas por seu conteúdo, mas por sua apresentação.

Um rótulo pode ser arte

Adriano Snel (foto abaixo, crédito: Dani Westhelle) vive de vinho e de arte. O designer explica que um rótulo muda tudo. “Sou da opinião de que sempre temos de causar uma boa primeira impressão. Isso vale pra tudo, abre portas, cria simpatia e empatia”, argumenta. “É um equívoco pensar que o conteúdo basta, por melhor que seja: tu tens que criar desejo nas pessoas, elas têm de se sentir convidadas pra degustar o teu vinho e por isso o visual é imprescindível”.

Snel conta que o vinho tem um poder que muitos outros produtos não têm: o tempo que se passa com ele. Não é uma cerveja que em minutos tu consomes e a latinha ou garrafa vai para o lixo. O vinho ficando mais tempo sobre a mesa: o rótulo conta uma história, uma manifestação de algo. “Explorar não só os sentidos do vinho como também o tátil, para que quem bebe sinta que a vinícola se empenhou em entregar não só um vinho de qualidade, mas também uma história, um capricho na produção do rótulo, com bom papel e outros acabamentos que enriquecem e valorizam ainda mais o produto”.

Criar rótulos grandiosos e cheios de detalhes é desafiador, mas os minimalistas são os mais difíceis: é preciso sintetizar uma ideia ou uma mensagem com o mínimo. O designer acredita que é fundamental passar algum tipo de mensagem por mais singela que ela seja. “Hoje em dia tudo é mídia e comunica algo, por mais efêmero que possa ser. Contamos histórias através de estética, imagens, cores e tipografias que sejam características ou identificadas com algum tipo de movimento artístico”.

Também há casos onde realmente há uma história a ser contada, como o primeiro rótulo que Snel fez para a Bodega Três Amigos, Vinhas Velhas da Quinta da Neve e o Gato Palheiro da vinícola Batalha, entre outros.

Um rótulo pode – e deve – contar uma história

O vinho que está em uma garrafa tem intrínseco o momento em que foi produzido: traz recortes de guerra, religião, tomada de países, acordos de paz, conquistas, regiões, pragas, doenças, amores, momentos, sentimentos. Enfim: conta histórias.

Um bom exemplo disso é o Catena Zapata Malbec Argentino (acima, reprodução revista lounge/contos de vinho).  Em “Contos de Vinho”, Taiana e Rui descrevem que o rótulo homenageia quatro mulheres por meio da história da Malbec. Primeiro aparece Eleonor da Aquitânia, rainha consorte da França e da Inglaterra e duquesa de Aquitânia, que expressa o nascimento da uva em território francês. O segundo momento traz como personagem a Imigrante, que representa o movimento de imigração dos europeus para o Novo Mundo. A terceira figura feminina é a Filoxera, praga que dizimou os vinhedos europeus e mudou a história e a geografia dos terroirs no planeta. E por fim Adrianna Catena que expressa continuação e renovação através da vinícola iniciada por seu pai.

A obra de Taiana e Rui traz também uma menção ao rótulo de ‘Abandonado’, da Alves de Sousa, trabalho muito simples e ao mesmo tempo muito complexo. Um vinho que vem da região do Douro, em Portugal, de um local que os moradores apelidaram de ‘vinhas de abandono’, um terroir de vinhas velhas. Mesmo sendo uma zona de intensa exposição climática e formações rochosas, as vinhas se mantiveram, a vinícola investiu na recuperação e foi criado o vinho.

A história enriquece o vinho, com ela ele se torna único, particular. Mais do que seu país ou região, a narrativa por trás do rótulo ou do nome vai trazer àquela garrafa algo que a fará original. Porém, Tita ressalta que ela precisa chegar ao conhecimento do consumidor, que nem sempre tem acesso à ficha técnica. “Se o produtor imprimir um QR code discreto, direcionando para um texto ou para um vídeo facilita muito”, explica. “Mas se o QR code estiver mais visível, na cápsula, por exemplo, teria uma maior visibilidade e atenção do consumidor”, sugere.

“Dados comprovam que cerca de 90% dos consumidores decidem a compra de algum produto pelo visual”, garante Adriano Snel.

Tita Moraes concorda. Para ela o rótulo influencia na escolha de um vinho, para alguns grupos mais, para outros menos, variando sempre de acordo com o perfil de consumidor e o ponto de venda.

A sommelière explica que, às vezes, uma importadora pode selecionar um ótimo vinho, com excelente qualidade e uma bela história, mas se o rótulo não estiver em sintonia com a expectativa do consumidor corre o risco de vender lentamente ou encalhar.

“O rótulo causa uma primeira impressão e como tal deve estar completamente alinhado com a proposta do vinho e com o público que precisa alcançar”, reforça. E para o mercado é através do rótulo que as variações de preços e propostas se justificam.

O rótulo como parte de uma estratégia comercial

O produtor pode e deve repensar a identidade visual de seu vinho de acordo com as as tendências, pensando em sua estratégia de vendas e posicionamento.

Tita usa o mercado de vinhos de Portugal como exemplo. Por ser focado no exterior, muitos produtores fazem uma ampla pesquisa nos países que pretendem comercializar seus vinhos, para entender qual o tipo de identidade dialoga melhor com o público local.

“Em síntese, o rótulo comunica e é parte essencial de um conjunto de elementos que trabalha pelo sucesso, posicionamento, aceitação e desempenho comercial dos vinhos no mercado”, resume a especialista.

Para sugestões de matérias escreva para pauta@brasildevinhos.com.br

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