Será que pode se dizer que um vinho nasceu a partir da obra da demolição de uma tradicional vinícola brasileira que foi à falência?
Estranho isso, mas real.
Pois é isso que conta Andrea Trentin, enóloga – e agora empreendedora – que junto com a mãe, a relações públicas Marli Trentin (as duas na foto acima, crédito Zéto Telöken), está a frente do projeto Ela Franc. “O Ela nasceu a partir de um bate papo informal sobre os vinhos antigos Cabernet Franc das safras 1951 e 1955, produzidos pela Cooperativa Sociedade Vinícola Rio-Grandense”, conta Andrea. Durante a conversa surgiu a ideia de fazer algo que homenageasse e perpetuasse essa história”, complementa. ”Alguns destes vinhos foram encontrados durante as obras de revitalização de um dos prédios da antiga Cooperativa”, conta.
Sociedade Cooperativa Vinícola Rio-Grandense
A Cooperativa (na foto acima uma das sedes, em Caxias do Sul. Reprodução wikipedia) foi criada em 1929 para, de acordo com seu estatuto, ‘defender os interesses dos vinicultores, comprar, fabricar, vender o vinho e constituir a indústria capitalista na vinicultura, até então dominada pelo artesanato doméstico ou pelas manufaturas dos comerciantes’. Até a década de 50 era a maior empresa brasileira do setor, produzindo 52 milhões e exportando 13 milhões de litros de vinhos – a vinícola possuía até um navio próprio para transporte. Em 1997, depois de diversos períodos de altos e baixos, foram encerradas as atividades da vinícola.
No final da década de 90, o pai de Andrea, empresário do ramo da construção civil, foi fazer uma obra em um prédio que pertencia à Cooperativa – quando a vinícola faliu todo o patrimônio foi vendido e retirado do lugar. “O pai conta que quando entraram no prédio havia ainda muita coisa, os tanques de madeira, as pipas, litros e litros de conhaque”, rememora. “E tudo foi fora”, lamenta.
Tudo o que foi encontrado ali foi descartado, infelizmente.
Tudo, ou quase tudo.
Na época Marli – mãe e agora sócia de Andrea na Ela Franc – que era dona de um antiquário em Caxias do Sul, tinha visto em uma viagem uma parede ambientada com garrafas antigas. “Então ela logo combinou com meu pai de guardar o que ele tinha localizado na obra para aproveitar em outro momento”, relata Andrea. Mas esse aproveitamento nunca veio.
Em 2018 Andrea passa a cursar Enologia e resolve analisar mais de perto o que tinha empoeirado em um depósito na casa dos pais, afastado da luz e guardado por aranhas e suas teias. “As garrafas estavam lá, mas eu não sabia se poderia comprovar a origem. Ao pegar uma delas descobri que todas tinham a cápsula de estanho com o brasão da Rio-Grandense”, conta. Em função do tempo muitas já apresentavam vazamentos, estavam vazias ou sem rolha, mas de acordo com Andrea, cerca de 10% são aproveitáveis.
Ela Franc
“O Ela Franc veio para valorizar ainda mais esse vinho antigo”, conta Andrea, que antes de se lançar neste projeto familiar passou por experiências na EBV, na Manus Vinhas e Vinhos e na vinícola Zanella. E além de buscar a valorização da história, o Ela Franc vem de um modo muito exclusivo, inicialmente com apenas 900 garrafas – 300 de cada safra, 2021, 2022 e 2023. “A safra 2021 foi tão boa que optamos por elaborar nos anos seguintes”, complementa, e completa dizendo que as garrafas estão sendo comercializadas a R$ 140.
O primeiro vinho elaborado é um varietal que estagiou oito meses em barricas novas de carvalho francês, com a vinificação sendo feita na vinícola Vaccaro, em Garibaldi, mesma origem das uvas. “O objetivo é desenvolver vinhos de qualidade que representem as características da uva”, explica Andrea. “E sempre com o conceito de trabalhar a Cabernet Franc em suas mais diversas expressões, em tintos, rosés, espumantes, cortes, diferentes terroirs, vinhos fortificados e também destilados”, antecipa. “Queremos deixar a imaginação correr solta e mostrar todo potencial desta casta que ressurge com força mais de 70 anos depois”.
Fotos não creditadas: arquivo pessoal Andrea Trentin
Com informações de site Vinhos Nacionais.
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