O Brazil Wine Challenge, um dos principais concursos internacionais de vinhos da América Latina, único com a chancela da Organização Internacional da Vinha e do Vinho (OIV) no Brasil, é um evento meticulosamente planejado por quase um ano pela Associação Brasileira de Enologia, uma instituição formada por profissionais do vinho – basicamente enólogos – que tem como objetivo principal promover o crescimento de seus associados, organizando palestras, degustações e congressos, por exemplo, mas também alguns eventos para promoção do vinho de uma forma geral, dentre eles o Brazil Wine Challenge, que será realizado em Bento Gonçalves (RS), entre os dias 16 e 19 de julho.
São quatro dias de provas de vinhos avaliados por 85 especialistas de diversos países – além de Brasil, há jurados da Argentina, Bolívia, Chile, Espanha, França, Portugal e Uruguai. Para entender como funciona essa engrenagem conversamos com algumas pessoas que fazem o evento acontecer, como Adriane Biasoli, Leocir Bottega, Ricardo Morari e Christian Bernardi, todos da ABE. Buscamos também figuras representativas no mundo do vinho como Regina Vanderlinde e Fernando Pettenuzzo, que explicam particularidades e a importância e representatividade do evento para o mundo do vinho. Além disso, buscamos degustadores experientes, como a sommelière Deisi da Costa e o escritor Michael Waller, que relatam como se preparam para longas avaliações como esta. Os detalhes, as percepções, as avaliações e as sugestões de cada um deles podes conferir na série de reportagens que estás começando a ler agora. Os links para as seguintes estão ao final do texto.
Abrimos a conversa com Ricardo Morari, presidente da Associação Brasileira de Enologia, com experiência de mais de 20 eventos no Brasil e um dos representantes do país em diversos concursos pelo mundo, que nos dá suas impressões sobre o Brazil Wine Challenge e concursos internacionais.
Um concurso internacional de vinhos
Como funciona um concurso internacional de vinhos?
Um Concurso Internacional de Vinhos tem por objetivo avaliar e premiar vinhos que apresentem uma qualidade acima da média, seguindo critérios pré-estabelecidos em um regulamento próprio e que garantam a idoneidade desta avaliação e classificação. Um regulamento bem redigido e com categorias bem definidas é o ponto inicial para a realização do Concurso. Depois disso, seguem-se as etapas de inscrições das amostras, codificação e separação delas nas categorias estabelecidas pelo regulamento, seleção dos degustadores e definição dos júris para cada dia da avaliação, preparação das amostras na temperatura ideal para o serviço, o serviço em si e a degustação, realizada necessariamente às cegas. Depois, a compilação das pontuações e a distinção dos 30% mais bem pontuados.
Qual o diferencial do Brazil Wine Challenge?
O BWC é o único Concurso Internacional de Vinhos feito no Brasil com a chancela da OIV, com todo o processo coordenado pela equipe da ABE. Além disso, é realizado obedecendo rígidos critérios técnicos que garantem que as amostras inscritas sejam avaliadas de forma justa e idônea. Esta edição de 2024 ultrapassou as mil amostras inscritas (exatamente 1034, vindas de 191 empresas de 15 diferentes países), o que o torna também um dos maiores Concursos das Américas.
Quais os critérios da OIV para um julgamento imparcial?
São vários, entre os importantes eu poderia citar ter um representante da OIV como jurado durante o Concurso, fazendo uma espécie de auditoria de todo o processo; servir, às cegas, as amostras na sequência e temperatura adequadas ao tipo de produto, amostras que devem ter uma boa representatividade de países dentre as inscritas. As avaliações devem ser pessoais e imparciais e o júri deve ser formado por jurados que tenham conhecimento técnico suficiente para uma correta avaliação dos vinhos, com integrantes de diferentes países compondo os júris, cada um deles com um presidente coordenando os trabalhos de degustação.
Pra que serve um concurso de vinhos?
Serve para avaliar e premiar vinhos que apresentam qualidade diferenciada, e ao mesmo tempo também como ferramenta de marketing para as vinícolas que têm seus vinhos premiados e acabam virando uma referência para o consumidor no momento da escolha.
O vinho que ganha, passa a valer mais?
Não necessariamente. Alguns vinhos de produção limitada podem ter seu valor de mercado aumentado após receber uma premiação, mas temos exemplos de muitos vinhos de grandes produções que recebem premiações constantemente e nem por isso se tornam mais caros. Em geral, as empresas utilizam a premiação para fomentar a venda de sua marca como um todo e não exclusivamente para o vinho premiado.
As regras dos concursos internacionais
A enóloga Regina Vanderlinde (foto acima, arquivo pessoal) tem muita experiência internacional. Participando da OIV desde 2001, entre os anos de 2018 e 2021 esteve na presidência e atualmente, em 2024, é vice-presidente da Instituição. Durante este período teve a oportunidade de participar como jurada e como observadora da OIV em muitos concursos. “O BWC é o único concurso do Brasil que possui a chancela da OIV”, lembra Regina. “Esta aprovação não apenas confere prestígio ao concurso, mas também exige um compromisso contínuo com a qualidade e a integridade de todas as etapas do evento”.
Como são as regras para os concursos internacionais?
Resumidamente as normas incluem a definição e os objetivos dos concursos, que têm como finalidade promover o conhecimento dos vinhos e bebidas espirituosas de qualidade, incentivar a produção e o consumo responsável, apresentar os tipos característicos de vinhos produzidos em diversos países e elevar o nível técnico e científico dos produtores. Todos os vinhos e bebidas espirituosas de origem vitivinícola podem participar do concurso, desde que cumpram as definições do “Código Internacional de Práticas Enológicas” da OIV. Esses produtos devem ser comercializáveis, provenientes de lotes homogêneos de no mínimo 1000 litros e serem apresentados com a rotulagem e apresentação comercial. O formulário de inscrição das amostras deve incluir a identificação completa do participante, a designação exata do produto, a categoria do produto, boletim de análises, cepas e porcentagens no vinho, além da quantidade disponível. A organização do concurso é responsável por todas as operações materiais e administrativas, devendo garantir o anonimato das amostras e a integridade do processo de avaliação. O júri deve ser internacional, com uma composição diversificada, com jurados que devem ter conhecimentos em técnicas de degustação, sendo em sua maioria enólogos ou pessoas com diploma equivalente. Um especialista comissário da OIV é designado para supervisionar o concurso e garantir o cumprimento das normas.
Quantos concursos pelo mundo têm essa chancela?
A OIV aprova aproximadamente 40 concursos de vinhos em todo o mundo. O Brazil Wine Challenge tem a honra de possuir a chancela da OIV desde 2002, consolidando-se como um dos mais reconhecidos e prestigiados concursos de vinhos cenário internacional.
Como a OIV avalia a continuidade da chancela ao concurso?
É feita uma avaliação rigorosa e contínua. O especialista comissário da OIV acompanha todo o processo, desde a preparação até a finalização, e deve elaborar um relatório detalhado sobre o evento. A OIV pode formular recomendações e, se necessário, retirar a patronagem do concurso. Com a aprovação da OIV, a ABE beneficia-se por uma maior credibilidade e visibilidade internacional. Essa chancela pode atrair mais participantes de alta qualidade e conferir um maior prestígio aos prêmios concedidos aos vinhos.
É possível comparar o BWC com algum concurso realizado em outro país?
Um exemplo de concurso modelo seria o Vinalies Internationales, organizado pela Associação dos Enólogos da França desde 1994. Este concurso é reconhecido por sua organização exemplar, que inclui uma diversidade de vinhos avaliados e de participantes internacionais. Além disso, prima pelo rigor técnico na avaliação dos vinhos, garantindo a qualidade e a imparcialidade dos resultados. O BWC por ser um concurso em que a maioria dos jurados são enólogos ou possui um diploma equivalente, segue a estrutura do Vinalies Internationales, destacando-se também pela seriedade e credibilidade que atribui ao evento. Com base na minha experiência, considero que o BWC está entre os concursos mais bem organizados e respeitados com a chancela da OIV.
O protagonista é o vinho
O uruguaio Fernando Pettenuzzo (f0t0 acima) é outra figura muito experiente no mundo do vinho. Enólogo há 25 anos, é especializado na elaboração de espumantes e de Tannats de Alta Gama. Desde 2002 faz parte da Associação de Enólogos do Uruguai e é um dos organizadores do Concurso Internacional Tannat Al Mundo. “Eu sempre considero que este é o concurso perfeito, onde há muitas pessoas trabalhando atrás da organização e o resultado, sem dúvida, é o esperado. O concurso do Brasil sempre foi um concurso de muitas amostras, de muitos jurados, onde a organização é perfeita”.
Quais são as semelhanças e diferenças entre o BWC e outros concursos internacionais como o Tannat Al Mundo?
Na América Latina, há quatro concursos ligados à Associação de Enólogos da América, da qual sou o coordenador: o Brasil Wine Challenge, o Tannat Al Mundo, no Uruguai, o Malbec Al Mundo, na Argentina, e o Carménère Al Mundo, no Chile – estes três avaliam apenas vinhos monovarietais, diferentes das provas do BWC, que é multicategorias: há brancos, tintos, rosados, espumantes… A semelhança é que todos estes quatro contam com o aval da OIV. E o fato de contarem com essa aprovação significa que têm de se ajustar a um formato de degustação onde é necessário cumprir determinadas normas, como por exemplo, a degustação às cegas. Ao mesmo tempo isso dá uma sinergia entre os países, facilita os convites e o interesse pelos degustadores, na divulgação pelos países e auxilia também na procura e envio de amostras a serem analisadas.
Qual a importância dessa chancela da OIV para um mercado que podemos chamar ainda de emergente no mundo do vinho como o do Brasil?
Acredito que o patrocínio da OIV qualifica o concurso, dá uma tranquilidade ao degustador de que o vinho será tratado com muito respeito e que o clima, o ambiente e a sala onde será degustado, tudo estará perfeito. Podemos dizer que o protagonista é o vinho, não o concurso nem o degustador: quando um concurso tem o patrocínio da OIV, o protagonista é o vinho.
Fotos: topo, concurso internacional e Fernando Pettenuzzo, por Jeferson Soldi. Regina Vanderlinde, arquivo pessoal.
SAIBA MAIS
A segunda matéria da série sobre o Brazil Wine Challenge conta mais sobre o único concurso de vinhos do Brasil chancelado pela OIV. Clica aqui para conhecer os bastidores do evento: saiba como são feitas as inscrições, o envio e acondicionamento de amostras, o serviço do vinho e como foi a inovação da ficha de avaliação digital.
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