Doze garrafas e 58 anos de diferença entre a mais jovem – Salton Septimum 2009 – e a mais velha – Cabernet Franc Companha Vinícola Riograndense 1951. Todos vinhos gaúchos tranquilos, apenas um espumante – Cave Geisse Terroir 2002. Quatro enólogos estrangeiros envolvidos – o uruguaio Juan Carrau, no Chateau Lacave Anticuário 1982; os chilenos Carlos Abarzúa e Mario Geisse, no Geisse, e o argentino Adolfo Lona, no Baron de Lantier 1999, os outros todos daqui. O encontro que reuniu amantes do vinho brasileiro, organizado pelo produtor Eduardo Gastaldo, um aficionado pelo tema, teve ainda um requinte de qualidade: a participação do enólogo Lucindo Copat, história viva do vinho brasileiro, e responsável por dois dos rótulos apresentados, além do corte Salton Septimum, de 2009, também o Volpi, um varietal de Merlot 2004, feito em tiragem limitada e exclusiva como homenagem ao pintor Alfredo Volpi.
Foi uma noite de percepções e descobertas. Entre os vinhos há cortes e varietais, há rótulos mais simples e outros talvez pensados para guarda, há diferenças de estilo, de vinificação, de posicionamento e de filosofia, mas há uma certeza, e quem assegura isso é Lucindo Copat: “mesmo os vinhos mais comuns estão vivos”. Mas alguns, claro, têm seus defeitos, mas pergunta que fica é: quem disse que vinho brasileiro não aguenta guarda?
Os rótulos degustados
1951 Cabernet Franc Companha Vinícola Riograndense
1982 Anticuário Chateau Lacave
1998 Reserva Miolo
1999 Baron De Lantier
2000 Cabernet Sauvignon Pizzato
2002 Terroir Cave Geisse
2000 Angheben Reserva Merlot
2004 Dom Cândido Assemblage
2004 Salton Volpi Merlot
2005 Báculo vinícola Salvador (hoje Salvattore)
2005 Anima Vitis Boscato
2009 Salton Septimum
“Dos 12 vinhos brasileiros antigos que avaliamos, todos estavam vivos”, diz Gastaldo, proprietário da Ruiz Gastaldo vinícola urbana, de Porto Alegre (RS), “nenhum apresentava defeito, pelo contrário, tinham mais virtudes”. Mas é bom dizer que a degustação não foi técnica. Entre os participantes, além de Copat, enólogo que não precisa apresentar credenciais, havia a presença do organizador do evento, o produtor Eduardo Gastaldo, o restante do grupo era formado por apaixonados por vinho brasileiro, com diferentes graus de conhecimento sobre a bebida. “Não fizemos anotações”, explica Copat, “não era esse o objetivo do encontro”.
O foco era demonstrar como envelhece um vinho brasileiro – mas pensem que estamos voltando anos no tempo, décadas, quase 60 anos, se pensarmos no caso do mais antigo dos degustados, o Cabernet Franc 1951 da Companhia Vinícola Riograndense.
Para Copat, quem determina a idade de um vinho é a empresa: “a trajetória do vinho depende muito de que empresa quer, não é o enólogo que determina, é a empresa”, explica. E nesse momento que entram no debate diversas discussões: o vinho deve ter durabilidade, ter um preço mais alto, uma margem de lucro maior? Todas estas perguntas devem ser respondidas pelo enólogo que está elaborando o vinho. “Mas naturalmente essa durabilidade tem um limite”, segue Copat, “o vinho tem uma trajetória muito parecida com a vida humana, é um elemento orgânico: nasce, atinge a puberdade, o ápice e depois entra em declínio”, filosofa. “Exatamente muito do que acontece com o ser humano”.
E ouvir isso de Copat (foto acima) é ouvir de alguém que sabe muito o que está falando. O enólogo, que depois de uma passagem pela Cooperativa Vinícola Aurora esteve a frente da enologia da Salton por mais de 30 anos, é enfático ao dizer: “se falava que o vinho brasileiro não tinha capacidade de guarda, isso é mentira”. Mas claro, isso não se aplica a todos os vinhos: “a elaboração é muito importante”, pondera, “se vamos fazer um vinho que tenha pouco tanino ele vai ser degustado jovem, terá um período de vida muito curto; se for um vinho de ‘meia-idade’, que dure até 10 anos, bem aí entra o trabalho do enólogo”.
E isso se comprovou na prática nesta degustação. Desde a cor vibrante de um ‘jovem’ blend 2009 – Salton Septimum (foto acima), um corte de Tannat, Ancelota, Merlot, Cabernet Franc, Teroldego, Cabernet Sauvignon e Merlot – até o resistente Cabernet Franc 1951 da Companhia Vinícola Riograndense (foto abaixo) – localizado em meio aos escombros de uma obra em Caxias do Sul na década de 90. “Se o vinho foi bem vinificado, ele resiste bem”, diz Copat. Gastaldo sugere três possíveis fatores para a longevidade dos vinhos: primeiro, o terroir, que permite vinhos com boa acidez e consequente longevidade. Depois – e muito importante – a qualidade das uvas que foram vinificadas e por fim, mas também fundamental, a guarda dessas garrafas – o bom armazenamento é imprescindível. ”Claro que há outros fatores, mas levanto esses três como fundamentais nesse processo”, resume.
E degustamos isso. “Essa foi uma das grandes degustações da minha vida, por incrível que pareça”, comemora Jorge Ducati, presidente da Sociedade Brasileira dos Amigos do Vinho e um grande entusiasta do vinho brasileiro. Ducati já viajou pelo mundo degustando vinhos: “já provei alguns tomou alguns champanhes de 30, 40, 50 anos, algum Bordeaux de 50 anos”, lembra, “mas degustações de vinhos antigos não foram muitas, ainda mais de brasileiros”, completa. O entusiasmo de Ducati é presente em sua fala: “Eu nunca tinha visto uma coisa dessas, os vinhos estavam bons, não teve pontos baixos”, avalia. Ao mesmo tempo pondera que de todos os degustados alguns estavam um pouco mais turvos, menos ‘vivos’ – lembrem, rótulos entre 1951 e 2009. “Mas todos eles perfeitamente ‘bebíveis’, e não só ‘bebíveis’, como bons, gostosos”, garante.
Ducati segue afirmando que sempre acreditou no potencial de guarda dos vinhos brasileiros, pra ele quem diz o contrário desconhece a qualidade do produto feito no Brasil (na foto acima, Reserva Miolo 1998). “O vinho brasileiro vive e vai ficando melhor a cada ano”, sentencia. “Guardem vinhos brasileiros, especialmente os vinhos de mais estrutura, porque vale a pena, daqui a algum tempo essa paciência vai ser recompensada”, assegura Ducati. “É o que eu sempre digo, quem guarda vinho acredita na imortalidade. Então um dos meus projetos para o futuro daqui a 20, 30 ou 40 anos, é continuar tomando os vinhos que eu estou guardando agora”, finaliza.
E que assim seja.
Fotos: Brasil de Vinhos
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