Como envelhece um espumante no fundo do mar? O quanto ele evolui?
Ele melhora?
A guarda submarina a que nos acostumamos a ver nos filmes, as garrafas perdidas nos naufrágios, encontradas anos, décadas depois, intactas – ou não. Isso é ficção ou é realidade?
É realidade sim, realidade que é praticada até com relativa frequência no Velho Mundo e que, aos poucos, chega ao Brasil. O cuvée Miolo 2014 Under the Sea não foi o primeiro vinho brasileiro a se beneficiar dessa, digamos, ‘guarda marinha’, mas certamente está sendo o mais noticiado.
Uma degustação de duas das 504 garrafas do cuvée Miolo Under the Sea na presença do enólogo Adriano Miolo tentou responder a estas – e outras perguntas.
Antes dos esclarecimentos, vamos aos fatos. Quinhentas e quatro garrafas do espumante Miolo Cuvée 2014, da vinícola Miolo, ficaram repousando por um ano a 60 metros de profundidade no mar da Bretanha, na França. O local onde as garrafas ficaram envelhecendo de outubro de 2016 a novembro de 2017 – ilha de Ouessant, na região conhecida como Baie du Stiff – foi escolhido por algumas características, como aponta Denis Drouin: “neste trecho há escuridão total, temperatura constante entre 10° C e 14° C, proteção contra ondulação forte e alta pressão da água”, explica o presidente da Amphoris, empresa especializada neste tipo de trabalho, responsável pela guarda das garrafas nas profundezas do mar.
Esta forma inusitada de envelhecer o vinho escolhida pela vinícola era uma prática comum na Europa e passou a ser utilizada a partir de tesouros encontrados nas profundezas do mar em navios naufragados. A ideia surgiu para marcar um momento importante: em 2016, o Miolo Wine Group bateu a marca de exportação de 100 mil garrafas do Miolo Cuvée, sendo que 10 mil delas foram vendidas somente na Soif D’ailleurs, em Paris, uma loja especializada em vinhos estrangeiros.
Mas e as percepções sensoriais do espumante, dez anos depois? (um deles debaixo d’água)
Para Adriano Miolo, enólogo e diretor-superintendente da Miolo, esta avaliação não é simples: “é difícil fazer uma apreciação desse espumante, digamos assim, voltada para as características que podem ter sido agregadas com esse envelhecimento no fundo do mar”, explica. Para Miolo o que se pode afirmar é do ponto de vista da conservação desse vinho. Conservação que pode ser avaliada também pela rolha (foto acima) que ganhou uma proteção extra de cera: ao ser aberta, estava impecável. O enólogo explica que, diferente do espumante Íride, que foi concebido com esta ideia, o Cuvée não foi pensado para guarda. “Então o que surpreende nesse produto é justamente ele ter 10 anos e estar com essa característica de frescor, acidez muito presente, cremosidade nas borbulhas, no perlage”, comemora Miolo. “Acredito que que o grande ponto a destacar é essa manutenção das características organolépticas em harmonia”, pondera. “É um produto que está muito bem pelos 10 anos de envelhecimento na garrafa que ele tem”, finaliza.
A acidez que Adriano Miolo festeja realmente foi uma marca possível de sentir em boca, como avalia Lilian Lima, sommelière e jornalista especializada em vinhos: “bebemos um espumante de guarda que envelheceu bem, e que a meu ver tem estrutura pra envelhecer mais, porque tem acidez”, relata. “Além disso”, segue, “a cor estava clara, ainda não havia escurecido. Um nariz muito bom, delicado, tudo muito equilibrado no nariz e na boca. Na minha opinião ainda pode seguir na garrafa por mais tempo”, resume.
“Difícil dizer, numa prova rápida e não técnica, quanto e como a influência atlântica e o equilíbrio de pressão entre o interior da garrafa e a massa líquida e fria das profundezas marítimas pode ter contribuído para a qualidade do vinho”, argumenta Irineu Guarnier, jornalista especializado em vinhos que também esteve na degustação. “Mas os seus 10 anos de garrafa sem dúvidas acrescentaram complexidade e elegância comparáveis aos melhores champagnes. Não que o espumante da Miolo tenha de parecer um champagne. Ele é, com certeza, um belo vinho do Vale dos Vinhedos, com características únicas no mundo. Se o mar lhe fez bem ou não, eu não sei dizer”, finaliza.
Mas e sobre essas características digamos marítimas? Adriano Miolo (foto acima, à esquerda, com o irmão, Alexandre) responde: “Por mais que ele tenha mineralidade, e se percebe bem nessa mineralidade, não dá para atrelar isso, digamos, a esse um ano que ele ficou no fundo do mar”, reflete. “Mas sim, foram preservadas diversas características num grande espaço de tempo de 10 anos, para um produto que poderia se pensar que deveria estar muito mais oxidado, muito mais evoluído, e não foi o que vimos”, comemora. “É um produto ainda com uma cor bem adaptada de evolução, mas sem oxidação, e os aromas são muito próprios da evolução de um espumante envelhecido, porém sem traços de oxidação”, resume.
Irineu Guarnier tem uma visão mais poética do espumante que vem intrigando enófilos desde seu lançamento: “não existe vinho sem história, paisagem e autoria. Neste caso, temos os três fatores reunidos: um espumante cuveé de 10 anos que envelheceu por um ano imerso nas águas frias e escuras do Atlântico Norte e depois nas caves da Miolo, sob a cuidadosa supervisão do enólogo Adriano Miolo”, filosofa.
Como diz o jornalista, a Miolo tem agora mais uma bela história para contar.
Fotos: Brasil de Vinhos e divulgação Amphoris
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