(foto de topo: Fattoria Vinhas Altas)
O Rio de Janeiro continua lindo…
Ok, essa frase é lugar comum, um chavão, como diria a escritora Cintia Moscovich – que inclusive dá aulas de como não os usar – mas com o perdão da mestra, usei. Visitar o Rio de Janeiro é praticamente sinônimo de estar na praia, tomar chope gelado e curtir um samba. Mas pasmem – ou não: o estado do Rio de Janeiro aos poucos começa a se mostrar como produtor de vinhos finos. “O Rio de Janeiro vai se tornar um polo viticultor do Brasil muito conhecido”, diz Marcelo Rozental, vice-presidente da AVIVA e produtor de vinhos na Casa Rozental.
A produção se concentra na Serra Fluminense, mais especificamente em oito municípios: Petrópolis, Paty do Alferes, Paraíba do Sul, Três Rios, São José do Vale do Rio Preto, Teresópolis e Nova Friburgo são sete deles, o oitavo, que fica ao centro, é Areal, cidade que desde abril de 2021 é reconhecida oficialmente como ‘capital da uva’ do Rio de Janeiro. Os cerca de 100 quilômetros de distância entre Areal e a capital fluminense são vencidos em pouco mais de duas horas, e o acesso a se dá principalmente pela sinuosa rodovia Washington Luiz.
Na região existem duas associações: 26 dos hoje 38 produtores de vinho da Serra Fluminense estão reunidos na Associação dos Produtores de Uvas vitis vinifera da Serra Fluminense (AVIVA), e trabalham unidos desde 2023 para buscar melhorias, crescimento técnico, inovação, organizar a produção e facilitar cada vez mais o acesso ao turista. Sete fazem parte da Viniserra, outro coletivo da região. Há três vinícolas que estão nos dois grupos.
(vinícola Inconfidência)
A Dupla Poda
Em comum a todas o sistema da Dupla Poda, também conhecido como Colheita de Inverno ou Poda Invertida, método de cultivo que começou a ser desenvolvido no início dos anos 2000 por Murillo de Albuquerque Regina, na época ligado à EPAMIG. A ideia surgiu a partir da percepção do pesquisador que, depois de retornar da França, concluiu que as condições de produção de vinhos finos na Europa eram semelhantes às características do inverno no Sul de Minas Gerais, na região da Mantiqueira.
A técnica, que passou a ser testada no Brasil a partir de Três Corações (MG), foi sendo aprimorada e nestes 25 anos ganhou o Sudeste, Centro Oeste e uma parte do Nordeste. A Dupla Poda ‘inverte’ o ciclo da videira, possibilitando a colheita no inverno, aproveitando assim a amplitude térmica da estação para a maturação das uvas. O inverno costuma ser um período de seca na região – e estresse hídrico, benéfico para a cultura da uva direcionada à produção de vinhos finos.
Vinhedos de inverno
A Associação Nacional de Produtores de Vinho de Inverno tem 51 vinícolas cadastradas, responsáveis pelo plantio de 456 hectares de vinhedos no Distrito Federal e nos estados de Goiás, Minas Gerais, São Paulo, Bahia e Rio de Janeiro. Entre as associadas da ANPROVIN há apenas uma vinícola fluminense, a Maturano (foto acima), com 18 hectares cultivados em Teresópolis. Deixando de fora a Viniserra, os 26 associados da AVIVA no estado do Rio de Janeiro são responsáveis atualmente por uma área de cerca de 80 hectares, desta forma a área de vinhos de inverno do país já pula para mais de 500 hectares, mas esta é outra pauta.
As cerca de 300 mil mudas plantadas pelos associados da AVIVA são em sua maior parte Syrah e Sauvignon Blanc – variedades mais adaptadas à Dupla Poda – mas também há destaque para a Cabernet Franc, que já está produzindo vinhos promissores na região.
A educação e a pesquisa
Em breve o Rio de Janeiro deverá ganhar a Universidade Livre do Vinho. “A estratégia da instalação da Universidade, nas cidades de Maricá e Paraíba do Sul, se dá muito em função da sua localização privilegiada”, assegura o pesquisador Leonardo Cury (na foto acima à esquerda, nos vinhedos da Família Eloy), anunciado como primeiro reitor da Instituição a ser criada, “contribui muito para isto estar perto de Minas Gerais e São Paulo e com proximidade relativa com o Sul da Bahia, o Distrito Federal e Goiás”. Cury exlica ainda que o modelo de negócio foi inspirado nas Universidades Livres do Vinho de Portugal, mas que neste caso terá o foco todo na viticultura de Dupla Poda: “inicialmente teremos cursos de Viticultura e Enologia, Enoturismo e Enogastronomia. E também ofereceremos programas específicos de Marketing e comercialização”, pondera.
A criação de uma Instituição de ensino na região vem ao encontro de uma das grandes apostas da Serra Fluminense: o Enoturismo, que está recebendo diferentes tipos de empreendimentos, desde pequenos produtores, com perfil mais autoral, até empresas com foco na hospitalidade, e que têm na produção de uva e vinho um dos muitos atrativos do negócio.
A ‘Rota Areal, capital da Uva’, projeto desenvolvido pela AVIVA com o apoio do Sebrae RJ, é um roteiro que se inicia na vinícola Caniato, no Vale das Videiras, em Petrópolis, e segue até a vinícola Tassinari, em São José do Vale do Rio Preto, passando por 16 vinícolas. No trajeto é possível se conhecer diversos tipos de projetos, e alguns deles vamos apresentar em uma série de reportagens.
Um terroir a ser descoberto
Mario Lucas Ieggli está em safra o ano inteiro: além de ser enólogo-diretor da vinícola Czarnobay, na Serra Gaúcha, também presta consultoria enológica para pelo menos cinco vinícolas na Serra Fluminense – Inconfidência, Eloy, Tassinari, Terras Frias e Caiafa. Como se fosse pouco, ainda é presidente da Associação Brasileira de Enologia.
“Todo terroir é único, seja em larga ou em pequena escala”, diz Ieggli, “os vinhos dos micro-terroirs do RIo de Janeiro têm bastante estrutura aromática e bastante maturação tecnológica da uva, o que possibilita resultar em vinhos de guarda, com bastante estrutura e elegância”, conclui. Com muitas safras de inverno acumuladas o enólogo garante que ainda teremos muitas supresas pela frente: “o Rio de Janeiro é um terroir muito jovem, mas que tem nos dado bastante alegria na taça, vinhos com bastante expressão aromática e em boca, vinhos autorais”, explica.
“É ainda um terroir a ser desbravado”, provoca.
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O Brasil de Vinhos viajou a convite do Consevitis-RS e do Sebrae
Fotos: Siderlei Ditadi (foto de topo), Leonardo Cury e Brasil de Vinhos | Lucia Porto
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