Rosângela Bettu Lazzari é uma mulher sorridente e um pouco tímida, mas adora falar sobre o que gosta: fazer vinho. Os dias são parecidos e sempre muito corridos em sua rotina: a mais velha das quatro irmãs, filha de Odete e do já falecido Danilo, faz mil e uma atividades no negócio da família, a Osteria della Colombina, um restaurante imperdível em Garibaldi (RS) para quem gosta de boas histórias, comida excelente e bebida idem. Rosângela cuida da horta, do pomar, da produção, dos vinhedos – são 3,5 hectares produtivos – e faz alguns dos vinhos oferecidos no local.
Porque na carta vinhos da Osteria todos os rótulos vêm da vizinhança, inclusive os produzidos por Rosângela. “Desde meus 15 anos faço vinho, comecei aprendendo com meus tios Orgalindo e Wilmar”, diz a técnica em agropecuária com especialização em agroindústria, que fez especialização em viticultura em Verona, em 2004. Já trabalhava com os tios quando eram sócios da Cooperativa Aurora e foi pegando o gosto. “Hoje cada um tem uma vinícola separada, mas um bom tempo trabalhei com eles, ajudando nos vinhedos e na vinificação”, recorda.
Orgalindo e Wilmar, com o perdão do adjetivo, talvez sejam figuras digamos, míticas, no vinho brasileiro, são figuras admiradas por muitos. E foram pioneiros em muitas coisas: “meus tios eram sócios da Cooperativa Aurora e começaram a implantar aqui as primeiras mudas de Tannat, por exemplo, que vieram da França há cerca de 30 anos”, conta, “e estando por perto, tendo essa convivência, trabalhando com as uvas e com eles na vinícola eu fui pegando o gosto das coisas”, reflete.
Enquanto não tira do papel seu projeto de começar a construir a vinícola em 2026, continua vinificando no espaço do tio Orgalindo, mas já não compra mais uvas de vizinhos: “sempre quis ter primeiro o vinhedo, para depois ter a vinícola”, diz, “hoje tenho cerca de 15 variedades, e meu foco é ter uma produção pequena, bem limitada, com algumas variedades apenas com uma barrica de vinho”, explica.

E foi sobre fazer vinho que Rosângela falou quando recebeu, de uma tacada só, quatro especialistas no assunto: o italiano Vittorino Novello, pós-doutor em Viticultura e Enologia, o sul-africano Adriaan Oelofse, doutor em Biotecnologia do Vinho e os brasileiros Fernanda Spinelli, doutora em Biotecnologia e delegada científica brasileira na Comissão de Enologia da Organização Internacional da Vinha e do Vinho e Gilberto Cargnel, enólogo.
Rosângela gosta mesmo é do contato com a terra, de estar no campo, de manejar as videiras, é ali que se sente bem. E no campo faz questão de manter tudo o mais orgânico e ‘limpo’, possível, seja no vinhedo localizado junto à Osteria, onde cultiva uvas que são entregues à Cooperativa Vinícola Garibadi, ou no seu ‘vinhedo laboratório’, também não muito longe do restaurante.

O primeiro espumante biodinâmico brasileiro
Um hectare e meio de área de uvas americanas Bordô e Isabel para suco, cultivados ao lado da Osteria e entregues para a Cooperativa Vinícola Garibaldi tem rastreabilidade, são certificados orgânicos e biodinâmicos, bem como o vinhedo de Chardonnay: “foi desta área que veio uma parte das uvas para o primeiro espumante biodinâmico brasileiro com certificado internacional”, relembra. O espumante ao qual a produtora se refere é o Astral, lançado pela Garibaldi em março de 2019.
O vinhedo, totalmente manejado por Rosângela e seu marido, faz parte da história da família – os pés de Isabel foram plantados por seus antepassados, e já têm mais de 60 anos.
Aliás, o fato de serem Vinhas Velhas – pela legislação da OIV vinhedos a partir de 35 anos já podem ter essa classificação – fez com que Adriaan Oelofse sugerisse o uso dessa denominação para fins comerciais: “os vinhos poderiam ser premiumizados’ e ter mais valor agregado na hora da venda”, disse.
O vinhedo que era convencional e aos foi aos poucos sendo convertido tem seu ponto fraco: “na floração, por exemplo, o momento crítico é o controle do Míldio, não podemos vacilar que teremos perda”, alerta Rosângela.

Espaço para testar
Em 2022 Rosângela estudou antes de passar a cultivar em outra área – um espaço arrendado em 2016 onde antes era cultivado milho. No local foram feitos teste de solo, posteriormente cobertura verde, palhada e muito produto biológico para dar vida: “o solo é a base de tudo, se o solo está equilibrado a planta se desenvolve mais tranquila e se consegue cultivar melhor”, sentencia, ao mesmo tempo em que avalia que o maior desafio é a grande diversidade de climas: “o problema principal é a umidade e o consequente aparecimento do Míldio”.
“Pratico aqui o que aprendi com meu tio Orgalindo, que fez estágio em Bordeaux, na França: depois do cacho é necessário ter de 14 a 15 folhas pra plena maturação da uva”, explica. A produtora explica que esse tipo de manejo ajuda a diminuir a incidência de Míldio: “se deixar ao natural estimula menos a brotação e consequentemente o Míldio”, completa. Gilberto Cargnel, que produz uvas e vinhos em na Vinha Solo em Caxias do Sul, também na Serra Gaúcha, pontua: “um dos nossos grandes inimigos é a inconstância pluviométrica”, argumenta, “tem anos que chove muito, noutros chove menos e é necessário usar irrigação, o planejamento fica quase impossível”, completa.
Rosângela tem 11 variedades em um hectare – Chardonnay, Merlot, Marselan, Cabernet Franc, Alvarinho, dois clones de Pinot Noir, Malbec, Montepulciano, Vermentino, Nebbiolo – e tem foco em fazer pequenas vinificações, “uma barrica de cada varietal”, diz ela, “um plantio bem diversificado, que possibilita trabalhar com cortes também”. A produtora explica que nessa área também já faz uso dos preparados biodinâmicos, porém ainda utiliza alguns produtos convencionais para o controle de doenças: “uso bastante produtos biológicos, faço o controle com bactérias específicas e outras alternativas que não são agrotóxicos, como extrato de plantas, por exemplo”.
Esse tipo de manejo não é muito simples em uma região conhecida pela umidade e pelos altos índices pluviométricos: “alguns produtores fazem esporadicamente, não é fácil de manter”, confessa, “um montei uma biofábrica, reproduzo bactérias para poder fazer as aplicações para controle de doenças, e isso pode ser replicado também para controle de insetos, por exemplo”. No mesmo local, reproduz produtos para aplicação visando controle do solo, eliminando fungos.
Planta feliz esbanja energia boa
Chardonnay, Merlot, Cabernet Franc e Marselan desta área já estão em segunda safra de vinificação e em 2025 foram vinificados também Alvarinho, Pinot Noir, Malbec e Tempranillo. “Em 2026 teremos vinhedos de primeira, segunda e terceira safras”, comemora Rosângela.
A filha da dona Odete começou a conversão para Orgânico em 2008 e Biodinâmico em 2016, ela sabe que dá mais trabalho, mas garante que o resultado final se justifica. “A Biodinâmica trabalha o equilíbrio do meio ambiente, do ser humano, de tudo que envolve”, diz, “é uma questão de consciência, uma troca de energia que várias pessoas sentem”, completa.
A produtora explica ainda que essa prática não é um controle, é fornecer informação para a planta e para o equilíbrio do meio ambiente:” a planta também é um ser vivo”, reflete, “se ela está feliz, esbanja energia boa”, conclui.
Imagens: Brasil de Vinhos | Lucia Porto
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