Ânforas não são coisa do passado

Ânforas não são coisa do passado

Em um mundo onde a tecnologia está ditando a produção de vinhos, algumas vinícolas estão fazendo o caminho inverso e resgatando métodos antigos para criar seus rótulos. Um deles é a utilização de ânforas, aqueles recipientes feitos de barro, usados há milhares de anos por civilizações do passado, para guardar e envelhecer a bebida. Mas hoje elas voltam a ocupar espaço nas adegas em versões mais modernas.

Mas, o que exatamente é uma ânfora? Fábio Melchiades, proprietário da Badicer Ânforas Cerâmicas, explica: “Ânforas são recipientes de cerâmica utilizados para fermentação e envelhecimento dos vinhos”, diz.

Fábio é engenheiro de materiais e trabalha com cerâmica há cerca de 30 anos. “Fiz toda minha formação dentro da área da cerâmica muito jovem, sou técnico em cerâmica também”, relembra. “Não é à toa que estudei esse assunto, acredito que existe um potencial muito grande para os vinhos de ânfora”.

Mais frequente no mercado nos últimos anos, as ânforas têm vários motivos para estarem em alta: “os consumidores da nova geração, dentro de uma tendência mais moderna, estão buscando a valorização do terroir e evitando elementos como a madeira, que muitas vezes acaba reduzindo a influência da fruta nos vinhos”, explica o engenheiro.

O resgate de métodos ancestrais também contribui para o destaque. “As ânforas foram os primeiros recipientes utilizados para armazenar vinhos, e há uma nostalgia associada ao uso delas”, afirma Melchiades.  No passado eram feitas com barro vermelho e exigiam uma impermeabilização interna por conta da porosidade. Para isso, produtos como cera de abelha e óleo de pinho eram usados no processo, o que poderia transferir sabores indesejados à bebida.

Mas hoje em dia o produtor utiliza uma cerâmica especial, chamada massa de grês, composta por argilas brancas e outros minerais naturais. “Essa composição resulta em uma ânfora com porosidade muito controlada, que não precisa de impermeabilização e, consequentemente, não interfere nos sabores do vinho”, explica Melchiades.

Vale a pena?

Fábio pondera que as ânforas oferecem algumas vantagens em relação a barricas de carvalho e tanques de inox. Diferente da madeira, que transfere aromas como baunilha e especiarias ao vinho, as ânforas são recipientes mais neutros, o que permite que as características da fruta e do terroir sejam preservadas.

Em comparação com o inox, que é hermético, as ânforas possibilitam uma micro-oxigenação controlada, essencial para a evolução do vinho. “O processo de micro-oxigenação em ânforas deixa a acidez mais viva, melhora a maciez e mantém a estabilidade térmica do vinho”, explica.

Além disso, as ânforas de cerâmica têm propriedades isolantes, tanto térmicas quanto elétricas, que ajudam a evitar oscilações de temperatura e reações indesejadas durante a vinificação. A durabilidade também é um ponto forte: com os devidos cuidados, uma ânfora pode ser utilizada por décadas, ou até mesmo séculos.

E o vinho? Como fica?

Embora todos os tipos de vinho possam ser maturados em ânforas, algumas variedades tendem a se destacar. Historicamente, elas estão associadas à produção de vinhos laranja, muitos conhecidos na Geórgia, mas também feitos no Brasil.

Porém Fábio conta que estão sendo feitos experimentos com variedades diferentes, como Syrah, Pinot Noir, Sauvignon Blanc e Viognier, por exemplo: “estamos em uma fase de experimentação e criatividade, e o tempo dirá quais vinhos respondem melhor à maturação em ânforas”.

Um dos produtores que usa ânforas é Cristián Sepúlveda, enólogo e sócio da vinícola Terra Nossa, localizada em Espírito Santo do Pinhal (SP). Sepúlveda explica que o uso das ânforas na vinícola começou há poucos meses, com o objetivo de fazer vinhos que privilegiam o terroir local. “As ânforas respeitam muito o terroir, são produzidas com argilas da região, o que garante vinhos mais frutados e originais”, comenta.

Para o enólogo, os jarros de cerâmica possibilitam que os vinhos mantenham suas características autênticas, enfatizando os sabores da uva e do solo. Além disso, menciona que a vinícola está em uma fase experimental, testando variedades como Chardonnay e Syrah. “Acreditamos que as ânforas nos ajudem a produzir vinhos com uma cor intensa, muita fruta e frescor, refletindo o terroir da região”, explica.

As ânforas de Terra Nossa (na foto acima, da esquerda para a direita Renato Ferrari, sócio da Terra Nossa, Lucas Holl, enólogo da Terra Nossa, Bruno e Dudu, cantineiros) têm capacidade de 350 litros e passam por um período de maturação que varia entre oito e nove meses. “Nosso objetivo é valorizar a produção local, tanto na matéria-prima quanto na técnica”, conclui o enólogo. O lançamento dos primeiros rótulos da Terra Nossa feitos com ânforas está previsto para junho de 2025.

As ânforas da Campanha Gaúcha

A vinícola Guatambu, de Dom Pedrito (RS), investiu em ânforas de concreto como forma de oferecer algo único ao mercado. Gabriela Pötter, enóloga e proprietária, explica que a inspiração veio das origens do vinho, datadas de oito mil anos, quando civilizações do Cáucaso utilizavam vasos de cerâmica para fermentar e armazenar a bebida. “O que nos motivou a investir nas ânforas foi trazer algo diferente para os nossos clientes e também resgatar a maneira como os primeiros vinhos no mundo começaram a ser produzidos”, afirma.

A Guatambu adquiriu duas ânforas de concreto de 3.300 litros, importadas da Argentina, e equipadas com sistemas internos de refrigeração. Os recipientes permitem controle preciso das condições de fermentação e maturação, promovendo a micro-oxigenação necessária para exaltar as notas frutadas e o potencial das uvas.

Gabriela destaca que o processo foi especialmente eficaz com a Tannat, muito forte na região, e também com a Chardonnay, uma das grandes apostas da vinícola. “Essas ânforas têm uma microporosidade que exalta as notas e o perfil de frutas da própria uva, mantendo a pureza ao máximo”, explica.

O Veste Amarela, vinho laranja feito 100% com Chardonnay, macerou por seis meses com as cascas e sementes dentro da ânfora, resultando em um vinho bem estruturado. Outros destaques são os dois rótulos da linha Pötter (foto abaixo, Guilherme Brasil), apresentada na ProWine 2024.

O Pötter Tannat passou por seis meses de maceração em ânforas de concreto, além da maturação, e foi premiado como vinho revelação pelo Guia Descorchados 2024. Já o Pötter Chardonnay, que alternou entre fermentação em ânfora e maturação dividida entre o concreto e barris de carvalho, figurou entre os 20 melhores vinhos brasileiros no mesmo guia.

Para Gabriela, a escolha pelas ânforas é uma forma de expressar a essência do terroir gaúcho e garantir que a autenticidade da fruta seja preservada. “Nosso objetivo é valorizar a produção local, tanto na matéria-prima quanto na técnica”, finaliza a enóloga.

Fotos: divulgação Badicer Ânforas, Terra Nossa e Guatambu

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