Capital brasileira do Moscatel tem diferentes estilos de vinícolas

Capital brasileira do Moscatel tem diferentes estilos de vinícolas

Farroupilha é uma cidade que encanta. A capital brasileira das malhas, do kiwi, cidade acolhedora e com mesa farta é também capital brasileira do Moscatel – por Lei desde 2019 – e os produtores da região podem, desde 2014, utilizar nos rótulos de seus produtos o selo de Indicação de Procedência.

“A cidade tem cerca de 30 vinícolas estabelecidas”, diz Natália Taffarel, que tomou posse como presidente da Associação Farroupilhense de Produtores de Vinhos, Espumantes, Sucos e Derivados em abril de 2025. O número a que a presidente – também produtora na vinícola Cave Antiga, em sociedade com os enólogos João Carlos Taffarel e Cristhian Ambrosi – se refere é uma estimativa talvez subestimada: em dois dias na região pudemos notar diversas placas de vinícolas não tão conhecidas, talvez algumas delas ainda não regulamentadas, por isso esta quantidade pareça pequena.

A um passo da lei

Se alguma ainda não buscaram a regulamentação outras, como a Tertúlia Ramella, estão em fase de regularização – o que não significa dizer que não estejam organizadas, pelo contrário. A vinícola que nasceu do sonho de Eduardo Molon e Paula Ramella já está bem adiantada – a obra que dá lugar à vinícola está quase finalizada e ainda em 2025 o casal já poderá receber visitantes na propriedade que fica na Linha Jacinto.

O experiente cantineiro Eduardo trabalhou durante 15 anos na Cave Geisse e hoje atua na Casa Fontanari, nos Caminhos de Pedra, em Bento Gonçalves. “A ideia de montar a vinícola nasceu por volta de 2018 quando pensamos em fazer um vinho para o nosso casamento”, lembra Molon. Não produziram o vinho, mas foi o incentivo que faltava para tirar a vinícola do plano das ideias.

“Em 2022 compramos nossas primeiras uvas de um produtor da região”, conta Paula, que tem formação em Química, Logística, e atualmente estuda Enologia, “começamos com Chardonnay e Nebbiolo, variedades que seguimos vinificando”.

A pequena vinícola tem hoje cinco barricas com vinhos repousando, além de uma diminuta parcela de espumantes aguardando a hora do dégorgement. Os rótulos da Tertúlia Ramella, em pequeníssimas tiragens por enquanto, podem ser comprados diretos dos produtores.

Ressalte-se o ‘por enquanto’, porque o casal já tem uma área reservada em frente à vinícola para a implantação de um vinhedo próprio: é uma questão de tempo para a produção começar a crescer.

Ficar pequeno para ser grande

Microchampanharia: é essa a definição que sai quase em uníssono da ponta da língua do casal Felipe Antônio Pertile e Paula Pessutto quando a dupla começa a falar da vinícola Belmonte, empresa fundada há 41 anos por Antônio, pai de Felipe. “O negócio, como muitos da região, começou com vinho de mesa”, conta o enólogo, “e ainda temos alguns clientes que vêm aqui buscar vinho com o garrafão na mão”, conta.

Mas essa é uma realidade que está mudando: há duas safras a Belmonte não produz mais vinhos de mesa, o que ainda existe em estoque na vinícola é o fim da produção. “Mudamos o nosso foco”, diz Paula, “hoje o cliente que nos procura quer qualidade, claro, mas quer conhecer a história por trás da garrafa, quer conhecer mais a origem daquele vinho e de quem faz aquele vinho”, explica a sommelière.

“Tem uma grande diferença de consumo entre o vinho de mesa e o fino”, explica Felipe, “o de mesa é consumido diariamente, um hábito do dia a dia, o vinho fino é mais espaçado, pede um pouco mais de tempo e de compreensão do que se está bebendo”, esclarece.

Essa mudança de perfil da Belmonte ocorreu em 2021, a partir de um planejamento feito para a nova linha de produtos: “viemos com uma nova estratégia de posicionamento”, diz Paula, que é a responsável pela parte comercial da vinícola.

Atualmente os rótulos da Belmonte são produzidos a partir de uvas cultivadas por produtores de quatro diferentes municípios: Farroupilha, Cotiporã, Monte Belo do Sul e Pinto Bandeira. “Buscamos privilegiar o terroir, o regionalismo e a brasilidade”, explica Felipe, “todas as nossas microvinificações têm como assinatura muita fruta e complexidade em boca”, assegura. Outra característica sensorial muito presente é o pouco uso da madeira: “nosso objetivo é entender o varietal e apresentá-lo sem interferências, mantendo a tipicidade da fruta”, resume.

As cerca de 700 garrafas de espumante resultantes de cada uma das autoclaves da Belmonte são sempre intrigantes: um espumante de Gamay – “talvez o único do país”, diz Paula; um Blanc de Blanc premiado com 90 pontos no Descorchados, um Moscatel Rosé…”E estamos pensando em um Champenoise para 2026”, provoca Felipe.

Aguardemos.

Sempre pensando na frente

Se tem uma pessoa que gosta de desafios podemos chamá-la de Natália. Formada em Políticas Públicas, Natália Taffarel já morou em diferentes capitais do país até voltar para Farroupilha, a capital brasileira do Moscatel. Anos depois, pela primeira vez está a frente de uma instituição no segmento do vinho, respondendo pela presidência da AFAVIN. Além disso, toca o dia-a-dia da Cave Antiga, vinícola da qual é sócia ao lado dos enólogos João Carlos Taffarel, seu pai, e Cristhian Ambrosi.

A Cave Antiga é um achado na Serra Gaúcha, são poucos rótulos, todos eles produzidos com cuidado artesanal, vinhos de autor, com foco especial em tintos – destaque para aqueles produzidos com a variedade Marselan: “trabalhamos a uva como varietal ou na composição dos nossos vinhos ícones, como o Iridium”, explica Natália, “e em breve apresentaremos um espumante produzido pelo método tradicional, um blend de Chardonnay e Marselan”.

“Nossa filosofia é do ‘vinhedo à taça’, temos 5 hectares de vinhedos em Cotiporã onde cultivamos nossas uvas, escolhemos o ponto de colheita, temos o cuidado no manejo dos vinhedos, elaboramos e comercializamos: fazemos o ciclo completo”, esclarece.

Diversos projetos também brotam da mente da gestora, que já colocou alguns em prática, como o Rosé de Autoras e outro focado em Sur Lie – descontinuado temporariamente: “é um estilo que não agrada a todos”, explica. Agora Natália está concentrada no projeto Autorale Specialis, que destaca uma variedade georgiana e uma italiana, Saperavi e Montepulciano, entregues em garrafas personalizadas, numeradas e exclusivas – a Saperavi, por exemplo, resultou em apenas 300 garrafas. Quem tiver interesse, precisa se agilizar.

Lado a lado com quem está no campo

Se Farroupilha tem vinícolas em processo de legalização, mudando de perfil de negócio ou mesmo apostando em exclusividade e variedades não tão convencionais no município, a cidade também tem empresas bem maiores, unidades que trabalham com grandes volumes de produção, entre elas estão, por exemplo, a Cooperativa Vinícola São João e a Nova Aliança, que tem uma de suas três plantas produtivas na cidade.

A sede, aliás foi uma das que mais sofreu com a enchente de maio de 2024: foram perdas estruturais e na área dos tanques, que ficaram semi-submersos, ocasionando também um prejuízo com o vinho que estava armazenado. “A estrutura de um dos prédios teve de ser refeita”, explica André Gasperin, gerente de enologia da empresa, “porém hoje já está tudo funcionando corretamente”.

A Nova Aliança, localizada onde antigamente funcionava a Cooperativa Jacinto, ainda utiliza os lindos grandes tanques originais de grápia para a guarda do mosto sulfitado que vai resultar em suco de uva. “A madeira é benéfica para a conservação do produto”, argumenta Gasperin.

A unidade Farroupilha tem foco em suco e base espumante, além dos moscatéis, explica o enólogo. Na safra 2024 foram processados em torno de 20 milhões de quilos de uvas no local – um milhão deles de Moscato – originárias de diversos associados das regiões de Farroupilha e Pinto Bandeira, com os quais foram elaborados vinhos finos, sucos de uva e base para espumante, moscatel ou brut: “as uvas da região se adaptam muito bem às características de solo e clima, declividade, amplitude térmica e métodos de cultivo da região”, detalha o especialista. Além da Moscato, Gasperin ressalta a importância da produção das uvas Trebbiano e Prosecco na região.

“Está sendo feito um importante trabalho de seleção e identificação e clones de moscato no campo, que já tem resultado em diferenciais produtivos em qualidade e quantidade”, argumenta o enólogo. Gasperin explica que este trabalho de identificação dos materiais de campo, vem sendo feito a partir de uma parceria entre as empresas da região e institutos de pesquisa, “é um estudo que identifica as características regionais e as aptidões enológicas de cada local”, resume, “Farroupilha, Linha Jacinto e a região como um todo têm uma aptidão natural para a produção de uvas moscatéis e produtos a base de uva Moscato”.

“Uma das formas de se visitar uma região é conhecer a produção de vinhos, lembra o enólogo, “e o vinho dessa região tem uma característica muito marcante e muito particular, que tem muito a ver com o relevo, com o clima, com o solo e com a cultura do povo que habita Farroupilha e arredores”, sintetiza.

O inverno gaúcho é para os fortes

Conhecer uma parte da região vitivinícola de Farroupilha em um típico dia do inverno gaúcho é compreender um pouco mais da persistência dos produtores. Paulo Adolfo Tesser, engenheiro agrônomo que atua há 34 anos na Cooperativa São João percorre subidas e descidas da cidade de forma muito natural. Reconhece as variedades das uvas pela forma dos galhos, sabe quais são os atalhos, os melhores pontos de observação, apresenta o que melhor caracteriza a região de forma muito clara, detalha os três tipos de solos, os tipos de condução dos vinhedos: “o predomínio na região é em Latada, principalmente se pensarmos nos vinhos de mesa”, diz Tesser, “mas podemos perceber também uma recorrência do sistema Ípsilon, que não aparece tanto porque é um pouco mais caro”.

Uma característica que salta aos olhos é o solo, que apresenta uma cobertura natural, de acordo com Tesser com o uso de nenhum ou muito pouco herbicida. Além disso, o agrônomo aponta a questão das encostas como um ponto positivo da região: “há pontos mais altos onde chove muito, mas com uma maior profundidade do solo ele seca mais rápido, é fertilidade natural; por outro lado as áreas baixas facilitam a irrigação quando há menos chuva”.

“Difícil é vender vinho”

É na indústria que o trabalho do campo aparece, e na Cooperativa São João aparece bastante. Hoje além da marca própria, a cooperativa vinifica para pelo menos 200 marcas, explica o enólogo Fabiano Demoliner, que coordena uma equipe de mais 9 enólogos que trabalham na São João. O trabalho para diversas empresas está exigindo um crescimento do negócio e está sendo erguido um novo prédio ao lado da edificação existente: “mas estamos indo a passos lentos, utilizando recursos próprios, um dos valores da São João sempre foi a austeridade”, lembra, antes de repetir uma frase dita por grande parte dos produtores: “o mais difícil é vender vinho”.

O Brasil de Vinhos viajou a convite da AFAVIN

Fotos: Lucia Porto | Brasil de Vinhos

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