As enchentes que atingiram o Rio Grande do Sul impactaram o setor vitivinícola de diferentes formas desde o final do mês de abril. Relatos de perdas de hectares de vinhedos, danos estruturais na propriedade, baixas de maquinário e estoques comprometidos revelam a situação crítica que as vinícolas seguem enfrentando. Além das perdas materiais dos produtores, o problema de estradas destruídas impacta praticamente todos os negócios do segmento no estado. Sem acesso a rotas que levam a outros municípios, as dificuldades de logística para obtenção de insumos e vendas de produtos impedem a retomada das atividades ou torna o percurso mais longo por meio de desvios e caminhos sem condições ideais de trafegabilidade. Pelo mesmo motivo, cancelamentos de reservas e interrupção das atividades turísticas agravam ainda mais o cenário.
Em São Valentim do Sul, os vinhedos da Vinícola Pinhal Alto foram ‘lavados’ após 15 dias de chuvas que ultrapassaram 1200 milímetros (foto acima). No entanto a expectativa do enólogo Lucas Fardo é de recuperação do plantio após correções e adubações. Fardo explica que o desafio do momento é a logística. Sem acesso direto pela RS-431 (Bento Gonçalves) e pela RS-129 (Lajeado – Porto Alegre), o trajeto para Bento Gonçalves que ficava a 45km de distância quase triplicou: são 120 quilômetros por estradas difíceis de dirigir, em percurso que demora até 6 horas.
“Diante desta situação sofremos impactos diretos e significativos nos custos de produção. Na comercialização de nossos produtos temos a dificuldade de muitas transportadoras não efetuarem coletas ou ainda com custos elevados, aumentando também os valores para o consumidor final”, lamenta. “Além disso há o impacto direto no enoturismo, pois os turistas cancelaram as visitas, afetando grandes investimentos que nossa empresa vinha realizando, como a construção de um complexo turístico, contemplando um espaço de eventos com restaurante”, explica o enólogo.
A cidade de Barão do Triunfo teve estradas muito atingidas (foto de topo), causando desabastecimento comercial e até de gasolina, devido ao acesso bloqueado para Porto Alegre. Marilis Lanzarini, da Cantina Lanzarini (vinhedo alagado acima), conta que apenas quem mora mais próximo de Cristal e Camaquã, municípios em direção ao Sul do estado, consegue obter combustível; para o restante, fica caro realizar o trajeto. Na sua propriedade houve danos em parreiras, mas são possíveis de recuperar. No entanto como as vendas são voltadas para quem visita o local, não há como receber o público e comercializar os produtos. “Aqui tivemos problemas com as erosões das estradas, o asfalto cedeu em diversos lugares”, relata. “Não há possibilidade de circular em diferentes locais do município, quem estava de um dos lados não podia passar para o outro”, diz. “As pessoas não conseguem vir nem andar na cidade, por isso não estamos conseguindo vender nada”.
Na Cantina Vinallegro, vinícola urbana de Lajeado, o principal impacto foi na estrutura do escritório com perda de todos os móveis, documentos e equipamentos de informática (foto acima). Apesar da possibilidade de seguir trabalhando de forma remota, o prejuízo financeiro aumenta pela interrupção das vendas. “No escritório que trabalhamos perdemos tudo e teve impacto nas vendas, pois o turismo agora não existe, não temos como despachar para lugar nenhum e cancelamos o evento programado na cantina”, conta o proprietário Nelcir Zambiasi. “No momento, todos estão envolvidos em prestar solidariedade para quem precisa, tentamos não pensar nisso, apenas mais para frente que vamos conseguir mensurar o estrago. Vamos levando a vida um dia após o outro”, resume. “O frustrante de trabalhar nessa tragédia é passar todos os dias resolvendo problemas por conta da enchente, deixa o psicológico bem abalado, pensar em vender é difícil”.
A Vinícola Torcello, em Bento Gonçalves, não teve danos de estruturas físicas ou vinhedos, mas enfrenta a redução do faturamento por concentrar, em média, 70% das vendas através das visitas turísticas. Até o momento, não houve cancelamentos, mas sim reagendamentos. Rogério Carlos Valduga, vinhateiro da Torcello, relata que o momento é de direcionar todas as forças e ações na preservação de vidas, procurando acolher e cuidar das pessoas que sofreram grandes perdas – sejam elas humanas ou materiais.
Angela de Lima Machado, empresária que trabalha com venda de vinhos online, contatou produtores com quem tem relações comerciais e recebeu diversos relatos sobre perdas. A partir do que ouviu, acredita que o impacto será em toda cadeia de produção vitivinícola, desde o plantio e o manejo da uva até o engarrafamento e transporte dos vinhos ao consumidor final. Para ajudar, participou de ações de arrecadação de fundos para auxiliar as famílias e divulgando produtos das vinícolas que sofreram com as cheias.
“Conversei com produtores gaúchos que tiveram alguns danos físicos bem severos, como perda de parreirais e alagamento da sua cantina, além de familiares isolados. Em alguns casos os próprios produtores ficaram isolados sem acesso aos seus parreirais”, completa. “Em função desta situação, muitos ainda não sabem qual é a real dimensão dos prejuízos. Para grande parte dos produtores, a maior parcela das vendas é realizada no turismo local, que é o principal meio de sobrevivência da maioria das vinícolas do interior do Rio Grande do Sul. Muitos estão sentindo uma queda brusca no movimento e nas vendas, e ainda sem muita perspectiva de como serão os próximos dias e meses”, pondera.
Fotos: acervo pessoal dos entrevistados.
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