Dezenove anos em 10 safras

Dezenove anos em 10 safras

Degustação vertical do Miolo Terroir fortalece a vocação dos vinhos de guarda brasileiros

Merlot. Talvez a uva mais emblemática do Vale dos Vinhedos – certamente uma das mais procuradas – a variedade originária de Bordeaux, na França, produz um dos rótulos mais famosos e caros do mundo, o Petrus.

Pois foi com um Merlot, o Reserva, que a vinícola Miolo lançou seu nome no mercado de vinhos finos, em 1990: catorze anos depois, apresentou uma evolução daquele rótulo, o Merlot Terroir. Essa evolução veio a partir de uma percepção externa, foi em 2003 que a Miolo contratou Michel Rolland para uma consultoria que se estendeu por 10 anos.

O enólogo francês deu a ideia de focar na Merlot. “Foi ali que começou a ser construído o projeto do que viria a ser o Merlot Terroir”, explica Adriano Miolo. “Rolland disse que tínhamos uma joia, o que faltava era trabalharmos melhor nela”.

O resultado desta persistência é um rótulo intenso e ao mesmo tempo elegante, com a tipicidade dos Merlots que levam na garrafa a identificação da Denominação de Origem Vale dos Vinhedos bem presente. “Os grandes Merlots que têm a D.O.V.V. estampada no rótulo trazem os descritores clássicos: aromas mentolados e um toque trufado”, complementa Adriano.

Pois foi o próprio enólogo e superintendente da vinícola que conduziu uma degustação vertical de todas as safras deste que é um de seus rótulos mais simbólicos, para um grupo de sortudos alunos do curso de Winemaker coordenado pela vinícola. A noite contou com a apresentação de 10 safras, produzidas nos 19 anos de existência do vinho.

Mas por que somente 10 edições em quase vinte anos? “Poderíamos colocar no mercado um vinho correto todos os anos, mas seriam rótulos de safras não tão boas”, explica Adriano. “Optamos por rotular apenas em safras excelentes. Não produzir todos os anos, só quando realmente se consiga alcançar aquele alto nível que consideramos adequado foi a decisão mais importante”, completa.

Desta forma foram apresentados, em ordem cronológica inversa, rótulos das safras 22, 20, 18, 15, 12, 11, 09, 08, 05 e 04 a um grupo de a cerca de 50 pessoas. Na manhã do evento, Adriano e equipe abriram, decantaram, aeraram e devolveram o vinho para seus recipientes originais; a degustação ocorreu cerca de sete horas depois. Como alguns rótulos são mais antigos – a primeira safra, de 2004 já com uma guarda de 19 anos – os vinhos foram misturados antes de voltarem para as garrafas. “Não queríamos correr o risco de alguma das amostras estar muito diferente das outras e comprometer a prova”, explica Adriano, que complementa, “Não fazemos degustações como esta sempre”.

O Miolo Terroir foi planejado para ser um vinho diferenciado. “Optamos por colocar a certificação D.O.V.V no rótulo. Desta forma todos estes vinhos são avaliados por um comitê, o que também auxilia para que tenham uma qualidade muito alta”, explica. “E isso é também um ponto de ligação com vinhos de qualidade de outras vinícolas do Vale dos Vinhedos. Todos os grandes vinhos da D.O.V.V. estão no mesmo nível: essa excelência é ponto em comum”.

O Miolo Terroir é um corte das 21 melhores parcelas de Merlot cultivadas pela Miolo no Vale – a Miolo tem plantada uma área total de 120 hectares da variedade no Brasil, 40 deles no Vale dos Vinhedos. As uvas selecionadas para este rótulo vêm dos vinhedos Leopoldina, Monte Belo do Sul, Graciema e São Gabriel. “As diferenças entre os solos de cada uma destas parcelas são muito importantes”, assegura Adriano”. “Elas asseguram personalidade e tipicidade ao vinho”.

A diferença e as sutilezas entre eles percebemos nas taças. Se os vinhos mais jovens primam pela intensidade vigorosa da cor e os aromas primários muito presentes, à medida que vamos retrocedendo no tempo percebemos mais detalhes de nuances no nariz e a persistência em boca. Interessante notar também nas safras de anos próximos (11/12 e 08/09) as delicadezas e a mudança tênue dos aromas, que passam da fruta muito viva, do bosque e das especiarias ao animal, terroso, balsâmico, mas sempre com o mentolado e o trufado dominando. Se nas safras mais atuais o álcool em 15% aparece, nas mais antigas ele vai se integrando de maneira harmônica e equilibrada.

Um belo exercício é degustar um a um cada rótulo com a atenção voltada para as palavras do enólogo, guardar um pouco de cada e em seguida fazer a sua, no seu tempo. E assim comprovar, na taça, o quanto pode envelhecer bem um belo vinho brasileiro.

O melhor deles? Difícil dizer, gosto é algo muito relativo. Na percepção visual e auditiva de um auditório cheio e feliz depois desta bela experiência, das cerca de 50 pessoas na sala, mais entusiasmo com as safras 09, 11 e 12, mas as 05, 08 e 15 também ganharam muitos admiradores.

Adriano Miolo também tem a sua, mas é impossível um pai escolher o preferido entre seus filhos. Degustados os 10, ele diz: “o vinho está como eu imaginava, o que falta agora é reconhecimento, é notoriedade”.

Mas isso quem trabalha com vinho sabe melhor do que ninguém: é só uma questão de tempo.

(fotos: capa, 6 e 7 Brasil de Vinhos, 2 reprodução internet, 5 Emerson Ribeiro)

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