Enquanto isso, em Pinto Bandeira…

Enquanto isso, em Pinto Bandeira…

Geralmente quando pensamos em Pinto Bandeira, lembramos de espumantes. Pudera, os vinhos com borbulhas produzidos nesta região da Serra Gaúcha ganharam o mundo e a cada ano trazem para o Brasil mais e mais prêmios internacionais. Pinto Bandeira (na foto acima um recorte do vinho da vinícola Aurora) é uma região que tem muito da sua representatividade calcada nas vinícolas tradicionais, mas que também atrai novas marcas em busca do terroir diferenciado, não só para a produção de vinhos espumantes, mas também tranquilos. Em uma passagem breve por este pequeno pedaço de terra repleto de condições ideais para grandes vinhos, conhecemos projetos recentes – Vita Eterna e La Grande Belleza – e ouvimos mais sobre o crescimento e desenvolvimento de marcas já consagradas – Terraças e Garbo.

Além da qualidade e do reconhecimento que já trazia, desde 2022 a região – formada em sua maioria por Pinto Bandeira (76,6%), Farroupilha (19%) e Bento Gonçalves (4,4%) – ostenta também um mais um motivo de prestígio: a Denominação de Origem Altos de Pinto Bandeira é a única do Novo Mundo exclusiva para vinhos espumantes.

Entre outras exigências, para uma vinícola estampar o selo da Denominação de Origem na garrafa, é necessário que o plantio das uvas – Pinot Noir, Chardonnay e Riesling – seja feito em espaldeira e os espumantes sejam produzidos pelo método tradicional, com a segunda fermentação na garrafa.

Até meados de 2024, eram quatro as vinícolas a terem esta possibilidade: Cave Geisse, Aurora, Valmarino e Don Giovanni – antes do final do ano a Terraças passou a fazer parte desse grupo.

A vinícola hipster

Uma escaldante manhã de uma sexta-feira de verão num dos fevereiros mais quentes que se tem notícia no Rio Grande do Sul marcou a visita na vinícola, que é nova, mas nem tanto; que é antiga, mas nem tanto.

A frente do negócio os enólogos Gustavo, de 24 anos, e Guilherme, de 31 anos (na foto acima, respectivamente). Os irmãos Fornasier trazem a tradição assinada no sobrenome e nas edificações da tradicional vinícola familiar, uma das fundadoras da Asprovinho. O varejo, por exemplo, fica hoje onde no passado foi a casa da avó dos guris – entrar na pequena loja é voltar no tempo, o local é puro charme.

Já a cantina tem outro clima: estar ali, guardadas as comparações de equipamentos, é parecido com estar em um dos modernos espaços colaborativos tão comuns nas cidades grandes, um local cheio de pessoas de ideias e estilos diferentes. “E isso que hoje não tinha música”, brinca Gustavo. O ambiente hipster não lembra em nada as grandes vinícolas com seus locais cheios de controles e assepsia. Mas note bem, isso não significa confusão e falta de cuidado, pelo contrário.

A Terraças é sim um espaço colaborativo: no dia que estivemos ali encontramos casualmente dois produtores acompanhando a produção de seus vinhos. Um deles, Ivan Bucco, é um dos sócios da Caneva Fonda, vinícola novíssima, uma das cerca de 10 empresas que utilizam a estrutura da Terraças para vinificar seus vinhos – no caso da Caneva, apenas os espumantes, os tranquilos são vinificados na sede da vinícola. No pavilhão da Terraças há tanques e barricas e caixas com vinhos finalizados para vinícolas como Dunamis, Capoani, YBY, Belmonte, Salvati e Sirena e Monte Sant’Ana.

Bucco sorri e explica ao comentar o nome da vinícola: “não poderíamos criar uma vinícola chamada Bucco e Ambrosi, né?”.  O Ambrosi, outro tradicional sobrenome no vinho brasileiro, vem do sócio Gabriel. “Por isso escolhemos esse nome, faz uma alusão à casa do Gabriel, local em que começamos a fazer nossos vinhos, e também as nossas origens na Itália”. Caneva Fonda em italiano significa algo como ‘porão fundo’.

Bucco (no meio, foto acima) ouve atentamente as observações dos irmãos Fornasier sobre seu vinho base de Trebbiano que, segundo ele, deve virar um espumante no verão de 2026. Ver Gustavo e Guilherme degustando e analisando o vinho base da Caneva Fonda é comprovar que os dois fazem juntos boa parte do trabalho na cantina e nos 10 hectares que têm cultivados na vinícola, e que aos poucos vêm sendo convertidos de latada para espaldeira. “Nossa tradição sempre foi suco e vinho de mesa”, diz Guilherme, “mas devagar estamos mudando isso”, salienta.

Grande parte dessa mudança começou quando Guilherme voltou de um estágio que fez na Union Wine Company, no Oregon, Estados Unidos. “Poderia ter ficado por lá, mas quis voltar e fazer o nosso vinho aqui”, diz, ao apresentar o espumante Entre Terras extra brut rosé, o primeiro rótulo da Terraças com o selo da Denominação de Origem Altos de Pinto Bandeira.

O resultado desse vinho agradou aos irmãos, que asseguram que para colocar o selo da DO no produto, precisam acreditar 100% nele.

Nós acreditamos.

Face para o sol nascente

A pouco mais de cinco quilômetros dali fica a área que hoje dá lugar ao primeiro vinhedo implantado pela vinícola Garbo, que tem seu varejo nos Caminhos de Pedra, em Bento Gonçalves (RS). A área no interior de Pinto Bandeira, visitada pela primeira vez em 2021 foi adquirida em 2022. Os dois anos seguintes foram de trabalho duro: “foram cinco ou seis ciclos de limpeza até o solo ficar com o vigor que queríamos, na primavera de 2024”, explica Guilherme Caio, sócio da vinícola ao lado dos também enólogos, Andrei Bellé e Jhonatan Marini.

Se até hoje todos os rótulos da Garbo foram produzidos com uvas de terceiros, em breve isso deve mudar. Com a orientação de Silvano Michelon foram plantados 4,8 hectares de mudas de Chardonnay, Pinot Noir e Ancellotta – esta um uma extensão plana, onde há mais possibilidade de geada. “É uma variedade mais resistente”, diz Caio. A área total é de 6 hectares em aclive, onde serão construídas ainda a vinícola, receptivo, wine bar e uma cave de barricas subterrânea.

Originalmente a área que fica em uma encosta que tem a face para o sol nascente, tinha vinhedos plantados em sistema de latada: “estudamos o histórico do lugar”, conta Caio, “refizemos todo o perfil de solo, criamos os patamares e selecionamos as mudas”, resume. “A drenagem é muito boa, toda a água que desce desemboca em um açude”, complementa.

Apesar da aquisição da terra, Caio (foto abaixo, no meio do que virá a ser a grande cave de barricas) adianta que não devem deixar de ser compradores de uvas, “principalmente para novos projetos”, esclarece.

E quando questionado exatamente sobre o que vem pela frente, não titubeia: “um dia gostaria de ter uma área em Encruzilhada do Sul para explorar o terroir da Serra do Sudeste”, confessa.

É só dar tempo ao tempo.

Deixando o vinhedo trabalhar

Cinco dos 24 hectares da propriedade de família Tochetto são cultivados com uvas na vinícola Vita Eterna, uma das últimas de Pinto Bandeira, quase em Nova Roma do Sul. A área da família, atravessada pela linha Marcolino Moura, teve seus vinhedos implantados em 2018. Mas a história começou antes, com o falecimento de Narciso Tochetto, avô de Eduardo, que hoje está a frente da Vita Eterna – nome escolhido em homenagem a Narciso, aliás.

O cultivo de Chardonnay, Pinot Noir e Riesling Itálico não é à toa. “São as uvas que melhor se adaptam à região”, explica Brenda Carlesso, sommelière da vinícola. Brenda, que tem especialização em agricultura biodinâmica, faz questão de detalhar a filosofia da Vita Eterna: “É a chamada filosofia da ancestralidade. Seguimos os preceitos do biodinamismo, buscamos o orgânico, o natural, mas não somos certificados”, explica, “não usamos nenhum tipo de herbicida, trabalhamos com preparados de ervas, chifre esterco, fases da lua”, resume.

A especialista explica que sulfito é utilizado apenas na lavagem do desengace das uvas e, se algum tratamento for necessário, será utilizado apenas o biológico.

Atualmente os 12 rótulos produzidos pela Vita Eterna eleita revelação do ano em 2024 pelo guia Descorchados, seguem esses preceitos.

O que vem pela frente? O primeiro varietal de Pinot Noir ainda em 2025, o plantio de pelo menos mais dois hectares de vinhedos e a construção da estrutura própria de vinificação.

Vita Eterna e sempre em movimento.

Uma rara Bellezza

No alto da colina, com uma vista de tirar o fôlego – literalmente, porque a subida interna é muito íngreme – fica a La Grande Bellezza, uma vinícola que sim, podemos dizer que nasceu de uma história de amor. Amor do casal Rossano Biazus e Cristiana Petriz: um pelo outro, pelo local, pelo vinho e pelo filme italiano ‘A grande beleza’, de Paolo Sorrentino.

O hedonismo presente no filme – o ‘ser’ mais importante que o ‘ter’ – é parte do discurso emocionado de Biazus ao apresentar a vinícola para um grupo de convidados. Receber pessoas, fazer amizades e travar relações, sabemos, é das coisas mais bacanas que o vinho traz, aliás, e essa é uma faceta que o casal consegue manejar muito bem.  “A primeira ideia era termos uma pousada”, lembra Biazus, “mas por fim optamos por uma vinícola”. Vinho e hospitalidade afinal, são quase sinônimos.

Os 18 rótulos oferecidos pelo casal, vinificados na Plátanos enquanto a obra para a estrutura da vinificação não fica pronta, têm baixa produção. Todos, com exceção do rosé de Grenache – o único varietal da casta no Brasil – passam por estágio em uma das 76 barricas francesas da vinícola que por enquanto estão sob a guarda de Marcos Vian e Anderson Schimitz. A madeira é uma predileção de Biazus, que garante acompanhar de perto a produção na cantina, em Farroupilha: “temos nossas barricas lá, e faço questão de estar muito próximo. Gosto do resultado da madeira nos vinhos, mas sempre com equilíbrio”.

A propriedade quase no topo de Pinto Bandeira, onde de um lado se pode avistar os vinhedos da Geisse e do outro o vinhedo recém implantado da Garbo que citamos acima, foi adquirida em 2016 e teve seu primeiro plantio no ano seguinte, com mudas vindas da Itália. Hoje há videiras de Chardonnay, Pinot Noir, Merlot, Tannat, Grenache, Syrah, Aspirant Bouchet e Cabernet Franc, entre outras. Em 2020, ano da pandemia, veio a primeira colheita.

No ponto mais alto, em uma altura de aproximadamente 725 metros acima do nível do mar, a exposição solar é privilegiada, o vento é constante e a amplitude térmica é mais extrema. Além disso, explica Biazus, a terra é especial: “temos quatro tipos de solo aqui, o basalto fragmentado de origem vulcânica, a mistura de pedra rosa, cinza, preta e além disso a porosidade do solo contribuem muito para a peculiaridade dos nossos vinhos”.

Peculiares, sinônimos para raros. E raro como um dos rótulos do portfólio da La Grande Bellezza, o Madame Rara, vinho que nasceu como homenagem aos 40 anos de profissão de Cristiana, enfermeira especializada em doenças raras. Uma homenagem que virou caridade: em fevereiro, uma parte da venda do Madame Rara foi destinada à Casa dos Raros, centro de atendimento para pessoas com doenças raras, que tem sede em Porto Alegre (RS).

É o ‘ser’ mais importante que o ‘ter’.

Fotos: Brasil de Vinhos

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