“Fiz meu próprio vinho, mas não fiz sozinha”

“Fiz meu próprio vinho, mas não fiz sozinha”

A frase que dá título a este texto é de Babiana Mugnol, à direita na foto, ao lado da irmã – e sócia na empreitada – Mariana. Babiana é jornalista, professora e sommelière. Atuou durante anos no Grupo RBS, com espaços na rádio Gaúcha e no jornal Pioneiro, onde criou a +Vinhos, uma coluna primorosa especializada no tema e com grande destaque para o vinho brasileiro – deixou saudades. Fora das redações, é coordenadora de comunicação do CETEC/UCS, e nos últimos dois anos vem fazendo uma coisa que adora: vinho.

Babiana compartilha conosco um pouco da sua trajetória no mundo do vinho desde sua formação em sommellerie pela ABS-RS, em 2021, até as dúvidas mais recentes sobre o nome que melhor identificaria seu vinho.

E ela aceita sugestões.

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Fiz meu próprio vinho, mas não fiz sozinha

* Babiana Mugnol

Sempre digo que escolhi ser jornalista porque gosto de aprender sobre os mais variados assuntos. E foi assim também quando decidi pelo curso de sommelier da Associação Brasileira de Sommeliers – RS (ABS-RS), em 2021. O problema é que aprender é como tomar um bom vinho: quanto mais interessante, mais você quer sorver deste conhecimento ao mesmo tempo que percebe que ainda há muito para descobrir. Por isso, logo emendei a formação com o Master Sommelier, curso que aprofundou meus conhecimentos de vinhos por países e regiões.

Neta de produtores de uva, filha de um visionário que ajudou a implantar uma nova cultura na região, o kiwi, e criada no interior de Farroupilha, terra da uva moscato, achava que, ao me tornar sommelière, ampliaria meus horizontes além da parreira, pois entenderia melhor o produto na taça. Mas faltava uma etapa muito importante neste ciclo: a vinificação. Quem sabe um dia ainda faça Enologia, mas, antes disso, fui convidada para um projeto maravilhoso que foi o despertar para depois fazer o meu próprio vinho.

Em março de 2023, fui convidada pelo Gladimir Zanella, da Vinícola Zanella de Antônio Prado, para participar da Settimana in Cantina (foto acima). Foi um sonho realizado, porque sempre ouvia falar muito dessa imersão que junta apaixonados por vinhos do Brasil inteiro, para uma semana de trabalhos que resultam em um vinho Merlot de qualidade excepcional. Lá você colhe a uva, carrega as caixas na máquina que faz o desengace, e aí vem o diferencial: dezenas de mãos e sotaques diferentes vão tirando qualquer resquício de galho na esteira das uvas que vão virar o mosto. E esse vinho também não é comum, ele passa por fermentação integral, isto é, o mosto vai para a barrica de carvalho onde fica por cerca de 30 dias até concluir o processo. É bem diferente do envelhecimento na barrica, o que também ocorreu com esse vinho que ficou 18 meses até ser engarrafado em outubro de 2024. E, pela primeira vez, o grupo que fez o vinho em 2023 se reuniu novamente para participar também deste envase e, claro, da degustação.

Tenho visto várias iniciativas de vinícolas que considero muito atrativas, não só comercialmente, mas principalmente para cativar o consumidor, que é dizer que você pode ter o seu vinho. Mas normalmente isso significa colocar um rótulo personalizado com o nome de quem compra e, em alguns casos que vão além disso, proporcionar que a pessoa possa fazer o corte. Mas, no meu caso, eu descobri o que é fazer vinho de verdade nas garrafas sem rótulos onde está a minha pequena produção caseira, que neste ano, já em sua segunda safra – e dobrada em relação à primeira – não chega a atingir 100 litros.

Sempre tive um sonho de ver a uva Moscato produzida na propriedade de minha família (foto acima), nas proximidades do Santuário de Caravaggio, em um vinho próprio. Mas antes de pensar em colocar a mão na massa, ou melhor, na bacia de uva – já que no meu processo artesanal não uso os pés para extrair o suco e, sim, as próprias mãos – fui conversar com o enólogo conhecido como o mago dos espumantes, o uruguaio Alejandro Cardozo. Queria elaborar com ele, mas quando fui colocar no papel o investimento envolvido, acabei desistindo da ideia.

E Alejandro sempre dizia que tinha que buscar produtos inovadores, o que fez com que uma das minhas primeiras experiências na elaboração de bebidas tenha sido após entrevistar Morgana Forti, em uma reportagem que fiz para o jornal Pioneiro sobre vinhos naturais. Ali foi o início da nossa amizade que também resultou na nossa collab para elaborar sidras com outras frutas que temos na propriedade da minha família, peras e maçãs. Na verdade, a ideia era apostar na sidra de pera pelo ineditismo, e colhemos poucas maçãs só para aproveitar o embalo. Resultado: a sidra de pera virou um excelente vinagre e a sidra de maçã ficou ótima, mas foi disputadíssima, porque foram feitas apenas 10 garrafas. A brincadeira serviu para o primeiro aprendizado, fazer vinho natural e artesanal é uma aventura, e o controle de temperatura é um dos maiores desafios em um processo milenar que é o de fazer uma bebida fermentada.

Embora se fale de cultivo de vinho desde a pré-história, eu só fui perder o medo e perceber que é um processo muito natural quando acompanhei de perto quem já fazia. Mas quando me vi sozinha, na garagem da casa da minha mãe, tomando as decisões sobre o que e como fazer foi bem diferente. E, mesmo assim, contei com a consultoria por mensagens de amigos enólogos, como o Maicol Zanella da vinícola Zanella; Marcos Slomp da vinícola Slomp; do William Vivan Scheuer; do engenheiro agrônomo Felipe Onzi; e a própria Morgana, que é sommelière como eu. Cada pouco eu os consultava para calcular uma medida, me assegurar sobre a hora e ordem certa de um processo ou até mesmo pedindo materiais, como as tampas do Eduardo Mendonça da Vinhos Livres para as pét-nats, e a máquina de tampar que a Gabriela Suthoff e o Leonardo Haupt, da Montaneus, emprestaram.

Ou seja, fiz meu próprio vinho, mas não fiz sozinha.

Comecei tendo a ajuda da minha irmã, Mariana Mugnol (junto com Babiana na foto que abre esse texto), na colheita. Depois tinha a minha mãe, Neusa, que muito mais do que ceder o espaço, ainda foi incumbida de fazer o monitoramento durante a fermentação, já que o processo todo ocorria na casa dela em Farroupilha, enquanto eu trabalhava nas redações da rádio Gaúcha e do jornal Pioneiro do Grupo RBS, em Caxias do Sul. Como deixei fermentar com as cascas por uma semana, para extrair mais aromas e sabores, isso exigiu que ela ficasse responsável, não só pelo controle de temperaturas, com a troca de garrafinhas de gelo duas vezes ao dia, mas também pela batonagem, que é movimentar o mosto e as cascas durante o processo de fermentação.

Já que meu objetivo era experimentar, resolvi que, de um tanque de 50 litros, uma parte seria para o espumante com o chamado método ancestral (foto acima), o que significa dizer que ele deveria ser engarrafado antes do término da fermentação alcoólica. Mas isso é um monitoramento constante e pode ser que ele chegue neste ponto de madrugada, em um horário que você não está preparado para o engarrafamento. Por isso que o pessoal brinca que é como um parto natural. Foi aí que acabei perdendo um pouco o timing de engarrafar e ele ficou com um pouco menos de gás carbônico, no estilo frisante. O lado bom é que nenhuma garrafa estourou sozinha e o aproveitamento tem sido total. Aliás, devo ter ainda umas duas ou três garrafas – sinal de que não estava tão ruim para uma primeira experiência.

Já o vinho tranquilo de Moscato foi bem mais tranquilo de fazer, com o perdão do trocadilho.

Foi por isso que na safra 2024 eu resolvi focar só neste produto e aumentar a quantidade de garrafas. Embora o objetivo de fazer vinho seja para consumo familiar, as famílias aqui da Serra são grandes e os amigos são quase como se fossem da família. Na safra de 2024, também tornei minha irmã “sócia”, já que investimos juntas na compra de mais tanques, além de seguir com o trabalho em parceria. Para 2025, ainda não sabemos como vai ser.

Quando chega perto da colheita, acabamos nos empolgando e inventando moda. Durante o processo, que não é nada glamouroso – pelo contrário, é bem trabalhoso – chegamos a nos arrepender e nos perguntamos: pra que fazer isso?

Mas aí focamos no Moscato geladinho que será servido depois e conclui o que tem de ser feito. Tenho vontade de vinificar algo diferente neste ano, mas aí vou precisar comprar a uva, pois na nossa propriedade só temos a Moscato de vinífera. Gosto muito de Alvarinho e ter começado o aprendizado de vinificação com vinhos brancos, que costuma ser mais difícil, nos credencia para isso. Porém, também gostaria de testar algum tinto.

Aceito sugestões, pois quero continuar aprendendo.

Aliás, também não temos nome para os nossos vinhos, porque não é um projeto comercial, mas confesso que sofremos uma certa pressão dos amigos para levar adiante, criar uma marca, ainda mais no meu caso que sou da Comunicação… Já consigo imaginar algumas referências, como a Lua, atrelada ao feminino, à fertilidade, à colheita. E estamos falando de um vinho branco, feito por mulheres que têm nome de flores, Babiana e Mariana. E eu ainda tenho uma filha chamada Celeste que de certa forma seria homenageada. Mas aproveito este artigo para saber a opinião de vocês e agradecer o interesse na leitura. Como a história é longa, se chegaram até aqui, é sinal de que ‘beberam até a última gota’ e gostaram do que foi produzido.

* jornalista, professora e sommelière

Fotos: arquivo pessoal Babiana Mugnol

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