Na década de 1960, São Roque pode ter chegado ao número de 180 vinícolas, como asseguram alguns moradores e produtores da região. Mas usamos dados mais contidos, de cerca de 130 – uma média do que escutamos quando estivemos por lá – o que também é um grande volume para uma área de pouco mais de 300 km2 de extensão. Esse número teve uma queda brusca em cerca de 60 anos – hoje são 17 vinícolas associadas ao Sindicato da Indústria do Vinho de São Roque que fazem parte do Roteiro do Vinho.
Alex Santiago de Moraes, presidente do Sindusvinho e produtor de uvas e vinhos com as vinícolas XV de Novembro e Aura Astral, credita isso principalmente a dois fatores: o êxodo rural e a especulação imobiliária causada em muito pelo crescimento da zona urbana sobre a rural. Agora novamente a especulação imobiliária entra no caminho da produção de vinho da região, e desta vez de forma ainda mais contundente ameaçando a pesquisa e a formação de novos profissionais de Viticultura e Enologia – e o consequente desenvolvimento da região como polo vitivinícola.
O centro da disputa são os 46 hectares que abrigam a Unidade Regional de Pesquisa e Desenvolvimento de São Roque – uma das integrantes da Agência Paulista de Tecnologia do Agronegócio Regional espalhadas pelo estado de São Paulo – ao total hoje são 16 unidades e dois laboratórios. A área, considerada ‘ociosa’ pelo governo do estado, foi avaliada em cerca de R$ 100 milhões. De acordo com notícias divulgadas no primeiro semestre do ano, uma audiência pública com participação da comunidade científica e que discutiria os impactos da venda total ou parcial da área foi suspensa por decisão liminar da Justiça e não teve nova data agendada. Entramos em contato com a Secretaria de Agricultura e Abastecimento do estado de São Paulo e seguimos no aguardo das respostas.
Enquanto isso, as entidades que atuam no local – prefeitura municipal de São Roque, Apta Regional de São Roque, Instituto Federal Campus São Roque e Sindusvinho – seguem realizando seus trabalhos. O convênio entre as partes possibilita, por exemplo, que a área seja utilizada pelos alunos do IF como vinhedo didático e centro de pesquisa para desenvolvimentos de novos métodos de manejo e produtos.

A importância da área
Foi a partir dessa união que em 2020, nasceu o primeiro vinho agroecológico da cidade (foto acima) . E há outro exemplo emblemático em curso: “a implantação do vinhedo com a IAC Ribas cultivada a partir do manejo biodinâmico é pioneira no Sudeste do Brasil”, explica Willian Triches (foto abaixo, na área implantada), professor de Viticultura e Enologia do IF São Roque, “é a valorização da pesquisa brasileira junto com alinhamento a práticas mais sustentáveis”, declara o docente. O professor também é incisivo quando cita mais um motivo para manter a área: “além disso um dos objetivos é revitalizar a paisagem vitícola de São Roque”, garante, “os anos 80 e 90 foram terríveis, com o tempo a cidade perdeu a paisagem, trazê-la de volta é um dos nossos desafios”.

Paisagem, pertencimento, história e pesquisa são fatores cruciais na manutenção da área. “A unidade de São Roque tem um vínculo forte com Agroecologia”, explica Daniel Gomes, coordenador da Apta Regional de São Roque, “uma parte importante de todos os estudos em Agroecologia que foram difundidos no estado de São Paulo emana dessa Unidade”, reforça.
Gomes ressalta que recentemente a unidade teve uma grande exposição em função da elaboração dos vinhos agroecológicos citados acima: “e agora também teremos a produção de vinhos biodinâmicos, com o vinhedo já implantado”, adianta. Assunto que é confirmado por Triches: “o manejo biodinâmico que estamos praticando aqui, junto com o cultivo de variedades híbridas que têm resistência a doenças, é pioneiro no Sudeste”, explana, “o que fazemos aqui é experimentação: vamos testar, o que funcionar segue, o que não der certo, não”, resume. Isso é ciência, testar as hipóteses: é de tentativa e erro que nascem os acertos.
A origem da Apta Regional de São Roque
A área de 46 hectares que hoje abriga a Estação Experimental foi inaugurada em 5 de setembro de 1928 pelo Instituto Agronômico de Campinas (IAC), como parte da Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios (APTA), vinculada à Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo. Sebastião Wilson Tivelli, único pesquisador ligado ao governo do estado de São Paulo atuante na Unidade – e que trabalha lá há mais de 20 anos – relata o quê os livros documentam e os mais velhos contam: “no final dos anos 1920, 1930, todos estes mais de 40 hectares estavam plantados com uvas”, ensina, “quando exploramos mais a fundo a área ainda encontramos algumas videiras antigas abandonadas”, lamenta. Tivelli é enfático ao pensar em uma possibilidade de venda da área para investimento no mercado imobiliário: “seria o apagamento da memória”.
O pesquisador segue explicando que nas décadas de 1950 e 1960, quando veio a crise da uva e do vinho, o foco era em outras culturas, como a banana, por exemplo. Em paralelo a isso, São Roque foi crescendo, e com esse crescimento as distâncias foram diminuindo. “Os acessos se urbanizaram, o cinturão verde foi ficando cada vez mais perto do núcleo urbano e a vizinhança passou a questionar os tratamentos e pulverizações”, relata. Com isso o que havia ali foi sendo transferido para outros centros de pesquisa – inclusive os estudos que, anos depois, viriam a ser conhecidos, a exemplo da cultivar de uva IAC Ribas.
Aliás já falamos dessa história em outra reportagem desta mesma série.

Em 2017, com o objetivo de testar a viabilidade de produção de uva orgânica no município, foi implantado o vinhedo didático experimental, em convênio com o curso de Viticultura e Enologia do Instituto Federal Campus São Roque, que se instalou na cidade em 2013. “Aqui é um dos nossos laboratórios práticos, já que o curso não tem vinhedo próprio para uso didático pelos alunos”, conta William Triches. E a área é organizada didaticamente: cada aluno tem sua fileira identificada por nome (foto acima), mudas que são cuidadas por eles, que são responsáveis pela manutenção, tratam eventuais doenças, colhem, produzem suco ou vinho: no vinhedo aprendem na prática. Além da nova área da IAC Ribas, recentemente implantada para fazer testes de cultivo biodinâmico, há também outra área com a mesma cultivar, além das variedades Bordô, Isabel e Lorena.
O que vem pela frente
“Temos alguns planos para o desenvolvimento da área regional”, segue Gomes, “uma ambição é revitalizar a adega experimental da unidade, que está parada já há alguns anos, mas que agora poderá ser novamente utilizada”. Se isso for adiante será uma boa alternativa para a terceirização dos serviços de vinificação, necessários para pequenos produtores de São Roque e região. “A cidade é quem ganha com isso”, diz José Eduardo Charbel, gerente de relacionamentos do Sindusvinho.
Vamos acompanhar.
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O Brasil de Vinhos viajou a São Roque (SP), a convite do Sindusvinho e do Roteiro do Vinho.
Fotos: Brasil de Vinhos | Lucia Porto
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