BRS Lorena e Ribas: conheça as uvas de São Roque (SP)

BRS Lorena e Ribas: conheça as uvas de São Roque (SP)

É comum pensar em São Roque e imaginar vinhos de mesa, uvas americanas, garrafão – um vinho barato se compararmos com os elaborados a partir de uvas viníferas: garrafas de 750 ml vendidas a menos de R$ 20. Isabel, Niágara, Bordô, uvas que fizeram – e fazem história por lá. E por quase todo o Brasil, diga-se de passagem.

Sim, há vários estilos de vinhos e de consumidores.

E atenção, por mais que não pareça – ou que alguns façam questão de fazer com que não pareça – o produto que mais vende no Brasil e por consequência sustenta grande parte da indústria, é o de mesa. O vinho mais vendido no país há 11 anos consecutivos é o Pérgola, produzido a partir da uva Bordô pela vinícola Campestre, em Campestre da Serra (RS). O Pérgola sozinho vendeu em 2024 a superlativa quantia de 40 milhões de garrafas, o preço médio encontrado online é de cerca de R$ 30.

Faça as contas.

Pois a fama de São Roque, digamos, ‘se fez’ assim, e continua tendo nessas variedades, percebidas por alguns como menos nobres, grande parte da sua história secular, como estamos apresentando nessa série de reportagens.

Até que, num intervalo de cerca de 25 anos, apareceram duas novas variedades híbridas na jogada: a BRS Lorena e a IAC Ribas, cultivares que, digamos, começaram a escrever um novo capítulo na história do vinho na cidade.

BRS Lorena 

No final da década de 1970 a Embrapa Uva e Vinho, que tem sede em Bento Gonçalves (RS), lançou o programa de Melhoramento Genético de Videira, com o objetivo de desenvolver novas cultivares para uva e vinho – a ideia era propagar cepas vigorosas, produtivas, resistentes e rentáveis. Um dos primeiros trabalhos resultantes deste programa foi a Moscato Embrapa, apresentada em 1997; quatro anos depois disso (além dos 15 anos de pesquisas prévias), a BRS Lorena foi apresentada comercialmente.

Cruzamento entre a Malvasia Bianca e a Seyval obtido a partir de estudos coordenados pelo melhorista Umberto Camargo – conhecido informalmente com o ‘pai da Lorena’ – a cepa entusiasmou os pesquisadores. No início dos anos 2000 começou a ser cultivada por diversos produtores, a maior parte deles no Rio Grande do Sul, mas a Lorena também se adaptou bem em São Paulo, mais especificamente, em São Roque.

A pesquisa é fundamental

A novíssima vinícola Philosophia Wines, inaugurada pelo grupo Góes no final de novembro de 2025, já nasceu baseada em pesquisa. Foi uma pesquisa, por exemplo, que fez a marca ser criada. “Começamos a apostar em uvas viníferas, em novos sistemas de produção, a inovar mais”, conta Claudio Góes, CEO do grupo Góes, “e as pesquisas nos mostraram que deveríamos comunicar isso de forma diferenciada, assim nasceu a Philosophia”, explica.

Natural então que a pesquisa e a ciência façam parte do dia a dia das empresas do grupo, que tem um parreiral experimental, com condução em ípsilon – ideia que Claudio trouxe do Uruguai – onde diversas variedades são cultivadas, cepas que tem seu desenvolvimento acompanhado por especialistas, como o engenheiro agrônomo Rodrigo Formolo, por exemplo.

A área está dividida em duas: a parte frontal, logo em frente ao recém-inaugurado varejo da Philosophia, tem algumas fileiras de uvas americanas graúdas, cachos gordos, vigorosos, perfeitos para aquela fotografia turística com o pôr de sol ao fundo.

Na subida do aclive, começam as viníferas: “temos Sauvignon Blanc, Pinot Noir, outro clone de Syrah, Saperavi, Nebbiolo, Marselan, Alvarinho, Prosecco”, vai descrevendo Claudio (foto acima, à direita), “e temos a Lorena, que não é vinífera, mas é vinificada com controle de temperatura, tratamos como uva fina”.

Claudio se emociona ao mostrar e ao falar sobre a Lorena: “olha a produtividade dessa uva. Isso aqui é algo de que somos muito gratos”. O produtor explica que a variedade se adaptou muito bem ao clima chuvoso e indefinido dessa região de São Paulo: “ela tem sanidade e resistência”.

E somos testemunhas dessa ‘indefinição’ do clima. Quando estivemos lá, no início de dezembro de 2025 fez frio pela manhã, seguido de muito calor e chuva na sequência. No final da tarde o tempo abriu, veio um lindo sol e um pôr do sol arrebatador.

Haja saúde, para os humanos e para as plantas.

“Nos primeiros anos conseguimos um rendimento bom, só que isso explorava muito a sanidade da uva”, pondera, “deixávamos maturar muito até 23, 24, 25 brix. A uva ficava madura e muito doce, um vinho ‘xoxo’, sem acidez”, confessa Claudio Góes. Era a hora de mudar: “foi aí que começamos a equilibrar: maturação, pH, acidez, colher um pouco antes”, relembra, “e assim foi, cada vez mais melhorando, já no começo ela deu certo, aí pensamos, se o pessoal está gostando, vamos fazer mais, vamos vender mais”, resumiu.

Pensamento lógico, mas não tão simples assim. Foi nesse momento que Fábio Góes, primo de Claudio, eleito enólogo do ano em 2025 pela Associação Brasileira de Enologia, entrou na conversa: “o Fábio ponderou que pra isso era necessário termos mais plantas, era preciso enxertar, multiplicar nossos pés”.

A lenda das sete varinhas 

Diz uma lenda local que o vinhedo de Lorena da Góes começou a partir de sete varinhas, que foram sendo enxertadas e multiplicadas. Se isso é verdade ou não, fica no imaginário. O que é fato é que o resultado obtido a partir da uva está rompendo barreiras: o licoroso Gumercindo de Góes (foto acima) foi um dos dois únicos rótulos a receber o prêmio Grande Ouro na 1ª Seleção de Vinhos BRS Lorena, organizada pela EMBRAPA.

Certamente o primeiro de muitos.

E a Ribas afinal, que uva é essa?

A IAC Ribas, cepa de estudos para os alunos no vinhedo orgânico Experimental na área da Apta Regional de São Roque, agora também com plantio pioneiro no mesmo local, visando manejo da fruta e produção de vinhos biodinâmicos, tem uma história, no mínimo, curiosa.

A variedade foi desenvolvida na Estação Experimental São Roque na década de 1950 pelo melhorista de videiras Wilson Corrêa Ribas, que na época trabalhava com hibridação buscando produzir uma uva tinta de melhor qualidade, pra isso fez um corte com as variedades Seibel e Syrah. O teste não resultou em uma tinta, mas sim em uma variedade branca – que em seu ponto máximo de maturação possui uma tonalidade que se aproxima de algo acobreado.

“Quando a Unidade Regional de Pesquisa e Desenvolvimento de São Roque foi transferida no início dos anos 1980 – a cidade cresceu em volta, e o cultivo até então convencional foi convertido para orgânico – foram iniciados novos plantios no local, as uvas foram deixadas de lado e a banana passou a ser cultivada em maior quantidade”, explica Alex Santiago de Moraes, “neste período o pesquisador José Luiz Hernandes veio para São Roque resgatar o acervo que existia na UPD e levou tudo para o Instituto Agronômico de Campinas”, diz.

No início dos anos 2000, com a entrada da BRS Lorena em São Paulo e os bons resultados obtidos com a cultivar, os produtores são-roquenses começaram a pensar em variedades híbridas. “Em uma reunião da Câmera Estadual da Uva e do Vinho, Hernandes disse que havia uma cepa de São Roque no acervo do IAC”, rememora o produtor, “foi uma surpresa, não imaginávamos isso”, confessa Moraes, que estava presente neste dia.

Isso ocorreu em 2015. Naquele momento Hernandes relatou que por falta de verbas muitas variedades foram perdidas e coube a ele fazer um inventário das perdas. Ao entrar no viveiro, encontrou uma planta vigorosa e sadia em meio a tantas já sem vida, atacadas por doenças como míldio e oídio, por exemplo. Ao buscar informações sobre a ‘sobrevivente’, Hernandes descobriu que a planta tinha vindo da UPD de São Roque.

A partir dessa descoberta em 2018 foram iniciados os testes nas cidades de São Roque, Indaiatuba, Jundiaí e Bragança Paulista, tanto no campo quanto na cantina. Em São Roque os experimentos iniciaram nas vinícolas Góes e XV de Novembro – onde Alex é o produtor – além do vinhedo experimental (foto acima) que hoje é administrado colaborativamente por prefeitura municipal de São Roque, Apta Regional de São Roque, Instituto Federal Campus São Roque e Sindusvinho.

“Na UPD a IAC Ribas está sendo manejada por cultivo orgânico, e aqui na XV de Novembro no convencional”, explica Moraes (foto acima), “e ela está desempenhando bem nos dois”, comemora. A primeira safra dos cerca de 1 mil pés de Ribas na XV de Novembro foi em 2019, desde então a vinícola produz vinhos tranquilos e espumantes pelo método Champenoise.

De Wilson para Wilson

Em 2021 a cultivar, até então conhecida como SR 501-17, ganhou o nome de Ribas, em homenagem ao seu criador, pesquisador Wilson Corrêa Ribas, que a desenvolveu na década de 1950 na Estação Experimental São Roque. “A gente destaca uma coincidência”, diz Moraes, “quem desenvolveu a Ribas nos anos 1950 foi o melhorista Wilson Ribas, e quando ela volta pra São Roque nos anos 2018 o pesquisador responsável pela Apta Regional de São Roque é Sebastião Wilson Tivelli (foto acima): é de Wilson para Wilson”, brinca. Moraes finaliza: “o nome comercial da variedade é IAC Ribas, mas a gente chama carinhosamente de Ribas São Roque”, diz Moraes.

E com toda a razão.

 

O Brasil de Vinhos viajou a São Roque (SP), a convite do Sindusvinho e do Roteiro do Vinho.

Fotos: Cintia Moraes, arquivo Apta Regional de São Roque, Lisley Silvério e Brasil de Vinhos | Lucia Porto

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