Mudança em norma internacional alimentar vai facilitar exportação de suco de uva brasileiro

Mudança em norma internacional alimentar vai facilitar exportação de suco de uva brasileiro

A indústria do suco de uva brasileiro conseguiu uma grande vitória nas negociações internacionais ao incluir uma mudança importante na norma geral para Sucos de Frutas e Néctares. Depois de várias rodadas de discussões foi aceita a alteração proposta pela delegação brasileira à Comissão do Codex Alimentarius da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura e Organização Mundial da Saúde. A troca divide o nível mínimo de graus Brix – quantidade de sólidos solúveis em uma fruta – para o suco de uva em dois grupos: um para a variedade Vitis vinifera e híbridas, com o mínimo mantido em 16o brix e outro para a Vitis labrusca e híbridas, com 14o brix, em regiões com características específicas onde não se alcança um grau de maturação das uvas mais elevado. Essa mudança de padrão vai facilitar a exportação de suco de uva de algumas regiões brasileiras, como o Rio Grande do Sul, principal zona produtora do país. “A aprovação da alteração no grau Brix do suco de uva pode parecer algo simples, mas representa uma mudança profunda e estratégica”, afirma Hugo Caruso. “Essa adequação coloca os sucos de uva brasileiros em conformidade com as normas internacionais, favorecendo negociações bilaterais com países importadores e ampliando o acesso do produto brasileiro a novos mercados”, complementa o diretor do Departamento de Inspeção de Produtos de Origem Vegetal da Secretaria de Defesa Agropecuária.

“Nossa busca por esta alteração sempre foi um tema bastante delicado e muito questionado, principalmente pela União Europeia”, afirma Fernanda Spinelli, delegada científica brasileira na OIV, “porque há por parte deles um receio que essa mudança possa facilitar a fraude, entretanto, existem ferramentas de controle, complementa. A delegação brasileira que participou das discussões que ocorreram neste ano em Genebra, na Suíça, foi liderada pelo Ministério das Relações Exteriores e contou com representantes do Ministério da Agricultura e Pecuária, do Instituto Nacional de Metrologia e da Agência Nacional de Vigilância Sanitária.

“Esse resultado positivo, algo que vem sendo debatido e negociado há muitos anos, merece uma grande comemoração”, ressalta Fernanda. A comissão do Codex se reúne anualmente para adotar padrões de qualidade e segurança alimentar. Ao final de cada encontro a comissão, encarregada de proteger a saúde do consumidor e facilitar práticas justas e inclusivas no comércio de alimentos, publica as novas normas.

O assunto proposto pela delegação brasileira começou a ser discutido em encontros técnicos da Organização Internacional da Vinha e do Vinho em 2018, quatro anos depois passou a frequentar a pauta do Codex. “Grupos de trabalho foram formados durante este período, mas até então a mudança de padrão não havia sido aprovada”, pondera Fernanda.

“Até 2018 se falava pouco sobre produtos não alcoólicos como o suco de uva na OIV, mas era necessário mudar isso”, lembra a delegada brasileira. Em quatro anos a questão do néctar foi aprovada – desde 2022 temos a definição desse produto na OIV, anteriormente não prevista. Mas o suco de uva reconstituído – elaborado a partir do concentrado com acréscimo de água – seguiu nas mesas de discussão sem unanimidade. No Brasil o padrão mínimo de sólidos solúveis – açúcar, sais minerais, proteínas e ácidos – para este produto é 14o brix (1o brix equivale a 1 grama de açúcar a cada 100 gramas da solução); em quase todo o resto do mundo o padrão é 16o brix. “Se seguíssemos com os 16o brix permitidos até então, cerca de 45% dos sucos produzidos com a Vitis labrusca no Rio Grande do Sul teriam dificultada sua entrada no mercado europeu, por exemplo”.

Abertura de mercado

 Ricardo Morari, enólogo-chefe da Cooperativa Vinícola Garibaldi, uma das mais representativas indústrias de suco de uva do país comemora a conquista obtida pela delegação brasileira: “teremos mais tranquilidade e fluidez para as negociações internacionais que envolvem suco de uva, será um mercado novo e importante a ser explorado, sem nenhuma restrição”, avalia. “Vamos ganhar muita competitividade no cenário internacional”, prevê. Além disso o enólogo lembra que o produto brasileiro tem diversos outros atributos, como acidez, frescor e equilíbrio de açúcar, o que torna a bebida muito agradável. “A condição específica que temos no Brasil e a qualidade que o nosso suco tem, traz um grande potencial para o produto no mercado internacional”, comemora.

A expectativa de Morari vai na mesma linha de Hugo Caruso: sucos com menor teor de açúcar são sensorialmente mais agradáveis e reconhecidamente mais saudáveis. Com essa mudança, espera-se que os consumidores em outras partes do mundo tenham a oportunidade de ser apresentados ao suco de uva brasileiro – um produto praticamente desconhecido no exterior”, pondera. “A diferença sensorial é grande: enquanto os demais países produzem sucos a partir da uva Vitis vinifera, o suco brasileiro é elaborado com uvas Vitis labrusca e híbridas, e possui características únicas e incomparáveis”, argumenta.

As negociações para a mudança

Depois de várias discussões, o projeto da delegação brasileira chegou à penúltima etapa na Assembleia Geral da OIV em 2022, no México. No entanto, a proposta precisava ser endereçada ao Codex para garantir o alinhamento de padrões internacionais. No encontro realizado em 2023 foi formado um grupo de trabalho coordenado pelo Brasil que articulou debates e negociações envolvendo diversos membros, especialmente a União Europeia e a Turquia, que tinham opiniões bem diferentes das do nosso país. Durante todo esse processo, foram realizados vários encontros com delegações países de diversas regiões, como América Latina, Caribe, Oriente Médio, Europa, América do Norte, Oceania, Ásia e África, além de reuniões com a presidência, vice-presidência e o secretariado do Codex, tudo para garantir o apoio à proposta brasileira. No dia 27 de novembro de 2024 por fim, a mudança de padrão foi aceita.

Fernanda Spinelli explica que os europeus não entendiam porque o nosso padrão Brix é menor, mas a explicação é simples: “no Brasil o suco é feito com uvas da espécie Vitis labrusca; na Europa, com Vitis vinifera e isso influi muito. “Além, claro, das questões de terroir que interferem diretamente na característica do produto”, lembra a pesquisadora, “é uma grande diferença”. A Vitis labrusca também é utilizada no suco produzido nos Estados Unidos, em regiões com clima muito diferente do nosso. O produto americano vem com 22o brix, resultado de um grau de maturação muito bom da fruta, obtido em função das altas temperaturas.

O pedido da delegação brasileira foi de manter o padrão de 16o brix para o suco produzido a partir da Vitis vinifera e passar a 14o brix o padrão para Vitis labrusca em regiões que tenham condições edafoclimáticas como as do Brasil.

Graças a essas negociações os representantes do Brasil, com o apoio de uma proposta de compromisso da União Europeia, conseguiram a aprovação da mudança na comissão do Codex Alimentarius. Agora, a produção brasileira de suco de uva está alinhada com a norma internacional de referência, o que ajuda a melhorar a competitividade e a conformidade com os padrões alimentares globais. A aprovação final da mudança será confirmada quando o relatório da 47ª sessão do Codex for adotado, no dia 1º de dezembro de 2024.

Foto: Igor Moraes, segundo-secretário da Divisão de Política Agrícola do Ministério das Relações Exteriores | arquivo pessoal Fernanda Spinelli

 

Para sugestões de pauta e envio de artigos escreve para pauta@brasildevinhos.com.br

As matérias publicadas em nosso site podem ser reproduzidas parcialmente, desde que constando o crédito para Brasil de Vinhos e publicando junto o link original da reportagem.

Para nos prestigiar e manter o Brasil de Vinhos atuando, assina nosso conteúdo exclusivo no feed do instagram.

Para anunciar, escreve para contato@brasildevinhos.com.br e fala conosco.

 

Compartilhe esse conteúdo com alguém
que possa gostar também