Mauro Salvo, doutor em economia e master sommelier formado pela ABS-RS tem uma forte ligação com o vinho. É figura conhecida em diversos eventos e está sempre presente em momentos onde o vinho está em pauta. No artigo abaixo, Salvo faz uma reflexão sobre preconceito, divulgação, informações e conhecimento – e como isso contribui ou complica, na opinião que o consumidor brasileiro tem sobre o vinho produzido no Brasil.
Para quem quiser saber mais sobre o trabalho de Mauro, uma dica é o e-book ‘Visitando o que pensa o consumidor de vinho no Brasil’
O consumidor e o vinho brasileiro – O mito do preconceito
O consumidor brasileiro de vinhos tem preconceito com o vinho nacional? Isso é falácia, mito, sofisma ou fato? Antes de assinalar a alternativa correta recomendo que pensemos sobre o termo “preconceito”, definido pelo dicionário como opinião concebida sem exame crítico, sentimento hostil devido à generalização apressada, atitude irracional. A partir desta definição proponho contrapor o termo “preconceito” ao termo “reputação”, quem vem a ser o conceito que algo ou alguém goza num grupo humano. Etimologicamente, o termo reputação deriva de levar em conta (computar), portanto resultaria do somatório de seus atos ao longo de uma construção histórica. Por analogia, pode-se concluir que o preconceito, – por ser algo sem exame crítico apressado e irracional – não estaria computando de maneira correta os devidos aspectos, enquanto a reputação seria fruto de algum grau de racionalidade.
Voltando aos consumidores de vinhos no Brasil pode-se, após os esclarecimentos acima, pensar no que os motivou a formar tal conceito. Teriam levado em conta os aspectos mais relevantes para suas conclusões? A teoria econômica assume que o consumidor age com racionalidade, ou seja, faz suas escolhas baseado nas informações disponíveis, buscando a maximização de sua satisfação, considerando seus custos e benefícios. A ciência econômica também reconhece que nem sempre todas as informações estão disponíveis aos consumidores, seja em quantidade ou qualidade, por isso a racionalidade é limitada. De quem seria a responsabilidade de informar adequadamente sobre um produto ofertado na economia? Obviamente de quem a detém, ou seja, o produtor. E o produtor historicamente assim age?
A querela do preconceito contra o vinho brasileiro é antiga. Até o final da década de 1980 havia muitas restrições aos produtos importados, inclusive os vinhos. Isso os tornava raros e caros no mercado interno. Com a abertura comercial iniciada nos anos 90 e ampliada com o Plano Real, – que estabilizou a economia, reduziu entraves à importação e valorizou a moeda nacional – o mercado doméstico foi agraciado com uma oferta generosa de vinhos importados de boa qualidade e preços razoáveis para a classe média brasileira. Ao provar maior diversidade, o consumidor pode acessar mais informações sobre o produto vinho em geral.
Outro fato importante a resgatar é que era comum ouvir que vinho bom teria que ser varietal (elaborado com casta única), o que muitos sabem ser uma inverdade bizarra, mas que era disseminada pelos produtores por interesse comercial, induzindo o consumidor a erro.
Também é de suma relevância destacar que o terroir brasileiro tem excesso de umidade, o que dificulta o pleno amadurecimento das uvas e favorece o aparecimento de doenças fúngicas.
Por motivo de sobrevivência econômica muito produtores vinificavam ignorando a sanidade das uvas, o que traz características organolépticas não muito agradáveis ao paladar. Na esteira destes fatos destaca-se que os anos 2000 vivenciaram avanços tecnológicos importantes no setor vitivinicultor, como a conversão dos vinhedos (de latada para espaldeira), o surgimento da dupla poda (que permite a colheita de inverno onde a estação é mais seca), plantio em outras regiões (geralmente mais secas), utilização de leveduras diversas, entre outras mudanças tanto no vinhedo como na cantina.
Com base no exposto pode-se concluir que o consumidor brasileiro decidiu racionalmente ao preferir o vinho importado, seguindo uma análise de custo-benefício com as informações disponíveis. Outrossim, cabe mencionar que o produtor nacional não provê o consumidor de boas informações e em alguns episódios fornece informação que o confunde. Também deve-se levar em conta que os recentes métodos vitivinicultores consistem no reconhecimento de que os métodos anteriores não resultavam num produto de excelência.
Tendo agora os elementos necessário para responder à questão do início do texto, conclui-se que é impróprio valer-se do “mito” do preconceito para classificar as decisões do consumidor.
Mais adequado seria dizer que o vinho nacional ainda sofre de uma má reputação gerada no passado, mas que ainda pesa na equação de decisão do consumidor. Caberia aos produtores o mea culpa de que boa parte da rejeição ao vinho brasileiro originou-se de suas próprias atitudes. Um fato que corrobora esta conclusão é a boa reputação que o espumante nacional goza perante o consumidor brasileiro.
* Doutor em Economia e Sommelier
(o texto expressa a opinião do autor, e foi publicado no site Brasil de Vinhos com a autorização do mesmo, sempre na intenção de discutir, ampliar o debate e fomentar o crescimento da indústria do vinho no Brasil)