“O rio alargou, abriu braços e modificou o curso tamanha a violência e o volume de água”

“O rio alargou, abriu braços e modificou o curso tamanha a violência e o volume de água”

Costuma ser relaxante conversar com Naiana Argenta, uma pessoa tranquila, que reflete muito antes de falar e pondera a cada frase.

A executiva que deixou seu trabalho em uma multinacional para trabalhar com o pai no sonho dele – que se transformou no dela também – praticamente despejou uma torrente de palavras ao lembrar como foi o início dessa semana.

Naiana trabalha com o pai, Arnaldo Argenta, 70 anos, referência em vinho brasileiro, especialista em regeneração do solo, ofício que executa há anos nos vinhedos da Valparaiso, em Barão (RS), vinícola que foi severamente castigada pela chuva que assola o Rio Grande do Sul desde o final do mês de abril.

No depoimento, Naiana lembra de outros momentos difíceis, demonstra o cuidado que ela e Arnaldo têm e, apesar de todas as dificuldades, não esmorece.

Depois de ser incentivada por amigos, clientes e parceiros comerciais Naiana compartilhou nas redes sociais uma campanha que destina 30% das vendas do site para ações de apoio às vítimas do Vale do Caí.

Abaixo alguns trechos das conversas que tivemos nesta semana e em nosso instagram, um relato de Arnaldo Argenta, ao voltar ao vinhedo, três dias depois que a água começou a invadir tudo.

 

Por Lucia Porto


2023

 “Em novembro tivemos a primeira inundação e o riachinho que passa ao lado do prédio entrou e invadiu o sistema de dutos de escoamento da vinícola. Teve sujeira, teve um pouco de lama, mas a conseguimos atuar no dia seguinte e limpar tudo, chegou só na primeira camadinha de garrafas que estavam nas caixas plásticas. Por precaução, tirei tudo de dentro das gaiolas e das caixas, passei álcool e revisei uma por uma, deixei 100%. Foi uma limpeza tão boa que até serviu para começarmos a utilizar umas outras gaiolas, liberando as caixas plásticas para a safra.

Nos demos conta que poderia acontecer isso de novo, então eu disse: “pai, não quero passar mais uma vez, vamos agir na contenção”. Isso aconteceu em um final de semana, eu estava lá com o meu pai e limpamos tudo, foi lava-jato e limpeza. Não tivemos perdas de máquinas, foi um evento muito rápido. Mas no mesmo período também tivemos um dano no nosso açude e depois disso um desmatamento ilegal no vizinho, que ocasionou um deslizamento e o desabamento do terreno dele em cima do nosso.

Meu pai ficou muito triste na época, era um açude que ele demorou dez anos pra deixar como queria, água natural, de vertente, água da chuva…um açude que era um brinco.

2024

Dessa vez foi diferente e inesperado. Sabíamos que choveria, mas não tudo aquilo. Depois do que passamos em 2023 começamos a colocar um pallet por baixo das caixas, passamos a organizar mais, mas nunca pensamos que ia subir quase um metro dentro da cantina, por dias. E aquela água embaixo forma um lodo, um barro, e depois que começa a secar é horrível de tirar. E ainda estamos sem luz, implorando para a companhia para conseguirem restabelecer, para que consigamos aproveitar a mão de obra dos familiares que se ofereceram para ajudar e os lava-jatos que nos emprestaram.

Dessa vez o rio alargou, abriu braços e modificou o curso dele tamanha a violência e o volume de água. E logo depois da ponte – as duas pontes que temos estão comprometidas, não tem mais como passar trator e nem mesmo a gente caminhando.

Na cantina, nossa, veio com tudo. Tinha recém feito estoque de rótulos e de caixas, que ainda estavam no andar debaixo: agora todas estão úmidas, molhadas e sujas de barro. Na terça-feira o pai simplesmente abandoou, ele disse que não tinha o que fazer, a água brotava da parede, o dreno não dava conta. Então ele tentou erguer o que deu, e acabou ficando bloqueado lá, porque naquele dia as duas saídas estavam alagadas, ele ficou até a noite para conseguir sair, ajudado pelos vizinhos. Tivemos de proibir que ele fosse novamente porque não tinha o que fazer e a chuva não parava, não parava.

(…)

Agora eles não querem muito que eu vá lá, porque sabem que vou me desesperar. Teremos meses de limpeza, não vai ser uma coisa que vamos conseguir do dia pra noite – dessa vez têm máquinas mergulhadas dentro da cantina, e que ficaram dias na água, então não podemos ligar os motores. E têm os tanques também, os tanques menores de 50 litros, de 100 litro, o que aconteceu? Viraram por causa da água que passou da metade da altura de cada um deles e como estavam com aquela mangueirinha de fermentação, foi tudo embora. Nos tanques tinha Nebbiolo, Moscato que estavam fermentando, tudo se foi…”

Para sugestões de matérias escreva para pauta@brasildevinhos.com.br

As matérias publicadas em nosso site podem ser reproduzidas parcialmente, desde que constando o crédito para Brasil de Vinhos e publicando junto o link original da reportagem.

 

 

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