Sessenta e um dias após o início das chuvas que devastaram o estado do Rio Grande do Sul, o cenário é de retomada e reconstrução nas vidas, empresas e rotinas dos impactados. Apesar de registros caóticos de parreiras destruídas e estradas bloqueadas, o turismo de uma das regiões vitivinícolas mais tradicionais do país quer reforçar que está funcionando a pleno e esperando o público. O Vale dos Vinhedos retomou as rotas turísticas e os acessos para a região foram restabelecidos. O desafio do momento para o principal destino turístico quando se fala em vinhos é recuperar o fluxo de visitantes e criar alternativas para enfrentar as dificuldades deixadas pelas enchentes.
A principal demanda para o setor no Vale dos Vinhedos é a retomada do Aeroporto Internacional Salgado Filho, localizado em Porto Alegre. Dados da Secretaria de Turismo de Bento Gonçalves revelam que 65% dos turistas que foram para o município entre janeiro e março de 2024 vieram de fora do estado. Apesar das recentes adaptações feitas em Canoas e Caxias do Sul para receber voos, a capacidade das duas operações não consegue suprir a demanda que a região esperava na alta temporada.
Além da redução no fluxo de turistas (acima grupo fazendo a colheita na vinícola Don Cândido, em Bento Gonçalves), a ausência do aeroporto implica no cancelamento ou reagendamento de eventos corporativos nos hotéis da região. A Wine South America, por exemplo, uma das mais representativas feiras do mercado de vinhos do Brasil, aconteceria em setembro e foi transferida para maio de 2025. O Hotel Vila Michelon, que fica no coração do Vale os Vinhedos estima que 30% dos seus visitantes vêm do sudeste do país. “Ficamos com uma série de eventos represados que estão sendo reprogramados para julho em diante. Nosso hotel tinha um volume grande de turismo de negócios de segunda até quinta e nos finais de semana o turismo de lazer”, explica Elaine Michelon. “Durante a semana ficamos bastante prejudicados, pois se vendeu uma ideia de que Bento Gonçalves estava destruída, com morros cedendo e mortes. Esse alarde complicou, mas nossa região do Vale dos Vinhedos não parou em nenhum momento”, finaliza a proprietária do hotel.
Durante maio, Elaine afirma que os turistas sumiram. O movimento do mês caiu 95%, mas o atendimento seguiu normalmente, hospedando bombeiros e voluntários que foram fazer doações e ajudar nos problemas que o estado enfrentava nos momentos mais agudos. Em junho, a baixa ficou em 30%. Diante do cenário, a empresária precisou que demitir 20% dos funcionários. “Seguramos até o início de junho, mas não foi possível manter toda a equipe”, lamenta. “Tivemos que recalcular a rota, pois havia muita insegurança em relação ao futuro. Reduzimos de 50 para 40 funcionários”.
No caso do Hotel Dall’Onder, que tem três unidades em Bento Gonçalves e uma em Garibaldi, a queda de público em maio também foi de 95%. Pela falta de demanda, dois hotéis de Bento Gonçalves foram fechados temporariamente. Para manter os 250 funcionários, a equipe e a gestão do negócio, criaram ações e uma força tarefa para obter o fluxo de caixa necessário para enfrentar o momento crítico e manter todo quadro de trabalhadores.
“Só por fechar os hotéis temporariamente as pessoas pensaram que demitiríamos em massa, mas isso não é verdade. Hoje todas as unidades estão abertas e funcionando. Fizemos várias ações para captar recursos, como diárias promocionais para uso em até 12 meses, noite das massas (foto acima) quando que vendemos 200 refeições a cada dia, buscamos os principais clientes corporativos e tentamos negociar um pagamento adiantado para os eventos que que foram reagendados para o ano que vem”, explica Maitê Dall’Onder. “Foi um trabalho muito forte, toda equipe se esforçou para tudo dar certo e desta forma conseguimos manter todos os colaboradores”, conta a proprietária do hotel.
Na Gastronomia, o impacto também foi muito perceptível. Altermir Pessali, chef de cozinha e proprietário do Pizza Entre Vinhos, no Vale dos Vinhedos, relata queda de 80% em maio e projeta redução de 50% para junho. O empresário destaca que a ampliação de outros aeroportos é fundamental para não ocorrer novas surpresas na falta do Aeroporto Salgado Filho, pois as visitas de quem mora no Rio Grande do Sul não preenchem a demanda que o segmento possui. “O turismo interno acontece muito, mas é um bate e volta, o público vem até a região e retorna para casa depois. Quem vem de fora passa mais de três dias e busca experiências em vinícolas, hotéis e outras atrações. Seguimos sem grandes perspectivas para julho, sem nosso principal aeroporto, dependemos muito de Canoas e Caxias do Sul”.
Alternativas e soluções diante do cenário atual
Em maio, o setor hoteleiro da região focou os primeiros esforços no suporte para os resgates, hospedando bombeiros, médicos, agentes da Defesa Civil e voluntários que vieram para ajudar, além de participar também no fornecimento de refeições paras essas pessoas. Só em Bento Gonçalves, foram pelo menos mil marmitas por dia, além de café da manhã, lanches e refeições que eram entregues também em outros municípios atingidos. Após o momento mais crítico, a atenção se voltou para a retomada do turismo, lidando com as dificuldades impostas pelo momento. Em destaque, ações que promoviam o turismo das cidades do Vale dos Vinhedos, como o “Abrace Bento”, “Avanti Turismo Garibaldi” e “Retoma Monte Belo”, movimentaram a economia trazendo promoções para os visitantes e buscando soluções para não desestimular os empresários locais.
O reagendamento de eventos marcados para a região é apontado como outro caminho pelo secretário de Turismo de Monte Belo do Sul, Álvaro Manzoni. Com novas datas, a 32ª ExpoBento e a 19ª Fenavinho, com início marcado para 11 de julho e término em 21 de julho, em Bento Gonçalves, e o Polentaço, nos dias 2, 3 e 4 de agosto, são apontados como pontos importantes para a volta do turismo. “Se o turista não vem não temos como mostrar nossa potencialidade, os eventos se tornaram uma vitrine para nossos produtos”, argumenta o secretário. “Há sete anos começamos a revitalizar o turismo local, no início do projeto eram 14 empreendedores e hoje são quase 60”, comemora, “o turista chegava até a vinícola Miolo, no coração do Vale, e não seguia adiante”, recorda, “mas com reestruturação de eventos e placas de sinalização, atualmente a presença do público aumentou consideravelmente”.
Márcia Ferronato, diretora executiva do Sindicato Empresarial de Gastronomia e Hotelaria (SEGH) da Região Uva e Vinho, os estabelecimentos estão prontos e o esforço agora é na retomada do fluxo de pessoas para voltar próximo da normalidade. “Precisamos mostrar que estamos aqui e estamos abertos. Quem está fora do estado pensa que o Rio Grande do Sul segue alagado e que não temos condições de atender”, constata. “O grande desafio é virar a chave: tivemos problemas, têm regiões que foram mais atingidas que precisam se restabelecer, mas a maioria, cerca de 90% já estão atuando. Estamos trabalhando e temos condições de atender os turistas”, sublinha.
Para superar as dificuldades da situação, Rodrigo Parisotto, ex-secretário de Turismo de Bento Gonçalves, compartilhou ideias que podem ser aproveitadas como alternativas em momentos atípicos. Entre os exemplos, está a criação de mapas que reúnem todos os estabelecimentos com atrativos turísticos que estão abertos em Bento Gonçalves e Garibaldi, mostrando caminhos para chegar. Nas duas cidades, estes guias concentram 18 hotéis, 24 pousadas, 62 opções gastronômicas, 52 vinícolas, 42 atrativos turísticos, seis parques, cinco agências de viagens, duas empresas de transfer e duas cervejarias. Os participantes foram cadastrados após preencherem o formulário para inclusão e até o momento, os mapas ultrapassaram 11 mil acessos. Outra ideia para atrair público foi utilizar o tráfego pago de marketing digital para 15 cidades com pelo menos 30 mil habitantes e que não foram atingidas pelas enchentes. A estratégia uniu 35 empresas que direcionaram mídias com anúncios destacando promoções, ações e destinos turísticos do Vale dos Vinhedos.
Além dos aeroportos, Parisotto aponta que a comunicação será um ponto fundamental para a retomada do turismo. “Precisamos de muito esforço de comunicação promocional por parte das prefeituras. Os órgãos públicos precisam ter investimentos em imagem para mostrar que tudo está funcionando, que temos estradas para chegar e que turista será bem recebido. O empresário precisa fazer investimentos certos de promoção turística e aceitar que durante pelo menos três meses ele precisa trabalhar com descontos atraentes para convencer o turista a vir”, explica.
Evandro Soares, secretário de Cultura e Turismo de Bento Gonçalves, assegura que a prioridade é restabelecer o Aeroporto Salgado Filho, mas enquanto isso não ocorre, o turismo rodoviário surge como alternativa com rotas e atrações promovidas por agências de viagens. Durante o tempo que as principais ações que vão influenciar na retomada do turismo não são tomadas, o secretário destaca que a volta dos eventos “além da visibilidade, os eventos passam a mensagem de que é possível estar aqui e as pessoas podem nos visitar”.
Imagens: Rita Michelin (Hotel Vila Michelon) e arquivo pessoal Maitê Dall’Onder. Vinícola Dom Cândido e Maíla Facchini Quarto Estúdio Fotografia.
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