A proximidade de uma nuvem com cerca de 400 milhões de gafanhotos tem tirado o sono de produtores rurais do Rio Grande do Sul.
Os insetos estão a cerca de 130 quilômetros de Barra do Quaraí (RS), na fronteira do Brasil com a Argentina, e estão se dirigindo para o sul. O avanço de uma frente fria pode provocar chuva a partir de quinta-feira (25) e criar uma barreira contra esses animais, já que eles gostam de tempo quente e seco. “A nuvem se estabilizou. Existe uma possibilidade remota de inversão dos ventos”, disse Ricardo Felicetti, chefe do Departamento de Defesa Vegetal da Secretaria de Agricultura do Estado.
Na última segunda-feira (22), a autoridades do governo da Argentina informaram que a nuvem de gafanhotos levantou voo na província de Corrientes e que pode atravessar a fronteira com o Rio Grande do Sul. Segundo as autoridades argentinas, a nuvem teve origem no Paraguai e vem atravessando o país desde a semana passada. Em 2017, uma nuvem de gafanhotos também se aproximou do Rio Grande do Sul, mas depois acabou se afastando.
Pode afetar trigo e pastagem
A nuvem de insetos tem dez quilômetros de extensão e é de difícil controle. Caso avance mesmo da Argentina para o Rio Grande do Sul, pode atingir culturas de inverno —como trigo, aveia e cevada. As videiras, de onde saem os famosos vinhos gaúchos, também podem ser afetadas, assim como pomares de frutas cítricas, oliveiras, áreas de cultivo de hortaliças e até mesmo a pastagem para gado, disse ele. O milho não sofre com o fenômeno, já que o plantio começa só em agosto e a safrinha (como é chamado o cultivo após a colheita de soja) já está sendo colhida, afirmou o presidente Executivo da Abramilho (Associação Brasileira dos Produtores de Milho), Alysson Paolinelli.
“Esses gafanhotos são animais que se alimentam em geral de folhosas e têm hábitos vorazes. Na fase de crescimento é que se alimentam mais. É um animal polífago, que se alimenta de diversos vegetais”, disse o chefe do departamento de Defesa Vegetal. Caso ocorra o avanço da nuvem para o Estado, traria prejuízos para o campo e aumento nos preços, ainda não calculados. Para o presidente da Abitrigo (Associação Brasileira da Indústria do Trigo), Rubens Barbosa, ainda é cedo para falar em impactos futuros. “Não dá para especular muito, se tiver efeito, empresas vão importar mais.”.
Governo pode usar mais de 400 aviões
Para evitar que isso aconteça, a proposta é utilizar 426 aviões da frota aeroagrícola do estado no combate aos insetos. A ministra da Agricultura, Tereza Cristina, disse que o governo brasileiro já montou um plano para acompanhar a movimentação da nuvem em direção ao solo nacional. O governo do Rio Grande do Sul afirmou que está elaborando um plano de contingência e estuda a liberação de alguns defensivos agrícolas.
“Estamos trabalhando com o próprio Ministério (da Agricultura), estudando fazer um decreto de alerta para o Rio Grande do Sul devido a essa nuvem, porque assim vamos conseguir dispor até de recursos orçamentários por parte do governo do estado e ministério”, explicou hoje Covatti Filho, secretário estadual da Agricultura, Pecuária e Desenvolvimento Rural, em entrevista à CNN Brasil.
“Devora tudo”, lembra produtor
Mesmo a mais de 600 quilômetros de distância da fronteira, o produtor Idemar da Rocha Nunes, 64, teme o avanço dos insetos. Produtor de hortaliças orgânicas em Porto Alegre e presidente da Rama (Associação Metropolitana de Produtores Ecológicos), ele lembra de relatos do seu pai de uma situação parecida há cerca de 100 anos. “Teve uma cruzada dos gafanhotos na época da gripe espanhola. Na época, foi devastadora”, conta. Sem usar defensivos, ele teme que sua produção de cinco hectares seja consumida em segundos pelos insetos. “Aonde ele chega, devora tudo. Coisa mais horrível”.
Produtor de trigo, soja e milho, Gerson Fitz, 27, preocupa-se com a situação da primeira cultura. As plantas acabaram de germinar e os insetos poderiam devastar tudo, sendo necessário a compra de novas sementes. “Não sei a que ponto esses animais estragariam a lavoura”, diz o produtor que cultiva em Novo Machado (RS), na fronteira com a Argentina.
O produtor Pedro Candelária, 38, tem 16 hectares de vinhedos em Itaqui, na Fronteira Oeste do Rio Grande do Sul. Ele explica que as videiras estão sem folhas e frutos e, por isso, o ataque dos gafanhotos seria infrutífero. “Não nos preocupamos porque estamos no inverno, quando as videiras estão hibernadas [sem folhas].
Então, não existe nada para ser consumido pelo gafanhoto.” Entretanto, a preocupação dele é com as pastagens para alimentar 500 gados, 100 ovinos e 15 equinos. Ao todo, são 650 hectares destinados para a pecuária.
Matéria de Hygino Vasconcellos publicada no site Uol em 24/06/2020. Foto: Senasa (Serviço Nacional de Saúde e Qualidade Agro-Alimentar da Argentina)