Um depoimento do vinhateiro Paulo Backes sobre vinhos naturais publicado em nosso instagram provocou diversas reflexões e questionamentos. Para conferir, clique aqui.
Uma das pessoas que se manifestaram foi Eduardo Giovannini, agrônomo, mestre em Fitotecnia, doutor em Recursos Hídricos e professor pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul (IFRS). Giovannini é produtor de uvas e vinhos em Viamão, no Rio Grande do Sul, onde está localizada sua vinícola, a Quinta Barroca da Tília.
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Sobre vinhos naturais e vinhos convencionais
Eduardo Giovannini *
Em atenção ao depoimento do colega Paulo Backes tenho algumas considerações a fazer, visando esclarecer algumas coisas: ainda que não haja a definição legal de ‘vinho natural’ parece que a ideia geral dos produtores deste tipo de produto é de que se usar levedura comercial selecionada o vinho, em contraponto, não é ‘natural’. Este critério é usado para desmerecer os vinhos ‘convencionais’, como se estes fossem feitos artificialmente agregando ao vinho produtos químicos de qualquer natureza.
A não-intervenção na elaboração de vinhos dá um resultado semelhante à não-intervenção na culinária: põe todos os ingredientes na panela, liga o fogo e não intervém. Aguarda para ver o resultado. Por fruto do acaso, às vezes, sai algo que fique bom – na maior parte das vezes, não.
As leveduras boas, depois da reclassificação taxonômica são apenas quatro gêneros. Os outros quatro são deletérios ao vinho. Se a fermentação for deixada a cargo da microflora que está presente na uva e/ou a que está na cantina e por sua vez, veio com a uva em outro momento, vai ter a tal ‘complexidade’. Metade das leveduras fazendo vinho, metade estragando o vinho.
Se além de não adicionar leveduras boas que colonizem o mosto antes que as ruins dominem não se usar sulfito, o resultado é pior. Além das leveduras vai ter Acetobacter (produtora de ácido acético = vinagre), Aspergillus (produtor de Ocratoxina A = causadora de intoxicações crônicas), Penicillium (bolor), Brettanomyces (ácidos graxos em decomposição = cheiro de esgoto e suor de cavalo) e uma proporção grande de leveduras pouco competentes em fermentar.
Assim é normal que as pessoas, como disse o colega, ‘achem estranho’ o gosto do vinho natural no primeiro momento, mas depois não voltam ao convencional. É como o vinho que os colonos fazem em casa: quando novo, antes de azedar dá para tomar. Ao longo do ano o pessoal vai consumindo e acostumando o paladar às alterações que vão acontecendo e não percebem.
No Vila Flores provei vários vinhos, não todos, e concluí que em sua maioria, teriam sido vinhos bem mais agradáveis se os produtores tivessem usado as leveduras adequadas a cada uva e estilo de fermentação. Em muitos destes vinhos, a ‘complexidade’ era somente um conjunto de aromas desagradáveis e em outros simplesmente os vinhos não mostravam qualquer caráter parecendo apenas ‘soluções hidro-alcoólicas acidificadas’.
É pena pois tiveram boas uvas e não obtiveram o melhor delas.
Na chegada ao evento fui recebido cordialmente pelo colega Backes, com um vinho dele, ao qual alertou: “prova aqui, está com a acidez volátil um pouco alta, mas bem bom”.
Considerei a frase emblemática!
Se quer fazer ‘vinho natural’, faça. Tem seu público e seu espaço, mas dizer que os outros vinhos ‘são todos iguais’ e desmerecer o trabalho dos demais, não é uma boa.
* agrônomo e professor no IFRS