Vinhos produzidos em Minas Gerais estão em busca de identidade própria

Vinhos produzidos em Minas Gerais estão em busca de identidade própria

Reproduzimos abaixo aqui uma interessante matéria publicada pela repórter Celina Aquino no jornal Estado de Minas.

De Norte a Sul do estado, vinhos mineiros crescem em números e em qualidade. Pesquisa da Epamig começa a trabalho de identificar terroir mineiro

Quase 20 anos depois da primeira colheita, os vinhos produzidos em Minas Gerais já são realidade e conquistam espaço em um mercado competitivo, ainda marcado por preconceito com produtos locais. Enquanto investem em qualidade e têm o trabalho reconhecido através de prêmios nacionais e internacionais, produtores do estado se movimentam para definir o tão falado terroir.

A história dos vinhos mineiros começa por iniciativa do pesquisador Murillo Regina, da Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais (Epamig), que adaptou a produção de uvas para o clima local usando o ciclo invertido e dupla poda. Isso significa transferir a colheita para o inverno, período com condições climáticas ideais: dias ensolarados e quentes, noites frias e tempo seco, algo parecido com o verão europeu. Por isso, o que é produzido aqui tem o nome de vinho de inverno. A primeira colheita foi no campo experimental da Epamig de Caldas, no Sul, em 2003.
Luiz Porto se apaixonou pelo campo e comprou terras em Cordislândia, no Sul de Minas. Investiu em vários negócios (importou vacas holandesas, produziu laranja), até que soube da possibilidade de fazer vinhos finos. Visionário, plantou 45 mil mudas francesas. Infelizmente, não chegou a ver os vinhos prontos, mas seu filho, Luiz Porto Júnior, deu continuidade ao projeto. “Na época, falavam que éramos loucos, mas, com apoio científico e muita paixão pelo negócio, enfrentamos tudo isso.”
Em 2012, a família Porto fez a primeira vinificação comercial, com estrutura e profissionais próprios. Desde então, luta para quebrar o preconceito dos brasileiros com vinhos nacionais e levantar a bandeira da produção local. Para isso, está sempre pensando em como melhorar a qualidade. “A nossa missão é transformar a relação do brasileiro com o vinho produzido no nosso estado, transformar a percepção de que vinho brasileiro não é bom. É muito bom, sim, e tem reconhecimento internacional.”
A vinícola tem 14 rótulos, entre tintos, brancos e espumantes. O seu ícone é o syrah da linha Luiz Porto, que já ganhou medalha de bronze em Londres. “Ele é intenso, saboroso, instigante, perfeito para combinar com a gastronomia mineira, de costelinha de porco, galinha caipira, tropeiro e até torresmo”, descreve Júnior. Esse vinho passa por envelhecimento de 12 meses em barricas de carvalho. Destaque também para o espumante produzido com a mesma técnica dos champanhes franceses.

Valorização do regional

O parreiral está em expansão para dar conta da demanda, que aumentou 40% nos últimos anos. A produção, hoje em 50 mil garrafas por ano, vai triplicar na próxima década. “A nossa região ainda tem um longo caminho para percorrer, mas, graças ao público mineiro e produtos de qualidade, temos belas perspectivas, apostando na valorização do regional”, diz Júnior, que sonha com o registro da denominação de origem. Ele mira no exemplo da região de Napa Valley, na Califórnia, que venceu o preconceito e se desenvolveu rapidamente.
Em abril, a empresa, totalmente familiar, vai inaugurar a primeira vinícola de Tiradentes. A produção das uvas continuará em Cordislândia, mas todo o restante do processo poderá ser visto de perto pelos turistas. Haverá também espaço para degustação. Segundo Júnior, essa é uma das iniciativas para fincar Minas no novo mapa do vinho brasileiro.
Assim como Luiz Porto, muitos mineiros encaram o desafio de entrar no competitivo mercado de vinhos. O número só cresce. A maioria das vinícolas dão o start no campo experimental da Epamig em Caldas, que funciona como uma incubadora.

Hoje, nove produtores do estado são atendidos e há outros tantos interessados. “A videira demora três anos para começar a produzir, então vamos ter uma expansão nos próximos anos. O mercado é promissor, principalmente pela qualidade de vinhos de inverno, que vêm ganhando muitas premiações e a atenção do consumidor”, aponta a enóloga da Epamig Isabela Peregrino.

Isabela é responsável por toda a produção, da colheita à garrafa. O suporte técnico permite a realização de testes antes de montar uma vinícola, o que exige alto investimento (uma pequena, de sete mil litros, não sai por menos de R$ 1 milhão). “A Epamig produz os vinhos por três anos e, nesse meio tempo, o produtor consegue testar a área, fazer ajustes de qualidade, ver se o produto tem aceitação no mercado, para depois caminhar com as próprias pernas.” No momento, o laboratório está trabalhando com a capacidade máxima, que é de 40 mil litros de vinho ou 30 toneladas de uva por safra.
Por ser pioneiro na produção de vinhos, o Sul do estado concentra os cultivos mais estabelecidos. A região de Diamantina também se mantém firme na corrida por um espaço no mercado. Apesar de ainda ter pouco tempo (está na terceira safra), o cerrado mineiro também tem se destacado. Pelo que observa a enóloga da Epamig, o Sudeste, como um todo, será a nova região vitícola reconhecida do Brasil, e Minas leva vantagem por estar em uma posição geográfica bem central.

Tradição antiga

A produção de vinhos finos em Minas não é de hoje. Diamantina chegou a ter três vinícolas no

Ana trocou a consultoria de comida pela de vinhos, vendeu o carro para fazer mestrado em enologia na Espanha e acompanhou desde o início as produções experimentais de vinhos finos mineiros. “Os primeiros anos foram um pouco difíceis, mas agora estamos começando a entender o nosso terroir, o nosso clima, solo, manejo, e produzindo vinhos com qualidade cada vez maior.” De modo geral, os vinhos mineiros têm teor alcoólico mais alto, notas de frutas maduras e muita presença de madeira.
De acordo com a educadora, Minas se destaca mais pelo trabalho com as uvas syrah e sauvignon blanc. “Falta chão para comparar com grandes vinhos do mundo, mas não que vamos precisar de 300 anos. A Nova Zelândia faz vinho há 40 anos e já é referência mundial de sauvignon blanc e pinot noir.” Para ela, o futuro da viticultura mineira está na uva cabernet franc, que tem dado excelentes vinhos em São Paulo. Atualmente, apenas a vinícola Luiz Porto utiliza essa variedade.

começo do século retrasado. Em 1812, o pesquisador inglês John Mawe provou um vinho feito em Mariana. Anos mais tarde, o francês Auguste Saint-Hilaire, em sua passagem pelo Sul do estado, também registrou cultivos. Naquele tempo, todas as uvas vinham de Portugal.

“O nosso histórico não é só de vinho de mesa (de qualidade inferior). Na verdade, tivemos 300 anos de produção de vinhos finos, que acabou quando as videiras norte-americanas chegaram e trouxeram a praga, matando as plantas europeias”, destaca a consultora e educadora em vinhos Ana Borges, fundadora da Uva Escola Etílica.
A produção de vinhos tem se espalhado por Minas e Ana destaca iniciativas, inclusive, na Grande BH (Juatuba, Mateus Leme e, em breve, Moeda). Ela mesma está com vontade de plantar uvas. “Os negócios estão ganhando corpo e não vai demorar para termos um circuito de enoturismo metropolitano”, avista a consultora, que está fazendo faculdade de agronomia. Segundo ela, faltam profissionais locais que tenham conhecimento específico sobre os vinhos mineiros.

Terroir mineiro

Já podemos falar em terroir para vinhos mineiros? Pesquisa da Epamig, em parceria com a Universidade Federal de Lavras (Ufla), dá início a essa conversa, que pode fazer a produção local subir vários degraus. “É um trabalho inicial, mas abre caminho para estudar detalhadamente as características de cada vinhedo. Isso agrega muito valor ao vinho, porque o consumidor quer ouvir história, saber de onde vem o produto”, comenta a engenheira-agrônoma e pesquisadora Claudia Rita de Souza.
A pesquisa tem como objetivo traçar o perfil qualitativo dos vinhos de inverno, inicialmente dos que são feitos com uvas syrah, as que mais se adaptaram à dupla poda. Os pesquisadores acompanharam, de 2016 a 2018, a produção em vinhedos de cinco cidades no Sul de Minas (Três Corações, Três Pontas, Cordislândia, São Sebastião do Paraíso e Andradas), todos com mais de 10 anos. “Avaliamos fisiologia e vigor da planta, qualidade da uva, fizemos uma caracterização bem detalhada do solo e a análise dos vi- nhos. O que está pendente é a parte sensorial.”
Os resultados vão servir como base para que produtores entrem com o pedido de indicação geográfica, que pode chegar à denominação de origem (DO), como no caso do Vale dos Vinhedos (RS), a primeira região vitícola do Brasil a conquistar o selo. “Quando se fala em terroir, não é só solo e clima. A qualidade do vinho é resultado da interação da planta com a natureza e da interferência humana, o manejo empregado, a quantidade produzida e o processo enológico”, esclarece Claudia.
Foto: Luiz Porto / divulgação

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