Como o vinho é feito? O processo começa no vinhedo ou antes dele? Pensando no estilo, escolhendo as variedades, os clones, plantando, fazendo a manutenção, rezando pro granizo não aparecer, torcendo pelo sol, fazendo a dança da chuva pra ela não vir em excesso?
Depois disso a cantina: o tempo, as provas, as trasfegas, o tempo, as provas, a guarda, as provas, as decisões, as provas, o tempo, as garrafas, a venda…finalizado isso, reinicia o ciclo.
Mas e se tudo isso pudesse ser, digamos, atalhado? Claro, muitos desses processos não mudam – o vinho afinal, é e sempre será feito de uva, e apenas dela. Porém agora algo que já entrou nas nossas vidas com força aparece também no mundo do vinho – e o Brasil parece ser pioneiro nisso: até onde se sabe é verde e amarelo o primeiro vinho produzido no mundo pela Inteligência Artificial.
Sim, a bebida, e não apenas o rótulo, como o da Vino Gandolfi que mostramos acima, por exemplo. Esse vinho em si, o IA (abaixo), foi produzido pela vinícola Casa Tertúlia, uma empresa familiar localizada na cidade de Três de Maio, na região do Alto Uruguai, no noroeste do Rio Grande do Sul.
Mas como isso é possível? “Criamos um sistema de algoritmos de Inteligência Artificial capaz de analisar, a partir da estrutura físico-química dos lotes e de dados de avaliações internacionais, qual o melhor corte possível para a composição de um vinho”, diz Gabriel Hilgert, engenheiro de formação e um dos filhos dos fundadores da vinícola. “Usamos machine learning e análise matemática, dessa forma a qualidade do vinho pode ser otimizada tendo uma base científica”, comenta.
“A ideia nasceu na pandemia”, conta Jéssica, irmã de Gabriel. “Costumávamos falar bastante sobre isso e pensamos: por que não agora que temos tempo? Então começamos a trabalhar no projeto”, completa. “Unimos nossos conhecimentos em enologia, tecnologia de informação e desenvolvimento de sistemas para criar dois tipos de algoritmos: de aprendizado e genéticos”.
Os algoritmos de aprendizado ‘aprendem’ qual a combinação de elementos físico-químicos de um vinho que o faz ser considerado de boa qualidade, identificando quais os atributos que conferem as notas mais altas nas avaliações. No caso dos genéticos, eles existem para propor as melhores receitas para cortes de vinhos, com combinações que potencializam os elementos desejados. “Trata-se de uma metodologia nova, extremamente eficaz e que evolui à medida que aumenta a base de dados para o aprendizado de máquina”, afirma Gabriel.
Assim começaram a desenvolver algoritmos de IA que aprendem como diferentes características da estrutura interna de um vinho são percebidas pelos bebedores, conseguindo predizer com elevada assertividade se um vinho será bem avaliado ou não em uma análise sensorial. Mas de acordo com os proprietários da Casa Tertúlia, mais que predizer o provável resultado em uma competição, o sistema é capaz de sugerir proporções de cortes, indicando as melhores combinações de diferentes lotes para elaborar um vinho de maior qualidade para o paladar humano, conforme dados de pesquisa obtidos de avaliadores especializados.
A tecnologia desenvolvida – que está em processo de Registro de Patente junto ao INPI – é uma técnica inédita que combina tradição e Inteligência Artificial em um programa de algoritmos com aprendizagem de máquina. Os sabores e aromas do vinho podem, por essa tecnologia, ser convertidosem números, e, estes, ser comparados com sua qualidade percebida por humanos. “Dessa forma podemos encontrar padrões que identifiquem vinhos tomados como melhores, e separá-los dos padrões percebidos como piores”, explana Gabriel. “Os critérios de escolha são determinados pelo sistema, com uso de análises químicas e cálculos matemáticos, e então aplicados para criar um corte de vinhos de melhor qualidade”.
Para Jéssica, a produção deste vinho é um marco não apenas para a Casa Tertúlia, mas para o setor: “A técnica é capaz de resolver uma dificuldade do segmento vinícola do país: o desafio de produzir vinhos de qualidade em larga escala. Isso pode ser realizado combinando diferentes vinhos de características distintas, sem diminuir o nível de qualidade do produto e aumentando sua competitividade”. Um dos pontos positivos seria o preço: aumentando a escala de vinhos de qualidade, consequentemente o preço tenderia a cair.
Agora é ver – e beber – para crer.
Fotos: Casa Tertúlia | divulgação
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