A Valparaiso Vinhos e Vinhedos, vinícola de vinificação natural localizada em Barão (RS), na Serra Gaúcha, foi a única empresa brasileira a participar entre os 654 inscritos na categoria Vinhos e Variedades de uva da Slow Wine Fair, mostra que agrupa diversos aficionados pelo vinho que congregam da mesma filosofia, realizada em Bologna, na Itália. A viagem teve toques de aventura e emoção – aventura no atraso dos vôos, nas garrafas que não chegaram (teve plano A, B e C), no aparecimento da metade da caixa quebrada, depois da feira e outros que tais. De acordo com Naiana Argenta, que nos escreveu esse texto abaixo, teve produtor surpreso com o resultado do trabalho desenvolvido com as uvas de origem italiana, teve gente que chorou por lá, um choro emocionado assim como o de Naiana e do pai, Arnaldo, que aos 70 anos se emocionou ao ver – na Itália e no Brasil, na volta – a quantidade de mensagens e elogios que receberam pelo trabalho. Um pouco disso podes ler abaixo, no texto de autoria da filha do produtor.
Naiana Argenta *
A Valparaiso é um projeto do meu pai, o engenheiro agrônomo Arnaldo Argenta, que em 2006 iniciou um trabalho silencioso, voltado para uma satisfação pessoal de produzir uvas de maneira sustentável e seguindo os métodos de vinificação ancestral aprendidos com seus pais e avós.
A vinícola está há pouco tempo no mercado, desde 2020 quando entrei neste sonho, e resolvi deixar de lado minha carreira na área de Exportação de uma multinacional. Ao fazer um curso de sommellerie descobri que tudo que meu pai fazia em campo e na vinificação era diferente da maneira convencional que estava sendo ensinada. Percebi que tinha em casa um tesouro a ser lapidado e que minha missão era ajudar, mostrando ao mundo todo este trabalho que vem sendo feito há cerca de 18 anos, até então sem muito reconhecimento.
Tenho especialização em Marketing e pela primeira vez coloquei em prática algumas ações em benefício do negócio da família. Sempre tive dificuldade em valorizar minha formação e conhecimento, mas fui obrigada a aprender a lidar no dia a dia para conseguir melhores resultados. A Valparaiso nunca tinha investido nisso e eu sabia que convencer seu proprietário – meu pai, um homem com visão técnica e que investiu tantos anos no campo e na cantina – a apostar neste ramo para buscar algum êxito não seria fácil.
Resolvi pedir ajuda e questionar colegas produtores e profissionais do setor, sempre buscando alternativas de baixo impacto para tentar mostrar um pouco do nosso trabalho, consolidar e reverter em vendas. Este era meu objetivo maior quando entrei: fazer a máquina rodar e poder efetivamente transformar todo este esforço do meu pai em um legado.
A cada ano vinham novas descobertas e pude perceber que meu pai ia muito além tanto nas práticas de campo quanto de vinificação, o que me dava respaldo para expor cada vez mais nossa filosofia tão diferenciada e me orgulhar dos primeiros frutos sendo colhidos, tudo mérito dele – pena que tantos anos depois.
Desde 2021 faço parte de uma comunidade do Slow Food aqui na Serra Gaúcha, porém foi em São Paulo, durante a participação em uma feira que um membro de uma comunidade local encontrou a mim e aos nossos vinhos e logo entendeu o potencial. Então nos convidou a participar da comunidade Cultura no Prato e foi por onde fiquei sabendo da feira Slow Wine de Bologna.
O responsável na América Latina nos convidou a assinar o Manifesto Slow Food para o vinho bom, limpo e justo após conhecer um pouco do nosso trabalho e perceber que seguíamos nesta mesma direção. Desde minha entrada tive acesso a uma comunidade de produtores, distribuidores, sommeliers e estudiosos da área que discutem diversos temas que envolvem agroecologia, técnicas sustentáveis, cadeia produtiva do vinho e seus impactos, manutenção de paisagem rural, fertilidade do solo, entre outros assuntos.
Tanto me falaram da feira Solow Food e da importância que os vinhos do meu pai fossem mostrados ao mundo. Ao longo de 2023 demonstrei interesse, inscrevendo a Valparaiso: a resposta oficial veio no último trimestre de 2023. Além disso eu já tinha um sonho – boa parte dele originário da minha formação em Comércio Exterior – quem sabe um dia ver nossos vinhos, nossa filosofia de produção e nossa história ultrapassando as fronteiras? Ainda mais na Itália, país onde morei por dois anos e pelo qual desenvolvi uma paixão eterna.
Foi muito tensa a organização da nossa participação, pois percebi que mais de 90% dos produtores eram da Itália ou países próximos, dessa forma obviamente as questões logísticas para eles eram mais facilitadas e mais rápidas. Minha urgência em mandar os vinhos não foi muito compreendida de início, mas mesmo assim consegui despachar com 45 dias de antecedência, o que julguei um bom tempo extra caso houvesse qualquer problema. O tempo previsto com o operador era de 6 dias úteis, então estava tranqüila.
Mas como tudo que é mais difícil tem um sabor especial, a novela teve vários capítulos. A Receita Federal do Brasil estava em operação padrão, retendo milhares de importações e remessas para o exterior. Foram muitas noites sem dormir direito, tentando contatos para tentar buscar uma luz para que aqueles vinhos chegassem em tempo. Ainda veio o carnaval e a coisa parou de vez. Já sem esperanças, resolvi partir para o plano B e comprei mala despachada a preço de ouro para levar 12 garrafas – e que ninguém sabia confirmar se poderia levar para este destino. Pronto, se as garrafas que eu tinha enviado não chegassem eu teria 12 para os três dias da feira.
As garrafas partiram do Brasil, foram paradas na Alemanha e finalmente chegaram em Bologna. Meu pai e eu embarcamos dois dias antes da feira e as garrafas ainda não tinham chegado ao local. Foram retidas pela aduana de Bologna, que informou que pelo tipo de produto levaria pelo menos uma semana para liberar – isso se tudo corresse bem.
Embarcamos com uma caixa de vinhos – nossa única esperança – e o primeiro vôo de Porto Alegre para Garulhos atrasou mais de uma hora. Perdemos a conexão para Roma, ficamos 3 horas zanzado no aeroporto de São Paulo tentando um vôo para qualquer lugar da Europa para chegarmos antes da feira – ao meu lado meu pai com problema no quadril, mas incansável aos seus 70 anos. Era quase meia noite quando após ter caído em prantos no balcão da companhia aérea conseguiram um vôo para Madri e com muito sofrimento chegamos em Bolgona perto da meia-noite do dia seguinte.
Os primeiros vinhos enviados chegaram na sexta; a feira começava no domingo. Chegamos no sábado perto da meia-noite em Bologna e domingo às 7h tínhamos de estar de pé e dispostos e 100% para atender em nosso stand.
Ah, os vinhos do plano B obviamente tiveram final trágico e a caixa sumiu – apareceu esta semana no Brasil com metade das garrafas quebradas.
Tem dúvida de quanto emocionante foi poder ter vinhos em nosso stand? Só aí uma vitória, mas o melhor estava por vir depois de tanto perrengue. Muitos, mas muitos feedbacks positivos aos nossos vinhos, reencontros de amigos antigos fora do contexto dos vinhos e que se uniram na causa do vinho, troca intensa com produtores de diversos lugares do mundo, visitas a propriedades locais, uma energia linda que nem sei explicar.
No último dia da feira, uma jornalista italiana parou em nosso stand e nos deixou perplexos com sua fala. Ela afirmou que conseguimos transformar castas que não são autóctones (pois são italianas) em autóctones, imprimindo o terroir brasileiro com seus aromas e sabores. Isso foi muito emocionante para meu pai e temos gravado para poder rever de vez em quando.
Durante a preparação para a feira, tínhamos que responder sobre a possibilidade de sermos delegados e podermos falar sobre nosso trabalho, sendo o tema da Slow Wine deste ano a Fertilidade do Solo. Perguntei ao meu pai sobre o que poderíamos falar dentro deste contexto e fiz a proposta para falarmos sobre regeneração do solo. Para nossa surpresa fomos um dos produtores escolhidos e foi possível contar um pouco sobre o nosso trabalho, o que foi muito gratificante.
As memórias que ficam são eternas! Chegar em casa e ver e-mails de produtores querendo ajudar a Valparaiso a encontrar um distribuidor na Europa, pensa! Trocamos garrafas no final da feira e um deles me disse que seriam utilizadas com este intuito.
Vamos levar meses para assimilar esta experiência. Voltamos ainda mais seguros e engajados para fazer ainda mais pela nossa terra, consequentemente beneficiando também nossos vinhos e toda a cadeia que dele participa. A possibilidade de exportação que pensamos antes de embarcar? Essa acabou ficando em segundo plano depois disso tudo que vivemos pois foram experiências que vão muito além do vinho.
* sócia proprietária da Valparaiso Vinhos e Vinhedos
Foto: arquivo pessoal Naiana Argenta