“Têm propriedades que verdadeiramente acabaram”, diz Silvano Michelon

“Têm propriedades que verdadeiramente acabaram”, diz Silvano Michelon

Depois do final de abril, de um maio que pareceu não terminar e de junho que, por enquanto, parece promissor pelo menos na previsão do tempo, quantas pessoas devem deixar pra trás suas propriedades na Serra Gaúcha? Quantas famílias poderão, quem sabe, abandonar os vinhedos cultivados durante tantos anos? Passado pouco mais de um mês do início das chuvas no Rio Grande do Sul, com o trabalho de reconstrução em alta e o dia-a-dia, aos poucos, voltando, fizemos esta pergunta a uma pessoa esteve e está muito perto dos produtores durante todo este período.

Silvano Michelon é enólogo e especialista em viticultura e presta serviços de consultoria para diversos produtores e vinícolas, de perfis e tamanhos distintos, em diversos estados e cidades do Brasil – a maioria delas no Rio Grande do Sul, na Serra Gaúcha.

Nascido no interior da cidade e morador de Bento Gonçalves, foi pra rua assim que era possível auxiliar, primeiro nos resgates e socorro, depois oferecendo ajuda técnica, fazendo avaliações de solo. Conversar com Silvano é receber informações reais e apuradas e, mesmo que os números ainda não estejam totalmente contabilizados, como ele faz questão de ressaltar, é possível perceber a preocupação em seu tom de voz: “têm danos tão grande que propriedades verdadeiramente acabaram”, diz, “não tem mais o que fazer na propriedade rural”.

Ele relembra os fatos: “As chuvas que começaram no dia 29 de abril foram muito fortes também dias 30, 1º e 2 de maio, estes dias foram cruciais, choveu 1300 mm aproximadamente”, explica, “foi o período em que se concentraram os maiores danos”. E olhando o Rio Grande do Sul como um todo foi exatamente isso, começou pela Serra, região dos Vales, região Central e foi se deslocando até Porto Alegre. No início de maio surgiram os relatos de deslizamentos de terras, de enchentes, perda de casas, de mortes. “Onde mais aconteceu isso foi no Vale do Rio das Antas, desde a parte de cima: São Marcos, Antônio Prado, Vacaria, depois Caxias, Farroupilha”, recorda, e logo completa: “os mais graves foram Antônio Prado, Nova Roma do Sul, Farroupilha, Flores da Cunha, Pinto Bandeira, Bento Gonçalves, Cotiporã, Monte Belo do Sul, Santa Tereza, São Valentim do Sul, que é onde há a maior concentração de vinhedos de pequenos produtores”.

Com a experiência de anos no setor, Michelon afirma que a viticultura gaúcha nessa região é formada em grande parte por pequenas propriedades com áreas que giram em torno de 4, 5, 8 hectares de vinhedo em seu total. “Foram atingidas cerca de 100, 120 famílias”, diz o especialista. Nas propriedades que tiveram prejuízos totais ou parciais quem trabalha ou é um casal de proprietários, que tem em média 65 anos de idade, ou um empregado, os filhos atuam em grandes centros da Serra, como Bento Gonçalves, Farroupilha, Pinto Bandeira e Caxias do Sul. “Muitos destes casais vão desistir, seja porque já tem uma casa ou apartamento na cidade, seja porque não vão mais querer reconstruir tudo do zero”, lamenta, “vão abandonar os vinhedos”. E têm locais, afirma o especialista, onde não há mais nada, os deslizamentos levaram tudo, não só vinhedos, mas também muitas frutíferas, uma região com bastante plantio de citrus, bergamota, laranja e também hortaliças em áreas mais altas. “Com informações da Emater, Defesa Civil e prefeituras, estima-se algo em torno de 500 hectares de vinhedos, 600 se contarmos estas outras culturas também”.

Michelon deixa também um alerta – um questionamento futuro. Nas avaliações feitas durante este período, constatou diversas fendas no solo (como em Nova Roma do Sul, foto acima), fendas grandes, compridas: será possível novamente cultivar algo nestes locais? “Talvez algumas áreas tenham de ser abandonadas por causa disso”, argumenta. “Uma região predominantemente basáltica, com pedra não porosa, quando é atingida por água cria um bolsão embaixo, que levanta a terra ou raízes de planta e desliza pelo peso: a rocha basáltica muito lisa facilita o deslizamento nas propriedades que tem declividade maior”.

Na opinião de Michelon, pelo menos metade das propriedades que foram atingidas não vão ser recuperadas e as áreas de vinhedos serão abandonadas. Mas ele lembra, esse número não é exato: para entenderem como foi grande a abrangência desse evento climático há locais ainda sem luz há mais de 40 dias – essa conta pode subir.

 

foto do topo: terras da família Gallon, em Faria Lemos, Bento Gonçalves | foto acervo Silvano Michelon

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