Vontade de viajar, conhecer o mundo, vontade de estudar, trabalhar, vontade de empreender, vontade de prosperar. Agora pense em tudo isso ‘ao mesmo tempo agora’, na figura de uma mulher de 30 anos que há quase 10 se descobriu praticamente cidadã italiana, e que nos três últimos anos vem se dedicando a fazer vinhos – na Itália, na Sicília, aos pés do vulcão Etna. “O vinho é a minha vida hoje, meu meio de vida e minha paixão. Meu trabalho tem que ser minha paixão, senão eu seria uma pessoa infeliz”.
Essa figura é Bárbara Schapke, uma portoalegrense formada em Relações Públicas na Universidade Federal do Rio Grande do Sul que uma vez por ano vem ao Brasil – e que quando vem, traz alguns de seus rótulos na mala. E foi numa destas vezes, num encontro para poucos privilegiados na Casa Vivá, em Porto Alegre (RS), em uma noite que chovia ininterruptamente, que ouvimos a história dela.
O vinho entrou na vida de Bárbara graças aos amigos: “na Espanha eu saía com um grupo de italianos que já trabalhavam com vinho e comida, depois em Florença e Palermo comecei a perceber como isso fazia mais parte da vida de todos, era natural. Na Europa é assim”, avalia.
O vinho passou a fazer parte da vida de Barbara quando ela estava fora do Brasil, mas aqui também pendia para esta área. “Fiz um ano da faculdade de Gastronomia, mas percebi que não gostava de cozinhar”, conta. “Mas sabia que o que queria mesmo era comunicar e criar laços, por isso decidi fazer Relações Públicas, e quase ao mesmo decidi viajar pelo mundo, então passei a economizar para isso”, lembra. “Passei um ano viajando fazendo voluntariado, conheci quase toda a Europa”. Até que se estabeleceu na Itália para fazer um mestrado em Comunicação no mundo do vinho – Wine Culture Comunication and Management.
Depois disso ela conta que foi tudo muito rápido – rapidamente conseguiu um estágio em uma vinícola que produzia unicamente vinhos naturais, a Cantina Barbera em Menfi, Agrigento, na costa Sul da Sicília. “Administrada por uma mulher, Marilena Barbera, foi uma experiência incrível”. Na Barbera, uma empresa pequeníssima, Bárbara trabalho em uma vindima, viu muito e de tudo, pegando no pesado mesmo.
A próxima experiência foi diferente: passou de uma empresa familiar, que produzia milhares de garrafas, para uma mega, a Tasca D’Almerita, um grupo que produz aproximadamente quatro milhões de garrafas por ano, e tem diversas empresas diferentes espalhadas pela Itália. “Foi essa vinícola que me levou pro Etna”, conta. Desta vez Bárbara mudou de função e trabalhou na comunicação da empresa por cerca de três anos.
Mas sempre em movimento, queria se aproximar mais e mais da produção de vinhos: em 2022 fez uma mudança radical, arrumou malas e bagagens e se estabeleceu em Montallegro, uma minúscula cidade de menos de 2 mil habitantes, localizada na província de Agrigento, na Sicília. Depois de alguns anos resolveu se demitir da Tasca D’Almerita e trabalhar comercializando vinhos. “Na Itália os salários são baixíssimos e eu queria tentar trabalhar pra mim mesma”, confessa, “Aprendi muito, só que eu queria trabalhar só com vinho natural, hoje em dia eu só trabalho com vinho natural, só vendo vinho natural, só faço vinho natural”. Uma nova fase estava começando.
Empreendedora
Trabalhando com venda de vinhos, representando marcas e importadoras, Barbara conheceu muita gente e passou a, cada vez mais, ficar perto dos produtores e do mercado do vinho. Esse período, ela não sabia ainda, seria muito importante, porque a fez perceber o que o consumidor queria. “Hoje quando vou pensar um vinho eu sei o que o mercado quer comprar”, reflete.
Simultaneamente passou a conviver com produtores que vendiam uvas para vinícolas. “Na Sicília, principalmente no Oeste, é assim: a maior parte da parte é de agricultores que produzem uvas e vendem, não tem muita iniciativa privada”, relata.
O ano de 2022 marca também a entrada de Bárbara na produção de vinhos: “mas aquele ano foram 500 garrafas, era uma brincadeira”, se diverte, “foi um pouco de uva que botei num tanque na vinícola do meu namorado à época”, lembra. “No segundo ano fiz 1,2 mil garrafas”. Em 2023 Barbara mudou para o Etna, onde vive hoje: “acho que é o lugar que quero morar pra toda a vida”, conta.
Allegre
“Agora meu projeto é fazer negócios, eu compro uva e faço vinho”, diz. O vinho que Bárbara trouxe na mala em dezembro de 2024 era um blend das variedades Catarrato e Grecanico, 50% de cada. “O primeiro que fiz era apenas Grecanico macerado, mas ficou muito forte”, lembra. A partir dali, começou a testar: períodos de maceração, prensa direta, uvas um pouco verdes para ter mais acidez, co-fermentação. “Temos pouco tempo pra testar, temos que experimentar enquanto é possível”.
Os vinhos que Barbara produziu em 2024 – Grecanico e Catarrato – fermentaram separados e ela pensa em também engarrafá-los separados. “Na verdade ainda não sei o que fazer, tenho seis tanques diferentes”, diz.
A produção de 2024 deve fechar em 5 mil garrafas – um crescimento de 10 vezes se compararmos ao início, dois anos antes. O negócio vai crescendo e aumentar a venda não é tão simples como era antes. “Vender cerca de mil garrafas é mais fácil, em um mês vendo tudo”, conta, lembrando que há alguns meses pegou as 200 garrafas que ainda tinha em estoque, colocou no carro e percorreu diversas cidades da Itália: Gênova, Milão, Torino e Veneza. Vendeu todas.
Essa forma de venda direta é estratégica: “vendo apenas 12 garrafas por restaurante, quero ter mais contatos e conhecer mais pessoas, quando eu quadruplicar minha produção, vai ser mais fácil de ter fluxo de vendas”, antecipa.
Mas e sobre o Brasil, Bárbara, planos de ter teu vinho no mercado brasileiro? A resposta da produtora é pessimista: “aqui não se tem a Cultura, o vinho não é muito barato e o brasileiro não gasta em vinho”, sentencia. Na Itália o Allegre que trouxe na mala é vendido por Bárbara a EU$ 11 para os restaurantes, que o revendem por EU$ 30. Faça mentalmente a conversão pelo câmbio simples e comece a empilhar impostos e taxas para tentar imaginar a que preço esse vinho chegaria ao Brasil…
Atualmente Bárbara tem seis tanques com vinho que devem resultar em cinco rótulos: os rosés Frappato, Nero d’Avola e Nerello Mascalese (que será um espumante), os brancos Catarratto e Grecanico e um tinto de vinhas velhas do Etna, um blend Sangiovese, Grenache e Nerello.
“Minha vida é realmente isso, meus amigos trabalham com isso, eu moro num lugar onde se faz vinho. Não conseguiria mais fazer coisas que não acredito”, confessa, feliz e alegre.
Ou seria, Allegre?
Fotos: arquivo pessoal Bárbara Schapke e Brasil de Vinhos.
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