“Nasci em Sampa, saí do Brasil como engenheiro e volto como vinhateiro”, conta Paulo Almeida, fundador da L’étranger Vins, produtora de vinhos naturais localizada em Calce, no sul da França. Ao lado de sua esposa e sócia, a também brasileira Laura Rebessi, Paulo volta ao Brasil para apresentar seus vinhos naturais dia 8 de junho no Salão Primeira Taça, no Rio de Janeiro, e nos dias 21 e 22 de junho na Feira Naturebas, em São Paulo.
O nome L’Étranger, uma referência direta ao clássico escrito em 1942 por Albert Camus, serve para o casal como uma alegoria à liberdade de criar e de fazer do estrangeiro. E entre seus feitos no Velho Mundo que agora trazem para sua terra natal, estão dois tintos e um branco, com nomes inspirados em filmes: Porco Rosso (Syrah), Fahrenheit (Grenache Noir e Syrah) e Babel (Grenache Blanc e Gris).
Foi no ano de 2019 que a dupla colheu sua primeira safra, em 6,5 hectares de vinhas velhas, com idades entre 50 e 80 anos. “Todas nossas parcelas são juntas em uma continuidade que nos permite trabalhar vinhedos, solo, paisagem ao mesmo tempo”, explica o produtor. Paulo e Laura manejam os vinhedos de forma sustentável, revitalizando o solo, aumentando a biodiversidade, utilizando pouca quantidade de produtos químicos – apenas aqueles aceitos em agricultura orgânica – e evitando combustíveis fósseis. Entre as variedades cultivadas sobre solos de xistos, margas calcárias e calcários estão Macabeo, Grenache Blanc, Gris e Noir, Syrah e Muscat Petit Grains.
A alimentação saudável e orgânica está presente na vida dos dois há mais de vinte anos e, de acordo com Paulo, o vinho natural é resposta direta se quisermos ter coerência entre o que pensamos e o que comemos e bebemos. “É uma ação política, ecológica e humana”, reflete o vinhateiro.
Sendo coerente com sua filosofia, na hora de vinificar Paulo opta sempre por menos: pouca intervenção, leveduras naturais, macerações curtas – tudo para obter fineza e complexidade. Os envelhecimentos são feitos em tanques de aço inox, carvalho antigo ou cerâmica, com o objetivo de preservar as características e a mineralidade da fruta. Mas o vinhateiro lembra que não existem radicalismos: “não somos fundamentalistas e nos sentimos tão livres quanto nossos vinhos”, acrescenta, dizendo que quantidades mínimas de sulfitos são usadas e, se necessário, os vinhos são levemente filtrados.
Paulo diz que atualmente mais de 10% das terras agrícolas francesas são cultivadas de modo orgânico. “O que há 15 anos era um fenômeno em Paris, hoje invadiu todas as cidades e o campo na França e o mesmo está acontecendo nos outros países europeus”, afirma. Para ele, a consciência do que comemos e bebemos vem dos centros urbanos, onde o hábito de melhor comer e melhor beber se inicia e se expande. Na zona rural o movimento é outro, a partir da produção local que é vendida em circuito mais curto.
Paulo, que trabalhava para uma empresa brasileira de aviação, e Laura, mestre de cinema, foram de mudança para Paris em 2008, com a ideia de desenvolver um projeto que englobava trabalho e cultura. “Ao convivermos na cidade passamos a frequentar bares e restaurantes e conhecemos os vinhos naturais”, lembra o produtor, “e isso mudou nossas referências do que e como beber: menos quantidade e mais qualidade”.
O envolvimento na área começou através da criação de uma importadora de vinhos naturais franceses no Brasil, a Garrafa Livre, que durou 5 anos. “Durante este período eu visitava vignerons, frequentava salões de vinhos naturais, degustava muito: fui aprendendo e evoluindo o paladar”, relata Paulo.
Mas o desejo de ficar mais perto do mar e da montanha os levou a Calce, no Roussillon: em 2017 e se tornaram produtores de uva e em seguida de vinhos. Paralelo a compra dos primeiros vinhedos, Paulo aprendeu muito trabalhando com o vigneron Olivier Pithon que por três anos respondeu a todas as suas perguntas. “Ele foi extremamente generoso”, agradece, “você pode imaginar que um engenheiro tem muitas questões”, brinca.
“Trabalhar com vinho é um caminho longo, lindo, duro, e que ainda continua, está sempre em evolução. Aprender sempre, transformar-se, mudar o mundo, a criação coletiva enriquece, compartilhar o caminho faz crescer”.
Hoje Paulo e Laura têm seis rótulos no portfólio, três brancos e três tintos, e 85% do que produzem fica na França. Mas acreditam na importância de mostrar o que fazem em outros países. Seus vinhos são oferecidos, pessoalmente, para toda a França, Itália e Espanha e através de pequenos importadores no Japão, Tailândia, Singapura e Brasil – aqui sob a responsabilidade da importadora Peso da Régua.
Sobre os vinhos que serão exportados para o Brasil, Paulo garante que devem agradar ao paladar do brasileiro: “eu e Laura somos brasileiros, e temos o paladar esculpido pela Gastronomia e Cultura brasileiras, temperada por milhares de encontros, viagens e garrafas bebidas”, brinca. Além disso, sintetiza mais uma vez a sua filosofia: “não acredito em fazer vinho para um mercado, mas sim seguir a complexidade de nosso próprio paladar e gosto”.
Fotos: Daniele Mauro, Antonello Veneri e Paulo Almeida, arquivo pessoal
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