O vinhedo de 20 hectares da vinícola Guatambu, localizado em Dom Pedrito (RS) – e o vinho que resulta dele – ostenta um título o qual pouco se associa ao vinho – no mundo, especialistas estimam que existam somente outras três no setor que possam assegurar que são empresas ‘Carbono Negativo’ – Família Torres, na Espanha; Jackson Family WInes, nos Estados Unidos e Wakefield Wines, na Austrália. “É algo completamente fora do comum”, afirma Rogério Melo, gestor de estratégia de programas de Sustentabilidade na Agricultura, um dos profissionais que conduziu os estudos na Estância Leões, na Campanha Gaúcha. “No caso da Guatambu o sequestro de carbono foi maior que o número de emissões, por isso podemos dizer que tanto o vinhedo quanto o vinho elaborado ela família Potter é ‘Carbono Negativo’”.
“Ficamos muito felizes”, diz Gabriela Potter, “estávamos esperançosos que seríamos Carbono Neutro, mas não, somos Carbono Negativo”, comemora a engenheira agrônoma e enóloga. “A natureza estando em volta há fotossíntese à vontade”, sentencia Valter Potter, “quanto mais vida, mais fotossíntese: temos a mata ciliar intacta, deste modo a planta fixa carbono no solo e libera oxigênio”, diz o produtor. “Para quem é técnico da área é muito significativo, porque isso demonstra o extremo da eficiência da Agricultura e da industrialização’, saúda Melo, sócio da Agrotema e consultor dos programas de Carbono e Food Value Chain da UPL, uma das cinco maiores empresas de soluções agrícolas do mundo.
Em breve o Inventário de Emissões de Gases de Efeito Estufa safras 2024/2025 da vinícola Guatambu – fundamentado pelos estudos da Agrotema, em parceria com a Ambitus Global – será apresentado em publicações técnicas do setor, mostrando dados, índices e informações trabalhadas pelos especialistas lideradas por Melo e pelo engenheiro agrônomo Tauê Hamm, da AgroDtech, consultor de campo da Guatambu.

O case da Guatambu foi apresentado por Melo na COP30, em Belém (PA), no painel Fórum Planeta Campo, com direito a degustação de dois rótulos ‘negativos’ da vinícola, Épico IX e Lendas do Pampa Pinot Noir. Além disso, em uma ação organizada pela UPL, cerca de 300 taxis da cidade foram adesivados com a foto de Valter Potter com os dizeres: ‘O herói que você não sabia que precisava. Ele pode ajudar a produzir um vinho que captura mais carbono que emite, com manejo sustentável e produtos biológicos’.

Como medir
É um longo caminho até uma vinícola passar a ser considerada Carbono Negativo – quando mais carbono é removido da atmosfera do que emitido nela – o mais comum é a classificação Carbono Neutro, que equilibra as emissões. O Negativo vai além, com a ajuda do investimento em ações que ‘sequestrem’ carbono: “quando a planta cresce ela tira do ar o carbono que ajuda a causar o aquecimento global e usa isso para fabricar raízes, tronco e folhas. Ao fazer isso, os insetos e os micro-organismos também incorporam esse carbono no solo, essa é a forma do solo ‘sequestrar’ o carbono”, explica Melo, “tanto a partir da decomposição da planta quanto da microbiota que viabiliza, é dessa forma que um cultivo ‘sequestra’ carbono”.
“Nem sabíamos como fazer estes cálculos”, confessa Gabriela, “precisa se ter a rastreabilidade dos insumos e o consumo de combustível no vinhedo, entre outras coisas”. E é necessário também investir no sequestro de carbono, como nas coberturas de solo, por exemplo: “gramíneas como Azevém e leguminosas como Trevo Branco e Cornichão fixam Nitrogênio”, explica. Por outro lado, a engenheira agrônoma alerta que a aplicação de adubação nitrogenada é péssima porque emite um gás que volatiliza e é danoso para a camada do efeito estufa: “o ideal é deixar as plantas fixarem Nitrogênio pelas raízes para ter a troca, liberando desta forma o Nitrogênio para videira, ou praticando a adubação orgânica, que não resulta em volatização”, completa.
A medição é feita a partir da emissão de tudo o que a fazenda gera na fase agrícola – desde o preparo e implantação do vinhedo até o transporte das uvas, após a colheita – e tudo o que a vinícola emite na fase industrial do processo. “Dentro da vinícola também há emissões”, explica Melo, que no trabalho de campo tem o apoio de Tauê Hamm (foto acima). Melo especifica os procedimentos: “medimos e então constatamos se o número de emissões é maior ou menor do que o carbono que as plantas sequestram na biomassa dela, aquilo que o sistema de produção com gramíneas sequestra nas entre linhas, e o carbono que é depositado por esse sistema de produção no solo da vinícola”.
Ações como estas vão dando forma ao Inventário de Carbono, como detalha o especialista: “Fazemos trabalhos similares para muitas cooperativas pelo Brasil e tivemos uma surpresa muito grata do balanço do vinhedo da Campanha Gaúcha ser Negativo, ou seja: do campo à garrafa o processo de produção da Guatambu mais sequestra do que emite carbono”, comemora, “isso é a prova que uma Agricultura bem feita e uma transformação da produção eficiente brasileira pode ser, sim, um aliado na problemática do clima: uma solução e não um problema na questão climática”.

A preocupação com a Sustentabilidade
“Temos várias técnicas pensando no meio ambiente”, diz Gabriela (na foto acima com o pai Valter, no vinhedo de Tannat, implantado em 2006) , “desde o reuso da água, passando pelo parque solar, pastoreio dos ovinos no vinhedo, agricultura regenerativa, adubação orgânica e aplicação de microorganismos, entre outras ações”, relata.
Há seis anos os 20 hectares de vinhedo da Guatambu passam por aplicação de extrato de algas e insumos da agricultura regenerativa, tanto no solo quanto nas folhas. Algumas parcelas de vinhedos – atualmente de Pinot Noir e de Cabernet Sauvignon – já estão sendo manejados de forma orgânica e seguem desta forma mesmo com eventuais – e grandes – perdas ocasionadas pelo Míldio, principalmente na entrada do verão. “Se necessário usamos fungicida”, lamenta Gabriela, “eu sou agrônoma e mais do que ninguém quero cultivar de forma totalmente orgânica, mas não é fácil”, declara. Afirma ainda que o vinhedo como um todo está passando por uma transição, utilizando o mínimo possível de químicos.
“Quando pensávamos em propor um estudo pioneiro de inventário de carbono na vitivinicultura brasileira, a Guatambu logo veio à tona”, pondera Tauê Hamm, “são muitas iniciativas já realizadas com o viés da Sustentabilidade e a interação amigável com o Bioma Pampa”, complementa. Além disso, diz o engenheiro agrônomo, “a condição natural do solo, com alta concentração de matéria orgânica associado a um manejo dos vinhedos com práticas sustentáveis, fortalece a base para que tenhamos conseguido uma comprovação científica da produção com Carbono Negativo”.
Atuando como consultor da vinícola há alguns anos, Hamm é um dos responsáveis pelo incremento no uso de biosoluções no manejo dos vinhedos, como a utilização integrada de produtos biológicos e alternativos que já representam mais de 30% dos tratamentos fitossanitários realizados na Estância Leoões. “A saúde do solo ganhou protagonismo com o manejo de cobertura verde e a aplicação de microrganismos benéficos e fertilizantes orgânicos”, pontua, “isso tudo ficou evidenciado no estudo do Inventário, que através da coleta das amostras indeformadas e completas do solo, quantificou o carbono armazenado”.
O valor do produtor brasileiro
“Para nós que trabalhamos muito com a imagem do Agronegócio, que temos muito interesse que o Brasil deixe de ser um exportador de commodities para que exporte produtos de maior valor agregado, isso tem um valor enorme”, reforça Melo, “porque prova que a Agricultura bem feita e uma industrialização bem feita, além de gerar mais renda, emprego e progresso, pode gerar um produto que ajude o meio ambiente. Que a agricultura de excelência pode ser a solução para a crise climática e não parte do problema. Então eu tenho esperança de que esse tipo de prática se torne cada vez mais comum”, conclui.
Imagens: foto de topo, Dandy Marchetti, acervo pessoal Rogerio Melo e Gabriela Potter, Brasil de Vinhos | Lucia Porto
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