Em entrevista concedida à repórter Bárbara Lima, do Jornal do Comércio, de Porto Alegre, Pedro Candelária, da vinícola Campos de Cima, de Itaqui (RS), e presidente da Associação Vinhos da Campanha, fala sobre os desafios da viticultura na região, destaca investimentos e aponta caminhos para as vinícolas da Campanha Gaúcha.

Campanha gaúcha é região promissora na produção de vinhos finos

“A região da Campanha gaúcha é uma das mais promissoras para a vitivinicultura na América do Sul, com um clima muito favorável para a produção de vitis vinífera (parreira)”, afirma o presidente da Associação de Vinhos da Campanha, Pedro Candelária. De acordo com ele, a região, que na última safra foi responsável, entre as vinícolas da Associação, pela colheita de mais de 8 milhões de quilos de uvas numa área de aproximadamente 880 hectares, tem potencial para crescer ainda mais com melhorias logísticas.

Candelária também destaca a necessidade de investimentos em turismo e o combate às derivas de hormonais provenientes da soja. “Defendo um apoio forte à diversificação de culturas, que é uma das maiores riquezas que o Rio Grande do Sul tem e nos permite ter uma enorme variedade de produções, várias delas que agregam valor em toda a cadeia, como o caso das produtoras de azeite e de vinho, que geram riqueza desde a produção da matéria-prima, à venda de vinho, ao turista que depois visita e consome na região”, argumenta.

Empresas & Negócios – Como avalia a produção de vinhos no Estado?

Pedro Candelária – Hoje, a produção de vinhos no Brasil é cada vez maior, estendendo-se do norte ao sul do País. Ainda assim, a produção de vinhos no Rio Grande do Sul é a maior do Brasil, responsável por cerca de 90% da produção nacional. A região da Campanha gaúcha, por exemplo, é uma das mais promissoras para a vitivinicultura na América do Sul, com um clima muito favorável para a produção de vitis vinífera – com as quatro estações do ano bem definidas e verões tendencialmente secos e ensolarados. A região, desde 2020, é uma Indicação Geográfica, em regime de Indicação de Procedência (IP) e hoje é a segunda maior região produtora de uva e vinho fino do Brasil, somente atrás da Serra gaúcha.

E&N – A Campanha é uma das regiões que tem visto crescer a produção de vinho no Estado e no Brasil. Quais fatores contribuem para esse fenômeno?

Candelária – Os principais são as características edafoclimáticas – clima, relevo, litologia, temperatura, umidade do ar, radiação, tipo de solo, vento, composição atmosférica e precipitação pluvial – e geográficas da região. Temos um clima muito favorável com as quatro estações do ano bem definidas, verões quentes, secos e ensolarados e invernos frios e rigorosos, o que permite uma boa dormência das videiras. A topografia é tendencialmente plana, e existe muita área com grande capacidade produtiva disponível, ainda com preços mais baixos que outras regiões produtoras, como a Serra gaúcha, por exemplo.

E&N – Em 2023, até agora, quais foram os dados do setor na Campanha?

Candelária – Neste ano, chegamos aos 10 milhões de garrafas já avaliadas para selo de IP (desde 2020 até o final do primeiro semestre de 2023), ou seja, mais de 8 milhões de litros (exatamente 8.035.490 litros). Foram 288 vinhos avaliados ao longo de 3 safras – já estão no mercado cerca de 7,5 milhões de garrafas com o selo IP. A Campanha sofreu um pouco nas últimas duas safras com uma estiagem longa, diminuindo a produtividade das parreiras, mas em termos qualitativos foram excelentes safras, quer 2022, quer 2023. Nesta última safra, entre as vinícolas da Associação, foram colhidos mais de 8 milhões de quilos de uvas, numa área de aproximadamente 880 hectares.

E&N – Para os próximos anos, quais são as perspectivas?

Candelária – A perspectiva em termos de safra para 2024 é de El Niño, o que pode significar baixa de produção dependendo do volume de chuvas na época de safra. Felizmente, a região tem vindo numa sequência de excelentes safras, 2018, 2020, 2022 e 2023 foram safras incríveis. Muito do vinho produzido nesses anos ainda está sendo comercializado ou ainda sequer foi lançado. As perspectivas são que continuem sendo apresentados vinhos de alto nível, e que a IP e o nome da Campanha Gaúcha sejam cada vez mais sinônimo de vinhos de qualidade.

E&N – A região pretende investir mais em enoturismo? Alguma novidade na área?

Candelária – A região está estruturando cada vez mais o enoturismo. É algo que demora, pois implica o envolvimento de vários setores públicos e privados, de diversos segmentos diferentes. Hoje, várias vinícolas já oferecem experiências de alto nível para turistas, como almoços e jantares harmonizados, tours e degustações especiais, piqueniques, museus interativos na região, cursos de vinhos, etc. Ao longo dos próximos meses, será inaugurado também o trem do Pampa em Santana do Livramento, com uma experiência imersiva da cultura gaúcha.

E&N – Quais os principais desafios para quem produz na Campanha?

Candelária – Os principais desafios da região dizem respeito às enormes distâncias e áreas da mesma: são 19 vinícolas em 44 mil quilômetros quadrados, o que torna bastante desafiadora a questão logística (compra de insumos), distribuição e turismo – o viajante tem que se planejar para visitar a região. Em virtude dessas distâncias e isolamento existe também alguma falta de infraestrutura e mão de obra qualificada. No entanto, são essas mesmas distâncias e isolamento que fizeram com que a Região da Campanha se mantivesse mais autêntica, oferecendo uma experiência de contato com a natureza e com o Pampa Gaúcho ímpar. Outros desafios dizem respeito à proximidade com Argentina e Uruguai, de onde provém muito contrabando de vinho que acaba reduzindo o mercado consumidor. Não incluo aqui os vinhos importados legalmente, mas os que provém de descaminho.

E&N – Recentemente, o setor debateu o protocolo localg.a.p, programa do GlobalG.a.p para sustentabilidade. Qual a importância disso para o setor?

Candelária – Estamos ainda analisando esse protocolo que chegou até nós recentemente, mas a região tem estado sempre na vanguarda no que diz respeito a Sustentabilidade e Certificação. As vinícolas e produtores de uva seguem o manual de boas práticas agrícolas (BPA) e Boas Práticas Industriais (BPI), e várias vinícolas têm investido em parques solares para geração de energia, tornando-se cada vez mais autossustentáveis nesse quesito.

E&N – Após casos de trabalho análogo à escravidão em algumas vinícolas da Serra, quais medidas o setor tem buscado para evitar novos casos?

Candelária – O setor como um todo, e através da Uvibra e outras entidades, colocou em prática várias medidas, como a certificação e maior avaliação das empresas subcontratadas. A Campanha tem características um pouco diferentes em termos de pessoas necessárias para o trabalho nos vinhedos, mas segue também todas as orientações.

E&N – Há alguma iniciativa do poder público que poderia contribuir para expansão e valorização do setor?

Candelária – Sim, muitas. Por exemplo, o combate ao descaminho (contrabando) e destruição/reconversão para álcool dos produtos provenientes de descaminho, que hoje voltam para o mercado através de leilão, muitas vezes sem qualquer garantia para o consumidor da sua qualidade ou origem (vinho falsificado). Também o investimento em infraestrutura na região. Por fim, o apoio aos produtores de árvores frutíferas, vinhedos, erva-mate, oliveiras, contra as derivas de hormonais provenientes da soja, que acabam destruindo parte da área plantada.

Por Bárbara Lima, para o Jornal do Comércio

Foto: Nana Bonorino fotografia