Enolog-IA

Enolog-IA

por Luiz Gustavo Lovato*

Neste dia do enólogo de 2023, reflito sobre funções atuais e outras que logo virão que, ao meu ver, “remontam” a profissão de enólogo.

Hei, você! Enólogo, enóloga. Sinto lhe dizer, mas seus dias nessa profissão estão contados. Uma horda de robôs inteligentes está sendo criada nos mais recônditos escritórios de desenvolvedores de softwares do planeta para substituir o seu planejamento, a sua experiência e o seu julgamento na elaboração de vinhos, sucos e derivados da uva.

Pois bem, troque a profissão e sua finalidade, e o parágrafo acima poderia servir para quase qualquer outro tipo de serviço, ocupação ou, vamos lá, vocação. Embora pouco realista para o tempo presente, se pensarmos em um futuro imediato, o impacto das mudanças tecnológicas e comportamentais, que vêm ocorrendo desde os últimos quinze anos, sobre alguns ramos da profissão de enólogo deixa a dimensão ficcional para se tornar, digamos assim, um pouco mais factível.

Mas frente ao dinamismo enlouquecedor dos tempos atuais e os desafios imbricados nisso, seria esse o momento adequado para exercitar a futurologia? Para quê pensar no que pode acontecer se há tanto a se resolver cotidianamente? Mas convenhamos, para quem avalia o potencial de longevidade de vinhos recém fermentados, essa não é uma tarefa tão difícil. Por isso, neste dia do enólogo de 2023, reflito aqui sobre funções atuais e outras que logo virão que, ao meu ver, “remontam” a profissão de enólogo e que demandam um afinamento rápido para quem já está nessa há anos e um longo período sobre as borras para quem está entrando nessa agora.

– Saia da sala de tanques. Sei que esse é um esforço grande para profissionais tímidos e que estão confortáveis com seus protetores auriculares na linha de envase. Nem todo mundo quer saber como você e sua equipe fizeram aquele Merlot 2021. Mas muitos dos seus clientes querem. Portanto, se comunique. Não precisa investir em coreografias ou trívias mirabolantes, mas conte a história do vinho e as nuances da safra. Ao falar disso você está valorizando o produto e, olha aí, quem o faz.

– Fique atento ao que acontece em outros contextos. Até há poucos anos, para conhecer outra realidade vitivinícola e suas práticas, era preciso se programar financeiramente e viajar até o local de escolha. Sem dúvidas isso ainda é o mais recomendado a se fazer. No entanto, nunca foi tão fácil acessar protocolos de vinificação, dados setoriais e de consumo, tendências de mercado, conferências técnicas e científicas. Como diria Maynard Amerine, desenvolva um “interesse inteligente” em relação à profissão que você escolheu. E com isso, penso eu, ele queria dizer estude continuamente, se atualize. E hoje há mais formas do que nunca para tal. Não gosta ou não tem tempo para ler artigos acadêmicos? Pois acompanhe os divulgadores científicos. Não tem tempo para ler o livro x ou z? Assista à entrevista ou ouça o podcast. Em suma, nunca foi tão fácil acompanhar como outras pessoas, em outros lugares, enfrentam os mesmos desafios que você enfrenta no dia-a-dia.

– Respeite as mudanças e internalize práticas efetivas. O clima está mudando? Sim. Isso afeta os seus afazeres? Sem dúvidas. Procure saber quais os potenciais impactos e como adaptar o seu gosto e dos seus clientes a essas mudanças. Não apenas adote o discurso, mas auxilie a empresa na implementação de políticas trabalhistas justas, paritárias e que considerem a diversidade.

– Faça os robôs trabalharem para você e não por você. Entenda o potencial da inteligência artificial, desde o vinhedo, passando pelo processamento e como ferramenta de marketing. Em muitas dessas novas tecnologias os propósitos são a eficiência no uso da terra, monitoramento acurado de parâmetros de qualidade e economia de recursos financeiros. Felizmente, quando, quanto e onde aplicar continuará sendo decisão sua. A ética – ainda – é humana.

– Menos gente bebendo menos. E daí? Tudo indica que caminhamos para um platô e logo mais um declínio demográfico. Novas gerações têm optado por bebidas pouco alcoólicas ou mesmo sem álcool. Como se adaptar a esse enorme desafio técnico e comercial?

Sem respostas, colegas. Sem juízo de valor. Sem bola de cristal. Apenas reflexões urgentes sobre algumas novas demandas que são jogadas sobre enólogos e enólogas experientes e recém formados, que tentam, como um polvo, abraçar o mundo enquanto as leveduras não tiram férias.

Um brinde e parabéns pelo dia!

 

* enólogo e sócio do Brasil de Vinhos

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