A pandemia teve seu lado bom para os produtores de vinho brasileiro, nunca consumimos tanto vinho produzido no Brasil. Durante dois anos e tanto o cidadão brasileiro trancado em casa descobriu o vinho do nosso país e teve belas surpresas, as vinícolas comemoraram, as lojas online fizeram a festa. Mas havia uma questão com a qual ninguém contava: a falta de garrafas.
A pandemia confinou a todos, entre eles os trabalhadores das fábricas de garrafas de vidro e os motoristas responsáveis pelo transporte delas. Com o aumento do consumo doméstico, não só no Brasil, mas no mundo todo, era uma questão de tempo para faltar produto.
Aqui que entra na história um produto inovador idealizado por Renato Cárdenas, proprietário da vinícola Cárdenas, localizada em Mariana Pimentel (RS). Renato, assim como boa parte dos produtores de vinho do Brasil, tinha um problema: engarrafar seu vinho. Engenheiro mecânico de formação, foi em busca de uma solução para o seu problema e começou a pesquisar embalagens alternativas.
A primeira opção, logo descartada, foi o plástico. Em seguida, alumínio ou inox, soluções interessantes, mas que teriam um investimento inicial muito alto para uma pequena escala de produção. Embalagens bag-in-box, usadas com frequência, também foram consideradas, mas não era isso que ele procurava, queria algo inédito.
Pesquisando materiais chegou à indústria da cerâmica e percebeu que poderia fazer a garrafa que quisesse. “Eu já tinha uma ideia de fazer um produto na forma oval”, lembra Renato. “Me dei conta que este seria o momento”.
Com a ideia na cabeça o produtor procurou a designer de produto Mirtes Aragón Almanza, que mora na França, para desenvolver o projeto de uma garrafa ânfora. “Começamos a pensar em formas que o volume da garrafa não ficasse pequeno”, explica Mirtes. ”Depois de praticamente um ano de pesquisa, chegamos a um modelo com alça, que resultou em um tamanho que visualmente impacta quando comparado com uma garrafa tradicional, de vidro”, avalia.
O trabalho da dupla foi feito todo online, com diversas reuniões, idas de vindas de croquis e modelos, e moldes feitos em impressões 3d até chegar à garrafa definitiva.
Então mais um desafio: fabricar o modelo escolhido em cerâmica.
A garrafa ânfora
A garrafa, que segue o padrão de volume tradicional de vinho, com 750 ml., foi projetada com uma alça vazada, que tem pelo menos duas funções: é responsável pela troca de calor – que favorece o amaciamento dos taninos, um processo essencial na guarda do vinho – e também é ergonômica, facilita o manuseio da forma oval. “Requeremos a patente desta garrafa, não só pelo design, mas também pela invenção, que é única e inovadora no mercado de vinhos”, comemora a designer.
“Ao conceber a garrafa descobrimos e desenvolvemos inúmeras soluções”, pontua Renato “Com a alça criamos um trocador de calor: a proporção de parede versus vinho é muito maior na alça. Com a garrafa em um ambiente climatizado a primeira coisa que vai esfriar é o vinho que estiver na alça, que fica mais denso e desce, o próximo substitui, esfria e desce”, explica o engenheiro. “Isso cria uma circulação contínua e perpétua do vinho dentro da garrafa e amacia os taninos, ou seja, o trabalho da vinícola vai continuar dentro da garrafa”.
A garrafa ânfora em cerâmica traz ainda outros benefícios, como o isolamento térmico, capacidade cinco vezes maior que a do vidro: uma garrafa de vidro vai da temperatura de 16 a 25 graus em cerca de 5 minutos e 30 segundos, no caso da ânfora, esse tempo sobe para 20 minutos. “É um material que preserva a temperatura do vinho para o serviço e para a conservação térmica”, explica Renato. “Além de garantir o ‘escuro absoluto’, algo muito desejado para proteger o vinho dos raios ultravioleta.
A garrafa ainda pode ser usada como uma peça de design: é um objeto lindo, que pode ser utilizado para servir água, como azeiteira, vinagreira ou mesmo como um vaso de flores, contribuindo para a Sustentabilidade, fazendo o reuso da embalagem.
E como bem pontua Mirtes, o desenvolvimento da garrafa ânfora pode ser resumido pela máxima do design: um produto que mescla forma e função em um projeto inovador.
Os vinhos
As ânforas da Cárdenas inicialmente vão trazer dois rótulos de varietais, um Merlot 2016 e Tannat 2017, produzidos a partir de uvas de vinhedos próprios localizados em Mariana Pimentel, na região Metropolitana de Porto Alegre.
De acordo com o produtor, são vinhos de guarda, mas prontos para beber. “As ânforas fazem um papel similar ao dos tanques em forma de ovos de concreto, realizando a micro oxigenação, amaciando os taninos e preservando a temperatura”, explica Renato. “Em teoria o envelhecimento deve ser mais rápido que em uma garrafa de vidro comum, mas isso vamos descobrir com o tempo”
Um pouco de história
O vinho consumido em ânforas…
Se formos pensar em quando isso foi habitual temos que voltar séculos no tempo. Nem todos os registros são precisos, mas as documentações parecem indicar que as ânforas eram recipientes usuais para o consumo do vinho por volta do ano 600 a.C. Um pulo no tempo para o século XIII e Veneza se torna o centro da produção de vidro, com a produção concentrada na ilha de Murano. Os séculos XVII e XVIII marcam a entrada das garrafas de vidro no mundo dos vinhos.
é diferente do vinho produzido em ânforas…
Mas quando falamos na fermentação do vinho, a coisa muda de figura. Impossível não pensar na Geórgia e nas origens do vinho e aí viajamos mais de 8 mil anos no tempo até chegarmos às ânforas de terracota produzidas com argila, vedadas com resina de pinheiro e muitas vezes enterradas para manter a temperatura e ajudar no processo de fermentação.
No Brasil o primeiro vinho fermentado em ânfora de terracota foi o Amphorae, um corte tinto de Merlot, Pinot Noir e Nebbiolo, produzido pela Lidio Carraro, data de 2018.
Atualmente algumas vinícolas brasileiras realizam este tipo de fermentação, como a Guatambu, que vinifica o Veste Amarela, seu Chardonnay Laranja, em ânfora de concreto importada da Argentina.
Fontes:
