Madeira brasileira ou importada: as diferentes possibilidades no uso das barricas

Madeira brasileira ou importada: as diferentes possibilidades no uso das barricas

O uso de barricas de madeira é um dos fatores que molda a personalidade dos vinhos, pois altera sua estrutura, seus aromas e sabores. Mas, o que motiva a escolha de um determinado tipo ao invés de outro? Bem, há muitas respostas para essa pergunta, e para entender melhor o que cada uma delas tem a oferecer, conversamos com três personagens que , as utilizam ou produzem.

Giovanni Ferrari (foto acima), enólogo e proprietário da Vinícola Arte Viva, domina bem o tema, tanto que está acostumado a dar aulas sobre o assunto, e é um dos especialistas que têm se dedicado a estudos sobre a utilização de madeiras nacionais e importadas no envelhecimento de vinhos. “As madeiras mais tradicionais são os diferentes tipos de carvalho europeu, como o Quercus robur e o petraea, que são árvores de crescimento lento”, explica.

Cada uma das diversas variedades do carvalho influencia os rótulos de maneira particular, alterando características que vão desde o perfil aromático até a textura no paladar. “Há uma diferença entre os carvalhos, o francês, o americano, o esloveno… Cada um apresenta diferentes níveis de porosidade e densidade, o que impacta diretamente no vinho”, aponta Ferrari.

O enólogo explica que o carvalho francês, por exemplo, dependendo do bosque de origem, pode apresentar porosidade homogênea, o que confere aos vinhos taninos sutis, e características aromáticas como tabaco e café. Já o americano apresenta outros descritores aromáticos, como caramelo, uísque e coco queimado. “Eles são mais adocicados, e tem um tanino que não dá volume de boca, mas é aveludado”, complementa.

Mas há carvalhos de diversos outros países, como Croácia, Hungria, Eslovênia, que também são valorizados. “O carvalho russo também é muito comum, mas os que vêm desta parte da Europa são manejados de maneira diferente, e precisam ser rachados.”

Sobre o uso de espécies brasileiras, Ferrari aponta que o país ainda está “engatinhando”. “No Brasil, devido ao clima tropical, temos uma porosidade muito grande na madeira, assim um carvalho nacional não poderia ser utilizado para fazer uma barrica, justamente por não proporcionar o devido estaqueamento”, conta.

O que segundo Ferrari é diferente da Europa e da América do Norte, onde há um sistema de beneficiamento e manejo sustentável: “no Brasil ainda não temos um plantio específico de árvores para a produção de barricas”, completa. Mesmo com esses desafios, o enólogo acredita no potencial de espécies como a amburana e a castanha-do-brasil, que começam a ganhar espaço na vinificação nacional. “A amburana é ótima para neutralizar o herbáceo de uvas com notas verdes, trazendo mais aromas florais e frutados”, explica.

Apesar das limitações, Ferrari acredita que o uso de madeiras brasileiras pode abrir novas possibilidades de experimentação e personalização para os produtores locais. “A madeira não é apenas um complemento; ela traz identidade ao vinho, unindo o terroir à técnica”, finaliza o enólogo.

O tanoeiro

Entre os produtores de barricas que têm explorado o uso de madeiras brasileiras, destaca-se a tanoaria Mesacaza, tradicional empresa familiar situada em Monte Belo do Sul (RS). “Quem começou as atividades foi meu avô, Miguel, na década de 60; meu pai, Eugênio, registrou o negócio no ano de 1981″, comenta Mauro Mesacaza (acima, foto Emerson Ribeiro), terceira geração à frente da tanoaria, que hoje dá continuidade ao trabalho.

A história da tanoaria iniciou com a produção de barris para vinhos coloniais, mas com o passar do tempo foi consolidando-se também como referência para vinhos finos. “Quando meu pai registrou a empresa, a maior parte do produto era voltado ao vinho colonial, aquele comum, de casa, feito com as variedades Isabel, Bordô, Niágara”, conta Mauro.

Mas o negócio foi acompanhando a evolução do mercado vinícola, principalmente no Vale dos Vinhedos, onde está situada a tanoaria. A transição da produção tradicional para o uso de carvalho começou nos anos 90, quando o local despontou no cenário vinícola e empresas como Miolo e Valduga iniciaram as atividades na região.

“Já fizemos mais de três mil barris para a Miolo (foto acima, na Cave da vinícola Miolo, em Bento Gonçalves (RS)), cada um preparado com precisão para os vinhos da vinícola”, conta o tanoeiro. “A empresa trouxe a madeira importada e a tanoaria cuidou da montagem e acabamento dos produtos”, complementa.

Hoje, a maior parte da produção da Mesacaza é destinada a destilados, especialmente devido à legislação e ao crescimento do mercado de cachaça, que impulsionou a demanda por barris de madeiras nativas, como amburana, bálsamo, cabreúva, castanheira e jequitibá-rosa.

No entanto, a tanoaria continua investindo no uso dessas madeiras para vinhos, buscando alternativas para criar produtos com características únicas. “Usar madeira brasileira no vinho não é uma novidade. Antigamente, os grandes tanques de grápia, pinho e canjerana eram comuns na produção, mas com o tempo, foram sendo substituídos pelo inox, que é mais fácil de higienizar e manter”, explica Mauro.

A utilização da madeira brasileira traz desafios, especialmente devido à falta de infraestrutura especializada para seu beneficiamento, nome dado ao conjunto de processos aplicados à madeira bruta para torná-la durável e adequada. “Aqui no Brasil, não temos serrarias preparadas para a tanoaria, então precisamos trabalhar com madeiras para uso geral”, esclarece.

Segundo Mauro, as espécies nativas têm mostrado resultados promissores em vinhos brasileiros: “a grápia, por exemplo, é uma excelente escolha para vinhos Pinot Noir, enquanto a jequitibá-rosa é muito boa para Merlot e Sauvignon Blanc”.

A amburana, que é mais intensa e comumente usada em destilados, também é testada em vinhos, embora seja uma opção mais arriscada devido ao seu perfil aromático forte. “Cada madeira tem sua peculiaridade, e estamos sempre testando novos métodos para otimizar o seu uso. Mudamos o modelo de secagem, a forma de tostar e a curvatura, tudo para alcançar um equilíbrio entre madeira e vinho”, acrescenta.

Um ponto que chama atenção é o interesse pela araucária, símbolo da flora sul-brasileira. Com suas características únicas e forte ligação com o terroir da região, a espécie desperta curiosidade entre os produtores.

Ainda que enfrentem barreiras legais e ambientais, algumas vinícolas começam a experimentar essa madeira. “Estamos fabricando para algumas vinícolas que pretendem testar a araucária, mas ainda há muito para explorar e entender”, pontua Mauro.

A Villaggio Conti e as araucárias

 Uma destas vinícolas é a Villaggio Conti, localizada em meio às florestas de araucárias de Santa Catarina, em São Joaquim, onde Humberto Conti, engenheiro de alimentos e proprietário, tem explorado o uso da espécie nativa na produção de vinhos.

Em um projeto que está em fase de pesquisa, a vinícola iniciou o envelhecimento da bebida em barricas de araucária (foto acima) com o objetivo de trazer um diferencial exclusivo aos vinhos da região. “A ideia foi tentar utilizar um elemento do terroir e buscar algo único que pudesse diferenciar os Vinhos de Altitude de Santa Catarina, uma vez que todos os vinhedos se encontram em florestas de araucárias”, explica Conti.

O vinho está sendo testado em barricas de araucária há alguns meses, e o produtor realiza observações e análises sensoriais para acompanhar a evolução “Já interrompemos o processo para correção de problemas de vazamento em algumas aduelas. Depois das barricas consertadas, os vinhos voltaram e a ideia é deixá-los por pelo menos 12 meses”, conta.

Até o momento, o produtor observa que os taninos estão mais amaciados, o quê indica uma boa micro-oxigenação. “Podemos notar uma diferença em relação ao mesmo vinho no carvalho: a araucária é mais neutra”, diz.

Um dos pontos de cuidado foi verificar se a madeira transmitia alguma característica de resina ao vinho, uma preocupação que não se confirmou nas análises iniciais. “Nas análises iniciais, não foram perceptíveis traços de resina”, afirma.

Conti explica que além de buscar uma identidade sensorial própria para seus vinhos, a escolha da araucária reflete o respeito ao terroir e à biodiversidade local. “As araucárias são protegidas em todo o Parque Nacional de São Joaquim, mas existem produtores legais, autorizados e com manejos especiais; foi assim que obtivemos nossas madeiras aqui da região”, detalha.

Ainda em fase experimental, os vinhos da Villaggio Conti envelhecidos em araucária não chegaram ao mercado, mas o projeto sinaliza um novo caminho para o setor, onde a sustentabilidade e a valorização dos elementos nacionais assumem protagonismo.

Fotos: arquivo ArteViva, Mesacaza e Villagio Conti.

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