Sempre haverá risco de desmoronamento na Serra Gaúcha

Sempre haverá risco de desmoronamento na Serra Gaúcha

Durante mais de um mês contabilizamos perdas, mostramos prejuízos, apresentamos ações de ajuda e tentamos, de alguma forma, apontar os porquês de tudo o que vivemos, estamos vivendo e por muito tempo ainda viveremos. Na Serra Gaúcha, mais especificamente na região dos Vales, onde as consequências foram muito rápidas, violentas e catastróficas, uma das explicações talvez possa residir em sua formação rochosa. Para tentar compreender isso, consultamos Guilherme Pinz, geólogo, especialista na área que, entre várias coisas, afirmou que questão da Serra não é apenas preservar as matas: “enquanto o planeta Terra existir eternamente vai haver risco de desmoronamento, mesmo com o mato todo fechado”.

Especialista em terroir e geoquímica e autor de livro sobre o tema, Pinz presta consultoria geológica para diversas vinícolas em diferentes regiões do Brasil, mas é na Serra Gaúcha que tem a maior parte de seus clientes. “Toda a região serrana é formada por basalto, com exceção de algumas localidades no Planalto Oriental, como Santa Rosa, por exemplo, que apresentam o que chamamos de intertrápico”, diz Pinz. “Mas efetivamente onde estão os vinhedos e vinícolas é tudo basalto”.

Pinz explica que os desmoronamentos acontecem, basicamente, por dois motivos. O primeiro deles seria em função do excesso de chuva, mas estes desabamentos também são causados porque grande parte das estruturas basálticas são ‘fraturadas’: “no meio dessas fraturas a água percola e vem ‘lomba abaixo’, e a mistura com argila, transformada em barro leva o que tem pela frente”, salienta.

“O que vimos agora vai acontecer de novo, em algum outro momento, em algum outro vinhedo em alguma outra vinícola: é fato consolidado”, resume Pinz. De acordo com o geólogo muitas vinícolas que estão em sopé de morro vão estar sempre em situação de risco: “as que estão em platôs, em planos, correm menos riscos. De resto está todo mundo na alça de mira”.

Além disso há que se avaliar os danos que as rochas sofreram com a força da chuva de abril e maio de 2024. O especialista argumenta que na medida em que se cria uma alteração da estrutura ela não volta ao normal, e é capaz de aumentar esta alteração, dependendo das distintas camadas de fraturas que existem na pedra. “O basalto tem quatro níveis de fraturamento, três na verdade, porque um deles é maciço. Ao olharmos as imagens das quedas de barreiras pela televisão, ou mesmo na beira da estrada parece uma laje maciça, mas na verdade são três, que estão sempre em condição de cair, desmoronar e aprofundar o processo”, explica Pinz, “e naqueles lugares onde drenou a tendência é aprofundar mais ainda”. O geólogo alerta: “O ideal seria todos saírem dali, porque isso pode intensificar, pode aprofundar”.

Para ajudar na compreensão, Pinz sugere pensar na natureza da rocha basáltica como se fosse um doce conhecido como Mil Folhas: uma das camadas é maciça e as outras três são quebradas (ilustração acima). Uma das camadas é fracionada horizontalmente, como as pedras que existem por exemplo em Nova Prata (RS), vendidas pelas empresas de mineração.

Em outra as fendas são verticais – uma mostra disto pode ser vista por aqueles que passam pela Freeway, rodovia que liga Porto Alegre ao Litoral Norte gaúcho, em uma pedreira localizada no sentido litoral, à esquerda. As outras fendas são cheias de bolotinhas brancas, e apodrecem muito rápido. “Cada uma dessas, à medida que vai caindo é como um dominó, logo vem a outra e assim sucessivamente”, diz Pinz. “É uma intersecção interminável”.

O especialista exemplifica também com o que pode ser visto no canion Itambezinho ou no Fortaleza, ambos no Rio Grande do Sul: “ali podemos observar as linhas de mato ao longo da parede. Há uma camada de rocha grande, depois o que parece uma linha horizontal verde e assim sucessivamente. Essa intercalação são as camadas separadas, é assim que funciona”, resume. “As pessoas que habitam e produzem nestas regiões estão em uma situação crítica e isso é sabido há séculos, geólogos sempre falaram sobre isso”, sentencia.

E Pinz complementa: “É triste dizer isso, mas é uma realidade sine qua non, é a situação para o resto da vida enquanto escolherem ficar ali”.

 

Foto de topo: Nova Roma do Sul | Silvano Marcon, arquivo pessoal. Ilustração | Guilherme Pinz, arquivo pessoal

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