Guarda subaquática ganha espaço no Brasil

Guarda subaquática ganha espaço no Brasil

O Brasil está na rota das adegas subaquáticas, prática comum na Europa, que surgiu a partir de tesouros encontrados nas profundezas do mar em navios naufragados. O que é, digamos, usual em países como França, Espanha, Grécia, Portugal, Itália, Argentina, Chile, Uruguai, Croácia e Estados Unidos, agora também pode ser mais facilmente encontrado no litoral brasileiro.

Duas inciativas estão localizadas em Santa Catarina, a Underwater Cellar, está na praia de Bombinhas. Já o projeto que envolve as vinícolas Fama, de São Joaquim (SC) e Videiras Carraro, de Bento Gonçalves (RS), não tem seu local divulgado, por questões de segurança. Vale lembrar que no final de 2023 a vinícola Miolo, de Bento Gonçalves (RS), apresentou ao mercado o Cuvée Under The Sea, que teve guarda de um ano no mar da Bretanha, na França.

A guarda no fundo do oceano tem despertado cada vez mais o interesse de produtores e especialistas. O fundo do mar oferece um ambiente com temperaturas constantes e escuridão garantida. Além disso, de acordo com os profissionais envolvidos, o movimento das correntes marítimas possibilita que a bebida envelheça mais rapidamente e adquira sabores complexos. E vamos combinar que deve ser um charme ter em mãos uma garrafa coberta de corais, algas e conchas…

Uma adega com objetivo científico

O catarinense Eduardo Lazzarin é multi. Biólogo, educador, sommelier e avaliador internacional de vinhos, o proprietário da Catta Wines também é instrutor de mergulho, e quis reunir tudo isso em um único projeto. Assim foi sendo gestada a ideia da adega subaquática que reúne em um negócio só duas das paixões do catarinense: vinho e mergulho. “Vivi uma parte da minha trajetória fora do país, mas desejava ver no Brasil algo nessa área”, conta. Após estudar boa parte da costa brasileira, identificou em sua terra natal um local com características ideais para desenvolver a técnica de maturação subaquática.

Os vinhos são submersos a profundidade de 10 a 15 metros no oceano, em jaulas de aço inoxidável. Nesse ambiente, características como temperaturas baixas, ausência de luz, movimento das ondas e baixa presença de oxigênio aceleram o processo de envelhecimento e conferem características diferenciadas ao vinho. A operação é monitorada 24 horas por dia, e as garrafas são periodicamente retiradas para análises químicas e sensoriais.

Para ajudar a desenvolver a ideia, Lazzarin buscou Renieri Balestro, course director da Professional Association of Diving Instructor – organização internacional de treinamento de mergulho. Balestro é o responsável pelo principal centro de formação de profissionais de mergulho do Brasil.

A parceria entre os dois resultou na Underwater Cellar Bombinhas (foto de topo, crédito: Renieri Balestro), localizada entre as praias do Ribeiro e de Bombinhas, um negócio que exigiu quatro anos de estudos rigorosos e obtenção de licenças ambientais, com apoio da Marinha do Brasil e da Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina.

Lazzarin explica que a parceria com a Epagri foi essencial para desenvolver a premissa da Underwater, a base científica do negócio. “Nosso objetivo sempre foi ter um embasamento científico que tornasse o projeto único no mundo – é multivinícolas, recebemos vinhos de diversos países, e temos total autonomia sobre os tempos de maturação”, explica o sommelier.

Vinícolas como Pericó, Suzin, Monte Agudo, Gaudio, Villagio Conti, Hiragami e Santa Augusta, todas de Santa Catarina, fazem parte dessa lista. Há também outros produtores nacionais e internacionais, como a italiana Tenuta Malucelli e as gaúchas Arte Líquida e Vita Eterna.

Depois da safra de verão no Sul do país Eduardo Toccheto deve enviar dois rótulos da Vita Eterna para testar o processo de guarda subaquática. Os espumantes Blanc de noir e Blanc de blanc produzidos a partir de práticas de mínima intervenção em Pinto Bandeira (RS) devem ficar pelo menos 12 meses submersos: “mas como é algo novo, vamos analisar de 6 em 6 meses”, conta Toccheto, que imagina que este tipo de envelhecimento possa dar uma ‘acelerada’ no processo de autólise. “Sempre buscamos explorar projetos inovadores que conectem nossos produtos a experiências únicas. O Underwater Cellar chamou nossa atenção por ser uma oportunidade não apenas de inovar, mas também de explorar como o envelhecimento submerso pode acelerar processos como a autólise, enriquecendo o caráter dos nossos espumantes”, pondera. “Além disso, acreditamos que agrega valor à percepção de qualidade dos nossos vinhos”.

Lazzarin reforça que há uma preocupação em ter uma grande representatividade de vinhos brasileiros: “até abril de 2025 nossa meta é colocar milhares de garrafas no fundo do mar”, explica, mas lembra que a atividade será temporariamente interrompida durante a temporada de pesca da tainha, respeitando a cultura local.

Das montanhas para o fundo do mar

Outro projeto inovador no Brasil envolve vinhos produzidos a partir de uvas cultivadas em regiões montanhosas e maturados no litoral catarinense. As uvas plantadas a 1,3 mil metros acima do nível do mar, resultam em vinhos de altitude, conhecidos por seus sabores e aromas intensos. Após o engarrafamento, as garrafas são lacradas com cera para evitar contaminações e transportadas até o litoral, onde são submersas a 12 metros de profundidade e permanecem por cerca de 12 meses. Durante o processo de maturação são retiradas a cada 60 dias para análises laboratoriais físicas e químicas. O local exato da guarda escolhido permanece um mistério por questão de segurança – e as variedades de uvas utilizadas também não são reveladas.

O projeto que começou a ser elaborado em 2020 é uma iniciativa das vinícolas Fama, de São Joaquim, na Serra Catarinense, e Videiras Carraro, de Bento Gonçalves, na Serra Gaúcha. Quatro anos depois os primeiros exemplares foram apresentados ao mercado.

Fabiano Mueller, sócio da Fama, conta que as 150 garrafas do primeiro lote de 2023 foram utilizadas para testes. No ano passado, 380 garrafas foram vendidas. Em 2025 a ideia é comercializar 550 garrafas entre janeiro e fevereiro – e já há fila de espera para isso.

Em julho de 2024 uma garrafa do vinho branco submerso foi rifada para ajudar as vítimas das enchentes no Rio Grande do Sul, arrecadando um valor total de R$ 100 mil reais, em ação promovida pelas vinícolas Fama e Videiras Carraro.

Espumante do Brasil no mar da França

Em 2016, o Miolo Wine Group exportou 100 mil garrafas do espumante Miolo Cuvée – 10 mil delas foram vendidas na Soif D’ailleurs, em Paris, uma loja especializada em vinhos estrangeiros.

Para comemorar o feito, 504 garrafas do espumante foram deixadas repousando por um ano a 60 metros de profundidade no mar da Bretanha, na França, mais especificamente na ilha de Ouessant, na região conhecida como Baie du Stiff.

No final de 2024, depois de mais 10 anos de guarda nas caves da vinícola, no Vale dos Vinhedos, chegou ao mercado a edição limitada do Miolo Under the Sea (foto acima) safra 2014, a R$ 3,5 mil a unidade.

 

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