O temporal era intenso no dia 30 de abril no município de Barão, na Serra Gaúcha. O som calmante da chuva começava a ganhar outro significado para o estado, para a cidade e para Arnaldo Antônio Argenta, 71 anos, proprietário da Valparaiso Vinhos e Vinhedos. O engenheiro agrônomo, com experiência de mais de 35 anos e uma vida dedicada à viticultura, tentava chegar em sua cantina após receber a notícia de que a água havia invadido a entrada. Primeiro superou a estrada caótica, já afetada pelas chuvas, e não teve tempo para descansar. Ao chegar no local, junto de um de seus colaboradores, tentou abrir o portão, emperrado por muita lama e água. Teve de se locomover até a porta dos fundos e quebrar o cadeado para conseguir entrar. Ele procurava algo que pudesse salvar, mas estava sem luz e a água já atingia a altura do umbigo. Reuniu forças, tratou de sair de lá e mandou um áudio para a filha: “Faz parte da luta”, acreditou Argenta.
Naiana Argenta, assim como o pai, mostra que segue acreditando na Valparaíso sem perder a essência do que fazem: “Teremos de repor tudo que foi danificado no sistema de cobertura, para manter a nossa filosofia de trabalho sem a utilização de agroquímicos”, explica a sommelière. O trabalho da vinícola, pioneira no Sistema de Produção Protegido para uvas viníferas, ficou comprometido. Os postes de madeira que sustentam esse modelo tiveram a parte superior desestruturada (alguns caíram e danificaram a lona que protege a produção de adversidades climáticas). Além disso, algumas videiras deitaram e ainda não é possível saber como o 1,5 hectare de terra que fica ao lado do rio irá responder após ficar submerso. “No ciclo da planta entenderemos melhor”, prevê Naiana. “Motores de máquinas também foram danificados. Ainda estamos entendendo o que funciona ou não”, complementa.
Em meio ao medo e às incertezas da família Argenta e de mais de 2,3 milhões de pessoas que foram e seguem sendo afetadas pelas enchentes, diversas frentes se uniram em solidariedade. Nesse cenário, Lucas Foppa (na foto acima, à esquerda), sócio-proprietário da Vinícola Tenuta Foppa e Ambrosi, de Garibaldi, colaborava com doações em uma vaquinha e compartilhava o movimento nas redes sociais. Assim que soube da situação da Valparaiso, Foppa entrou em contato com Naiana: “Queremos ajudar a tornar essa situação menos dolorosa”, disse. Foi aí que o colega de setor, Felipe Bebber (na foto abaixo, o segundo, da direita para a esquerda), sócio-proprietário da Vinícola Família Bebber, de Flores da Cunha, entrou em contato com ele e os dois começaram a conversar. Bebber já havia passado por uma situação semelhante em novembro de 2023, quando a Serra Gaúcha, principalmente em Bento Gonçalves e Flores da Cunha, foi afetada por um temporal. Ele conta que teve parte da estrutura do seu negócio prejudicada: “Veio abaixo. Comprometeu uma quantidade significativa do estoque de produtos já rotulados”, relata. Na época, ele pôde contar com a ajuda de vizinhos, amigos e colegas. “Não termos passado por aquilo sozinhos foi muito importante para nós”, relembra o enólogo.
Após a conversa, Lucas Foppa e Felipe Bebber mantiveram contato com Naiana para entender a melhor forma de colaborar. Assim que o acesso à vinícola se tornou possível, ambos mobilizaram suas equipes (fotos acima) para auxiliar em uma limpeza pesada, necessária para que a Valparaiso pudesse começar a se reerguer. As três equipes se organizaram para que a limpeza fosse feita da forma mais eficiente possível, lava-jatos foram utilizados para a sujeira mais ‘grossa’, como descreveu Naiana e rótulos foram limpos um a um. Com equipamentos compartilhados, união pela causa e muito trabalho conjunto, a Valparaiso Vinhos e Vinhedos já está com a capacidade necessária para retomar as atividades de separação de pedidos. “Se não tivéssemos recebido ajuda, seríamos apenas eu, meu pai e alguns funcionários faxinando. Demoraríamos muito mais tempo”, agradece Naiana.
A sommelière conta que a limpeza mais ‘fina’ e minuciosa, continuará por alguns meses. Sem tempo para lamentar e com o ímpeto de pensar sempre adiante, Naiana já coloca em prática novas ideias que recebeu. As enchentes que afetam o Rio Grande do Sul farão parte da história do estado e também da Valparaiso. Pensando nisso, ela e o pai estudam valorizar os desafios superados da forma que podem: “Pensamos na possibilidade de vender algumas das garrafas como ficaram, marcadas pela lama. Vamos procurar como fazer isso da melhor maneira”, compartilha Naiana. No momento, o foco é na volta da produção: “Esperamos retomar os envases, porque já estávamos com uma baixa de estoque antes das chuvas e precisamos repor produtos”, complementa.
Acima (foto Daniel Schuur), vemos Arnaldo Argenta andando em seu vinhedo. Assim como ele, acreditando e seguindo em frente, Valparaiso, Foppa e Ambrosi, Bebber e muitas outras vinícolas tocam o seu dia a dia e praticam, neste momento, o amor pelo vinho brasileiro e a paixão de sempre procurar ser melhor. Nas palavras de Felipe Bebber: “Essa unidade, essa união, não só nesses momentos, mas em todos os outros, é o que está tornando nosso setor diferente e mudando a cara do vinho brasileiro”.
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