O trabalho no vinhedo é pesado. É preciso resistência física e mental para superar o calor, manter a cabeça no lugar e seguir realizando a poda, a desfolha, a colheita. Do amor pelo vinhedo ao esforço por horas a fio marcado nas mãos, cinco mulheres que trabalham na lida com os parreirais contam suas histórias, compartilham seus objetivos e mostram que é preciso lembrar sempre de quem está por trás de um vinho de qualidade. Isabella, Lenir, Gelza Sabrina, Rosiane e Lucélia contam como é o dia a dia no campo, do que elas gostam e quais são seus maiores desafios.
Isabella Bonato, 32 anos, vinhedo Oma Sena, Brasília (DF)
O vinho é dedo duro
Agrônoma de formação e inspirada pelo objetivo de trabalhar com vinho, Isabella é divertida quando fala da profissão:
“Dizem que o vinho, para o agrônomo, é uma vitrine. Quando se come batata ou feijão, não se lembra do agrônomo que fez. Já o vinho… Ele te entrega, é dedo duro. Ele te fala se houve erro numa adubação ou se a época de colheita foi errada. É um produto que representa o campo. Na faculdade eu busquei isso até que tive a oportunidade com a vinícola Brasília.”
Da avó Azénia à Oma Sena
Empresa que faz parte da vinícola Brasília, união de 10 viticultores, a Oma Sena teve seu primeiro plantio em 2020 e surgiu da vontade de Isabella de viver o vinho e a família. “Oma é avó em alemão e Sena é o apelido da minha avó que se chamava Azénia”, conta a agrônoma com orgulho.
“Notamos que no mundo do vinho, muitas vezes os homens eram homenageados seguidamente. As mulheres, apesar de terem feito um trabalho importante, nunca apareciam. A gente sabe, elas sempre estão ali. Quisemos juntar essas mulheres fortes no nome da vovó Sena e estamos homenageando todas na Oma.”
As criaturas de Isabella
Trabalhar com a natureza, para Isabella, é a melhor parte do negócio. Para conseguir fazer o que gosta, conta com a ajuda da família inteira na labuta: ela e o pai ficam no acompanhamento diário do campo, o irmão com a automação e a mãe com a administração. Em épocas de poda, todos pegam juntos.
“O que me encanta no trabalho com a natureza é que não temos muita rotina. Todo dia acontece alguma coisa diferente. Precisamos respeitar o tempo e a época da planta. O que mais gosto é de estar com as plantas, junto com as minhas criaturas.”
É preciso ter coração forte
“A parte mais difícil é a incerteza. A gente trabalha um ano inteiro para fazer uma colheita. Nesse caminho existem muitas variáveis, muita coisa pode acontecer. Lidar com a natureza é lidar com algo muito maior: é preciso ter coração forte. No fim, o privilégio é grande demais, a vida pode estar um caos, mas as plantas estão ali, o cenário é bonito e no final do dia temos um vinho para tomar.”
Rosiane Batista da Cunha, 43 anos, e Gelza Sabrina Barbosa da Rocha, 30 anos, da vinícola Casa Bruxel, Patos de Minas (MG)
A dupla feminina responsável pelo vinhedo da vinícola Casa Bruxel, de Minas Gerais, sempre com muito bom humor, concorda que a parte mais desafiadora do trabalho é o sol, mas que nem isso é motivo para se preocupar: “colocamos o chapéu e é isso. O chapéu é o companheiro”, diz Rosiane Batista da Cunha, de 43 anos. Cada uma com sua história e seus objetivos, Rosiane e Gelza Sabrina compartilham a experiência delas com a viticultura.
“Deus é muito bom com a vida da gente”
Rosiane ou ‘Rosi’, antes de tudo diz que gosta do que faz: “Cheguei aqui através da indicação de um amigo. Para mim, foi uma experiência muito grande, porque eu não tinha conhecimento de que dava para trabalhar com uvas aqui na região. De cara gostei bastante, e adoro o que faço”, conta.
Mãe da Ana Luisa, avó dos gêmeos Bernardo e Kaleb há um ano e chefe de família, Rosi encontra no vinhedo a oportunidade de ajudar os netos a se manterem com saúde: “foi um susto muito grande. Mas hoje vejo que Deus é muito bom com a vida da gente, por dar a oportunidade de conhecermos os netos. É como ser mãe duas vezes”.
Rosi não deixa de reforçar como valoriza o trabalho e gosta de aprender: “para mim é muito bom ter esse contato com a natureza, a gente aprende muito. Sempre trabalhei na roça: café, soja, feijão, já fiz de tudo. É diferente da uva, porque cada coisa tem o seu modo de fazer. Todo dia renovo meu conhecimento e aprendo coisas novas”, diz Rosi, mostrando sua empolgação. Ela conta ainda que pretende crescer na área e pensa no futuro: “Quero poder ver o nosso trabalho sendo expandido pro mundo inteiro, se possível. E que com qualidade a gente tenha esse prazer. Quero estudar mais e ir além”, projeta.
“A partir do momento que comecei, gostei”
Quem também gostou logo de cara do trabalho com as uvas foi a Gelza Sabrina: “fiquei sabendo através da minha família. Consegui a vaga, comecei a trabalhar e achei interessante. Nunca tinha mexido com uva. A partir do momento que comecei, gostei”, conta ela que já trabalhou capinando algodão, apanhando café e plantando eucalipto.
Há quase um ano no vinhedo, Sabrina já fez cursos de tratorista e pulverização. Procurando sempre melhorar, ela conta que o trabalho ajudou bastante: “Eu e minha namorada, Angélica, decidimos morar juntas. Ela estava desempregada quando surgiu esta oportunidade”, conta.
Para ela, as melhores partes do trabalho estão nos processos de poda, desfolha e colheita: “porque o melhor é ter o prazer de colher uma coisa e ver que foi feito um bom trabalho, sabe? Isso é prazeroso”, compartilha Sabrina. “O vinhedo é um lugar que a cada dia que passa você descobre algo novo e interessante sobre a natureza”, complementa a profissional.
Dedicada, ela não deixa de pensar no futuro: “tenho o objetivo de me aprofundar, de estudar mais essa área da agronomia e futuramente ensinar o que eu sei e o que eu estou aprendendo. No trabalho a gente sempre pensa em crescer na empresa, em procurar melhorar”, projeta Sabrina.
Lucélia de Lima, 37 anos, Vinhedos Família Sozo, Vacaria (RS)
Dia após dia
Com forte convicção e muita sinceridade no que acredita, Lucélia – sempre objetiva – demonstra a sua visão da vida: “Não gosto de pensar muito no futuro, gosto mesmo é de viver dia após dia.” Mãe do Jackson, de 21 anos e Luan Vitor, de 18 anos, já trabalhou com colheita de maçãs antes de entrar no mundo da viticultura. E foi assim, vivendo um passo de cada vez, aprendendo um dia após o outro, que completou 8 anos trabalhando nos vinhedos Família Sozo, em Vacaria, Rio Grande do Sul.
Da maçã para a uva
“Trabalhei desde os 18 anos com maçã, também em Vacaria. Era um pouco mais pesado fisicamente do que no vinhedo. Fazia força na sacola utilizada na colheita, retirava a fruta com a mão, era preciso carregar a escada e caminhar bastante. Com a uva é bem mais tranquilo. Trabalhamos com caixas, é usada uma tesoura para cortar o cacho da uva. É bem mais leve.”
Lucélia aprendeu cada parte do trabalho da colheita da maçã para a primeira vez no vinhedo e demonstra seu afinco e comprometimento com o que faz: “estou na vinícola há 8 anos. Treinei e aprendi sobre o ciclo de produção das uvas, do começo da poda até a colheita. Aprendi a lidar com a poda, a plantação, identificar a condição dos ramos, floração.”
Aprender, aprimorar e apreciar o resultado
Lucélia conta que hoje não considera nenhuma parte do trabalho particularmente desafiadora: aprendeu o necessário e agora sabe executar.
“É minha primeira vez em um vinhedo”, diz. “Sempre trabalhei com maçãs, por isso o mais difícil quando entrei aqui foi a parte da poda, porque era algo novo. Estava acostumada apenas com a colheita”, resume.
Colheita que, segundo ela, é o que mais gosta: “Para mim é gratificante saber que o serviço que a gente faz tem um resultado positivo”, comemora Lucélia.
Lenir Fatima Mucelin Foresti, 56 anos, Vinhos Foresti, Pinto Bandeira (RS)
O esforço na pele
Trabalhando diariamente no vinhedo, Lenir conta que sua função até a deixa até com as mãos encardidas, mas que para ela, no final do dia sempre vale a pena. Natural de Anta Gorda (RS), trabalhava com os pais em uma plantação de soja: “Era mais braçal. No vinhedo também é cansativo, mas a tecnologia mais avançada ajuda. Mas claro, não deixa de ser braçal, porque é manual com a poda e a colheita”, compartilha Lenir. Hoje toca a lida com a uva com o marido Vanius e com o apoio das três filhas: Alana, enóloga que cuida da vinificação, Francine e Francisca, que ajudam quando necessário.
“A rotina é cansativa. A gente vai pros parreirais por volta das 6 da manhã, almoça e quando escurece é aí que vem o trabalho de preparar o almoço pro dia seguinte e o lanche para quem trabalha com a gente”, conta Lenir, que cozinha também para os vizinhos que compartilham tarefas entre um vinhedo e outro.
Sensação “enorme de boa”
Para Lenir, ver o resultado final de seu trabalho é incrível: “é uma sensação enorme de boa. Ver que o cuidado de um ano inteiro valeu a pena. É na garrafa que vemos o carinho e temos uma grande satisfação de poder distribuir para o pessoal provar e todo mundo achar bom. É uma alegria.”
O desafio do trabalho pesado
“A mulher tem uma força muito grande. Falo por mim. A época da poda é bastante trabalhosa e a safra também. Porque o resto do ano todo a gente vai levando, pode dormir um pouquinho mais. Mas a época de preparar a parreira para ela produzir e preparar a colheita é bem puxada: é pesado, é muito quente durante a tarde. Mas precisa fazer o trabalho. Chapéu protetor, manga longa e sapato. É esquecer que tá fazendo calor e trabalhar”
A família é o futuro
Lenir, em cada fala, lembra de quem está a sua volta apoiando. Para ela, a família é tudo: “Sempre trabalhei para dar um futuro melhor para minhas filhas. Espero que eu veja lá na frente elas com o futuro pronto, trabalhando com o que é delas e cuidando daquilo que é nosso”, conta Lenir. “Sempre trabalhei para unir minha família e espero pro futuro que elas continuem tudo isso. Vou ajudar enquanto puder fazer isso e só espero pra gente um futuro bom, em que tudo esteja bem.”