A organização de um concurso de grandes proporções como o Brasil Wine Challenge, que será realizado em Bento Gonçalves (RS) entre os dias 16 e 19 de julho, praticamente começa quando acaba o anterior – ou quase. Quem se envolve muito nisso é uma dupla que trabalha na Associação Brasileira de Enologia há décadas, Eliane e Adriane. Há 25 anos na instituição, a secretária executiva Eliane Cerveira Dal Piaz se envolve com os convites para os jurados, convidados, passagens, programações e toda a intrincada logística de pessoas que envolve um evento como este. Christian Bernardi, diretor da ABE, é quem coordena a distribuição das amostras para degustação, mas mais do que isso organiza também equipes de garçons, distribui os júris, checa todos detalhes para que tudo esteja perfeito. Desta forma, cada jurado pode estar tranquilo na hora de definir a pontuação de cada amostra, avaliação que segue direto para uma ficha digital, em um sistema desenvolvido em 2009 pelo enólogo Leocir Bottega.
A enóloga Adriane Cristina Biasoli (foto acima) – a dupla de Eliane no dia-a-da da ABE – atua na instituição há 22 anos, e faz parte da organização de eventos como este desde a primeira edição, em 2002, quando a premiação ainda era conhecida como 1º Concurso Internacional de Vinhos do Brasil, e é ela quem começa nos contando algumas coisas sobre os bastidores do BWC.
O que acontece antes do concurso
Adriane Cristina Biasoli vive envolvida com as inscrições, recebimento e codificação das amostras, tarefa que aliás executa também em outros eventos, como o Concurso do Espumante Brasileiro e a Avaliação Nacional de Vinhos.
Como as vinícolas ficam sabendo do concurso?
A divulgação normalmente começa em janeiro, quando são enviadas informações para vinícolas nacionais e estrangeiras, associados da ABE e associações locais e internacionais. Mas o processo do Brazil Wine Challenge começa cerca de oito meses antes do evento com a atualização do regulamento, definição de layout dos materiais, contato com patrocinadores e renovação do site. Depois de informar às vinícolas, contatamos parceiros em outros países que auxiliam na divulgação e na centralização das amostras, facilitando o envio, logo em seguida a imprensa passa a receber as informações.
Como são feitas as inscrições?
As inscrições são feitas online através do site www.brazilwinechallenge.com.br
Qual o critério de inscrição?
O concurso segue o regulamento de participação. Conforme as diretrizes: “O concurso estará aberto a todos os vinhos que respondam à definição do código internacional das práticas enológicas da OIV, com exceção dos vinhos aromatizados. Tais vinhos serão classificados pela normativa acima citada. Os vinhos, obrigatoriamente, devem ser engarrafados e estar rotulados. Além disso, o vinho concorrente deve estar disponível numa quantidade mínima de 1000 litros”.
Quanto as vinícolas pagam para participar?
As vinícolas brasileiras pagam R$490 por amostra inscrita e a cada três amostras, a quarta é cortesia. As estrangeiras pagam US$ 100 por amostra inscrita e recebem o mesmo benefício a partir da terceira.
Como são enviadas as amostras?
Empresas próximas à ABE normalmente entregam diretamente, as mais distantes utilizam transportadoras ou transporte aéreo. As amostras estrangeiras são enviadas por carga aérea e, após a liberação na Receita Federal, são entregues por transportadora. Neste ano, realizamos uma parceria com a Bolívia que enviou as amostras a partir da embaixada local. Os rótulos seguiram por Courrier até a sede da Embaixada da Bolívia, em São Paulo e, posteriormente, foram transportadas até Bento Gonçalves.
Como deve ser entregue cada amostra?
Para cada vinho inscrito é necessário enviar: quatro garrafas rotuladas, laudo analítico, cópia da ficha de inscrição, comprovante de pagamento da taxa, nota de envio e fatura proforma (no caso de empresas estrangeiras). As amostras devem ser entregues na sede da ABE, em Bento Gonçalves.
Como as amostras são acondicionadas para envio?
As amostras são entregues na ABE em caixas de papelão da própria empresa, as mesmas utilizadas para comercializar seus produtos. Para amostras vindas de outros estados, as empresas utilizam caixas mais reforçadas e plástico bolha em volta das garrafas, tudo para garantir a segurança no transporte. As amostras estrangeiras normalmente chegam em caixas apropriadas para o transporte internacional, com isopor na parte interna e revestidas de papelão mais grosso para evitar quebras. Quando os envios são agrupados (várias empresas enviando juntas), as amostras são paletizadas para proteger melhor a carga.
Ao chegarem, como são conferidas?
Imprimimos a lista de todas as amostras e conferimos a inscrição para verificar se está de acordo com o que foi registrado pela empresa. Caso haja alguma inconformidade, informamos a empresa e realizamos as devidas correções.
O que é feito com as amostras ao chegarem?
São armazenadas em nosso depósito, onde realizamos a conferência da inscrição e tiramos a cápsula para não aparecer nenhuma identificação da empresa fabricante. Em seguida, atribuímos um número de identificação único (código) à amostra, que será usado durante o concurso. São necessárias duas etiquetas de identificação por amostra: uma pequena próxima ao gargalo da garrafa e outra maior que colocamos no saco preto que a envolve, para facilitar a visualização da identificação. As amostras são acondicionadas nos 220 nichos das prateleiras do depósito da ABE e numeradas sequencialmente conforme vão chegando (foto acima). Quando as amostras são levadas ao local do evento, elas já estão codificadas e com os sacos pretos para que ninguém tenha acesso à marca do produto ou nome da empresa.
Quanto tempo as amostras costumam ficar na espera até o concurso?
No regulamento de participação a ABE define os prazos de inscrição e de entrega das amostras. Com isso, cada empresa se organiza para entregar dentro daquele período, que geralmente é dois meses antes da data do concurso.
As enchentes de maio de 2024 causaram transtornos?
Sim, tivemos que adiar as degustações por mais de 40 dias devido à falta de acesso nas estradas e cancelamento das passagens aéreas dos convidados, além da impossibilidade de dois embarques de amostras que estavam vindo de outros países, por falta de aeroporto. Por isso mudamos a data do evento para conseguir realizá-lo.
Quanto tempo antes do concurso as amostras vão para o local onde ele se realiza?
Enviamos as amostras para o local do evento um dia antes, para organizar os vinhos e colocar para refrigerar as amostras que precisam de uma temperatura adequada para o serviço do vinho. As amostras são enviadas em caixas identificadas, separadas por dia de degustação e por júri. A ABE fica muito próxima ao local de realização do evento, e sempre há um membro da diretoria acompanhando todo esse processo.
O serviço do vinho no Brazil Wine Challenge
O enólogo Christian Bernardi, diretor da ABE, é quem coordena a distribuição das amostras para degustação. A lista organizada por ele determina as amostras que cada degustador irá avaliar em um determinado dia. Somente depois dessa divisão as garrafas são separadas em caixas identificadas, com o dia da degustação e o número do júri, uma separação que geralmente é feita uma semana antes do evento. “Um concurso de vinhos expressa a avaliação de um grupo de degustadores sobre um determinado grupo de amostras inscritas”, diz Bernardi. “Nenhum concurso no mundo irá escolher o melhor vinho do mundo, porque nunca haverá todos vinhos do mundo sendo degustados num único evento: isso beira o infinito do impossível”, completa.
Qual teu envolvimento com o Brazil Wine Challenge?
Nas ultimas edições coube a mim a coordenação técnica do Concurso. Após recebidas as amostras, fazemos a conferência da categoria ou grupo ao qual o vinho foi inscrito. Depois realizamos a distribuição de cada amostra em sessões que serão degustadas por cada júri. No dia da degustação, coordeno as equipes para que as condições de serviço sejam adequadas – sequência dos vinhos, temperatura, serviço e anonimato da amostra, entre outras coisas.
Conta sobre a preparação e serviço no dia anterior e no evento.
As atividades relacionadas ao serviço no dia da degustação consistem em ter as amostras previamente codificadas e ocultas na sua apresentação. As amostras devem estar previamente organizadas na sequência correta para o serviço. Na véspera, fazemos o acondicionamento para a temperatura adequada do serviço em degustação: espumantes em torno de 7ºC, brancos em torno de 12ºC, tintos em torno de 18ºC – com algumas variações em função do teor de açúcar residual de cada categoria. Chegando na hora do serviço estas garrafas são abertas e servidas para cada júri na sequencia pré-determinada. Muito importante neste momento é o absoluto sigilo sobre a amostra – a garrafa está completamente oculta e o degustador sabe somente a categoria ou grupo no qual a amostra está inscrita, bem como a safra, quando for o caso. Neste trabalho estão envolvidos diretores da ABE que acompanham cada processo sempre de forma voluntaria: é parte do compromisso desde que aceitaram fazer parte da associação. Além disso contratamos garçons, profissionais que são devidamente remunerados. Na equipe de serviço temos nove deles um em cada júri. Além de mais oito pessoas nos bastidores, para abrir garrafas, receber as que retornam e manter o ambiente organizado, entre outras funções.
Quais são as etapas do serviço nos dias do evento?
Para este ano teremos pouco mais de mil amostras apresentadas. Para o julgamento teremos nove júris compostos por cinco jurados cada, com a missão de avaliar todas as amostras durante três dias. Cada amostra será degustada por um único júri – ou seja, receberá cinco notas para composição da mediana/média. Isso significa dizer que a cada dia, cada degustador irá avaliar entre 35 e 40 amostras: esse degustador terá em seu posto duas taças – para ir limpando e alternado entre um vinho e outro – copo para água, cuspidor, um notebook ou tablet para registro da avaliação de cada vinho, além de água e um pãozinho para limpeza de boca. A degustação ocorre em duas sessões seguidas, com um coffee break entre elas. Dentro do tamanho e abrangência de cada concurso, temos a preocupação de propiciar as melhores condições possíveis para que a competição seja justa. E neste enfoque detalhes de limpeza das taças, temperatura da sala e das amostras, homogeneidade do júri e sequencia lógica dos vinhos: tudo é relevante para dar estas condições igualitárias de competição.
Há alguma preocupação especial com vinhos que necessitem ser decantados?
A decantação de vinho (tinto) só é utilizada para vinhos mais velhos, com pelo menos seis anos. Estas garrafas são abertas cerca de trinta minutos antes da degustação e o vinho é transferido para um decanter para oxigenação prévia.
Como são os cuidados com a temperatura dos vinhos?
É importante o controle de temperatura, sobretudo para termos condições iguais de competição entre as amostras. Dois espumantes, por exemplo, não podem competir se um for servido a 2ºC e outro a 8ºC. Para manter o controle trabalhamos com refrigeradores com ajuste de temperatura para cada uma das diferentes categorias: eventuais ajustes finais podem ser feitos com balde de gelo e água. As salas de preparação e de degustação também são mantidas em temperatura controlada. Os equipamentos estão sempre em condições adequadas. Quando tivermos mais brancos e espumantes, necessitamos mais frio; no dia dos tintos, menos. Ou seja, é uma questão de organização a cada edição, em função das amostras inscritas e das condições ambientais e físicas do local de realização.
E como é o dia-a-dia das degustações?
O dia da degustação é bastante tranquilo, desde que tenhamos nos organizado com antecedência. Para todas amostras inscritas temos duas garrafas disponíveis (idênticas): se uma tiver problema ou ocorrer algo, imediatamente podemos buscar a segunda. Pequenos acidentes podem acontecer, mas para tudo que podemos prever, há remédio ou reposição. Algum incidente muito estranho, talvez seja surpresa… espero que não ocorra!
E quando termina o trabalho do coordenador da comissão técnica do concurso?
Trabalhamos sobre as amostras até concluir todo o ranking dos produtos premiados, verificando se não há qualquer inconsistência no resultado. Iniciamos o trabalho com o preparo do regulamento, meses antes do concurso, até pelo menos um dia depois de encerradas as degustações.
A ficha de degustação
O enólogo Leocir Bottega é um aficionado por inovação e tecnologia, por isso passou a desenvolver softwares para facilitar o trabalho do enólogo, principalmente no controle de processos de vinificação, quando ainda se iniciavam as discussões sobre rastreabilidade nas vinícolas. Em 2009 foi convidado a participar da diretoria da ABE, na época em que os concursos utilizavam fichas de papel para registrar a pontuação de cada vinho degustado, o que ocasionava grande trabalho na tabulação dos resultados, pois ao final essas notas eram manualmente totalizadas. Isso mudou em 2010 quando um sistema desenvolvido por Bottega passou a ser utilizado na então quinta edição do Concurso Internacional de Vinhos do Brasil. Atualmente a maioria dos concursos é informatizada (foto acima, ficha do BWC 2022).
O enólogo explica que o Sistema de Avaliação de Vinhos e Espumantes utilizado pela ABE é composto de três módulos: cadastro de amostras, presidente de júri (coordenador) e degustador. “O cadastro de amostras é de acesso exclusivo da equipe de organização, é ali todos os vinhos participantes são registrados com todas as informações de categoria, grupo, subgrupo, produtor e dados analíticos, por exemplo”, detalha. Depois de ser cadastrado cada vinho recebe uma codificação (número da amostra) que será utilizada durante o evento. Neste módulo também são organizados os grupos de degustação com os respectivos jurados e coordenador de cada grupo, bem como a distribuição e sequência de amostras em cada mesa de júri.
O módulo de coordenador de júri é utilizado pelo presidente da mesa – responsável por acompanhar as notas de cada jurado, iniciando e finalizando cada amostra – para liberar cada vinho a ser degustado. No fechamento o sistema calcula e grava as notas atribuídas a cada descritor e a mediana geral do grupo. “Essa mediana é utilizada no final do concurso para a classificação de cada amostra”, detalha Bottega.
O módulo degustador é a ficha de degustação, cópia eletrônica da ficha oficial da OIV. Nesta o jurado assinala sua pontuação que ao ser salva fica disponível para o coordenador. O degustador tem acesso apenas ao número da amostra, sua categoria, grupo e subgrupo. A avaliação é totalmente às cegas, tanto para o degustador como para o coordenador. “Ao final de cada etapa o degustador recebe uma cópia de suas pontuações em cada número de amostra para conferência e assina uma via para arquivo e auditoria futura, se necessário”, aponta o enólogo.
O sistema conta com um banco de dados instalado em uma rede local. O relatório final com a classificação e destinação de medalhas é obtido imediatamente após encerrado o evento.
Fotos: Jeferson Soldi (serviço do vinho), as demais arquivo pessoal de Adriane Cristina Biasoli
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