(Foto: Lucas Ramos Mendes)
Desde dezembro de 2023, o SPA do Vinho Hotel e Condomínio Vitivinícola, pioneiro neste tipo de operação no país, passa a ter as cartas de vinhos com uma oferta de rótulos 100% brasileiros. Dos quatro restaurantes do estabelecimento que funciona desde 2007 na mais tradicional região vitivinícola do país – o Vale dos Vinhedos, em Bento Gonçalves (RS) – apenas a Enoteca Vino.Libris tem cerca de 30% da lista de vinhos formada por rótulos de outros países. O Leopoldina, o Bistrô Culinária de Terroir e a Esplanada Gaúcha têm as cartas totalmente brasileiras. Vale lembrar que também no final do ano passado o chef francês Benoit Mathurin anunciou uma carta de vinhos 100% brasileira no Esther Rooftop, em São Paulo, restaurante onde é sócio de Olivier Anquier.
“Ter só Brasil na carta é, antes de tudo, uma missão”, diz Deborah Villas-Bôas Dadalt, sócia-diretora do SPA do Vinho.
Uma missão e além disso um pedido. A demanda veio também dos consumidores e hóspedes do hotel, lembra Alcindo Schneider, um dos 11 sommeliers do SPA, profissional que tem na ponta da língua os mais de 70 rótulos brasileiros oferecidos em taça utilizando um coravin no wine bar do hotel. “Quem vem aqui, na maior parte das vezes quer conhecer o que é produzido na região”, conta. “Fazemos questão de oferecer o que as pessoas pedem, mas mais do que isso apresentamos rótulos novos”, completa.
Um dos motivos que fazem o bebedor ficar curioso é a possibilidade de provar. Há uma frase no mercado de vinhos que diz o seguinte: ‘para vender vinho, tem de abrir garrafa’, e é a mais pura verdade. Mas além de degustar é preciso conhecer: os rótulos também são vendidos por sua história. E uma prova destas duas coisas juntas é a parceria entre o SPA e algumas vinícolas que, diariamente, sacam rolhas e apresentam seus rótulos para os hóspedes de forma gratuita, geralmente com a presença do produtor ou do enólogo conduzindo uma degustação. A possibilidade de trocar ideias diretamente com quem elabora o vinho faz toda a diferença. “Esse projeto nos fez perceber o aumento da procura pelos vinhos brasileiros e uma consequente diminuição de consumo dos importados”, conclui Alcindo.
Se o vinho produzido no Brasil não tem um consumo maior pelo próprio brasileiro, sabemos, é também pela combinação de preconceito e desconhecimento. “As pessoas não compram simplesmente porque não têm referências, então acabam não querendo arriscar com um produtor que desconhecem e optam por outro que é internacionalmente comercializado”, lamenta Deborah.
Mas devagar se vai ao longe. “Como estamos inteiramente voltados ao universo do vinho, cada experiência que oferecemos é uma oportunidade para ampliar o conhecimento sobre a produção nacional”, argumenta. E a repercussão não podia ser melhor, garante: “Muitos hóspedes fazem questão de comprar os vinhos que mais os surpreenderam ao longo da estada para levar para suas cidades de origem e compartilhar nas confrarias”.
Alguns rótulos do exterior ainda são oferecidos – e também por uma razão didática. “Mantivemos alguns ícones mundiais na Enoteca, rótulos que não podem faltar na carta dos grandes restaurantes. São vinhos representativos de outras regiões reconhecidas do mundo do vinho – Bordeaux, Borgonha, Toscana, Rhône, Mendoza, Rioja – e que ajudam muito em degustações comparativas, ajudando a criar uma opinião mais assertiva sobre cada produto”, argumenta Deborah, que comemora: “muitas vezes nosso vinho surpreende o cliente e também supera em qualidade muitos destes ícones internacionais”.
A curadoria dos rótulos
A seleção dos vinhos das cartas é de responsabilidade exclusiva do casal de sócios-diretores do SPA do Vinho, Aldemir Dadalt e Deborah Villas-Bôas Dadalt (imagem abaixo, foto arquivo pessoal), ambos sommeliers, acadêmicos de Enologia e produtores do Ales Victória há 18 anos – rótulo que tem o selo da Denominação de Origem Vale dos Vinhedos estampado na garrafa.
A dupla viaja pelo Brasil atrás de descobertas: “garimpamos continuamente os rótulos mais representativos e qualitativos de centenas de vinícolas brasileiras”, afirma Deborah. “Estivemos em Treze Tílias (SC), por exemplo, e visitamos a Vinícola Kranz, uma pequena joia”, comemora. “Fomos recebidos calorosamente pelo casal de proprietários e já trouxemos vários rótulos emblemáticos que vão entrar em nossas cartas. Somos contatados pelos produtores, mas sempre viajamos pelo país buscando degustar os vinhos locais”, diz Deborah.
Os produtores querem estar com seus rótulos na vitrine que é o SPA do Vinho, um hotel reconhecido no Brasil e no Exterior, e que está localizado na principal região produtora do país. E muitas vezes são os próprios empresários que levam seus produtos para análise: “Queremos que todo produtor que preze pela qualidade e pela valorização de seu terroir, tenha espaço garantido nas cartas Spa do Vinho”, resume a empresária.
O sommelier Alcindo complementa, lembrando um pouco sobre a diversificação dos vinhos brasileiros: “cada vinícola tem uma filosofia de trabalho, cada uma expõe o produto com seus diferenciais, sua história, sua forma de elaboração”, analisa, “isso que é bonito e interessante no vinho”.
A adega
Localizada num ponto estratégico do hotel, no lobby, em frente aos elevadores, a adega é hipnotizante para quem gosta de vinhos. Toda em vidro e madeira, é uma peça labiríntica com iluminação adequada, climatizada 24 horas por dia, com diversas prateiras, nichos e uma cave de pedra onde são armazenados vinhos especiais, de guarda e uma parte do estoque da Ales Victória, a vinícola do SPA.
No centro da adega há uma sala reservada – mas com todas as paredes envidraçadas, permitindo uma visão total do acervo – onde diariamente são realizadas degustações guiadas com produtores e enólogos. No dia que visitamos, a enóloga Carol Gonzatti, proprietária da vinícola Seis Mãos, de Monte Belo do Sul, apresentava seus rótulos a um grupo de hóspedes.
Atualmente a adega do SPA do Vinho tem um acervo de 20 mil garrafas com capacidade para até 40 mil (contando aqui também o armazenamento dos Ales Victória – foto acima, uma parte das garrafas da safra 2005 – produzidos no local) e cerca de 700 diferentes rótulos de dezenas de vinícolas brasileiras. A maior parte destas garrafas vêm de marcas do Rio Grande do Sul – Vale dos Vinhedos, Campos de Cima da Serra, Vacaria, Flores da Cunha, Campanha Gaúcha – mas também há rótulos de Santa Catarina e do Vale do São Francisco.
Alguns ícones brasileiros na adega do SPA do Vinho
Sesmarias, Merlot Terroir e Lote 43, da Miolo
DNA e Concentus, da Pizzato
4 castas, da Almaúnica
Épico, da Guatambu
Dificuldades
Para Deborah, a qualidade do vinho é fundamental, mas há que se pensar na viabilidade da comercialização dos rótulos. “Nosso objetivo é ter nas nossas cartas o melhor panorama possível da vitivinicultura premium do Brasil”, vislumbra a empresária. Mas nem tudo é possível, completa, “infelizmente os vinhos de muitas regiões ainda estão inacessíveis em função da dificuldade de distribuição, além dos altos custos de frete”. Um problema histórico e recorrente, que se repete seja para o consumidor do e-commerce, que busca apenas uma garrafa, ou para o lojista, que fará uma compra maior: o Custo Brasil é implacável. A tributação faz o preço do vinho brasileiro aumentar, é um complicador na hora da escolha. Na hora de comparar as etiquetas, o vinho brasileiro fica caro.
“É mais desafiador trabalhar com vinho brasileiro”, avalia Alcindo.
Mas os desafios e as dificuldades são combustível. “As portas da cave do SPA do Vinho estão abertas para todo produtor brasileiro que deseje ter rótulos em nossas cartas”, afirma Deborah. “Basta nos contatar e escolher em seu portfolio o que acreditar melhor atender ao perfil dos nossos clientes que vamos avaliar”.
O convite está feito, que as vinícolas aproveitem mais essa oportunidade. E que atitudes como dos empresários do Esther Rooftop e do SPA do Vinho se multipliquem por todo o Brasil.
Texto e fotos: Lucia Porto/Brasil de Vinhos
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