Eno o quê?

Eno o quê?

Eno o quê?

por Luiz Gustavo Lovato*

Vinhos, eu estudei para fazer vinhos. Essa é a resposta usual que dou quando a pessoa pergunta o que faço e, dizendo “enólogo”, recebo em troca a mesma pergunta usual: eno o quê?

Esse radical grego (eno = oinos) raramente é associado rapidamente ao “vinho”. Quem sabe a publicidade fez incutir na cabeça da maioria que isso se trata de um sal de frutas. Mas não é sal, inclusive é bem doce quando in natura. E não são muitas frutas, é apenas uma: a uva. E, claro, uma extensa lista de produtos que derivam dela.

A profissão do enólogo foi regulamentada pela Lei 11.476 de 29 de maio de 2007. Dentre as 25 atribuições listadas para esse profissional, as mais frequentes são: planejar e gerenciar operações no vinhedo e na vinícola, analisar parâmetros físico-químicos e microbiológicos de uvas e vinhos, manipular equipamentos e implementos utilizados no cultivo das uvas e transformação dessas em vinho ou outro produto, atuar na promoção e vendas de produtos e educar consumidores e potenciais novos profissionais do setor do vinho.

Embora a regulamentação seja recente, a educação formal em enologia é conhecida desde o final da década de 1950 no Brasil, quando o primeiro curso de enologia iniciou suas atividades em Bento Gonçalves. Atualmente, são 6 os cursos credenciados para formar tecnólogos em viticultura e enologia e bacharéis em enologia, espalhados por RS, SC, SP e PE.

Eu sou da safra 2008.

Lembro da escolha difícil que antecedeu essa jornada: engenharia química ou tecnologia em viticultura e enologia. Estava entre o petróleo e o vinho. Escolhi a enologia por influência do meu pai e por pensar o que todos pensam: deve ser ótimo ser pago para beber.

Em pouco tempo percebi que beber é parte e não finalidade da profissão.

E que não se bebe, se degusta.

Penso que a realização de um enólogo está mais em ver o prazer que alguém sente ao beber algo que ele ajudou a trazer ao mundo do que guardar aquela sensação para si. O que fazemos é feito para compartilhar. A experiência completa não existe se não houver o outro. Dessa forma, o vinho é, em última análise, humano. Ou, ao menos, uma evidência líquida irrefutável da interação humano-natureza.

Um enólogo formal passa pelos estudos da compreensão da fisiologia e desenvolvimento das videiras – pensando a viticultura como um ramo da agronomia – passando pelo estudo e aplicação de processos bioquímicos e microbiológicos – pensando a enologia como uma tecnologia de alimentos especializada. Claro, isso tudo não resulta em nada se não há vivência e experiência. Colher uvas em dias de sol escaldante, podar galhos secos de videiras em dias congelantes, trocar o próprio lar pelo ambiente úmido e escuro da cantina por pelo menos 1 ou 2 meses ao ano, acumular e aos poucos descarregar a tensão que todas as expectativas e realizações de uma nova safra trazem.

A enologia nos ensina outros idiomas, nos apresenta outras culturas e outros indivíduos que partilham das mesmas agruras e prazeres desse mundo que é encantador, mas cobra uma dedicação que nos desafia, dia após dia. Não quero parecer presunçoso, mas do que aprendi nessa profissão ficam algumas coisas das quais já falei neste texto e retomo aqui.

Paciência.

O enólogo não é pago para beber vinhos, e sim para fazer vinhos.

Altruísmo.

O enólogo não faz vinhos para si, e sim para os outros.

Humildade.

O limite da intervenção humana é imposto por algo muito maior que todos nós: a natureza. E quanto mais tento entender como cheguei a um resultado tal, mais percebo que pouco sei desse mundo vasto que é a enologia.

Citei algumas virtudes edificantes. Mas não poderia deixar de acabar com um pecado insistente: o vício. Não no sentido patológico da palavra, mas no sentido de que a busca por entender algo que é feito há milênios e deve ser entregue com melhoras contínuas, nos engolfa em uma espiral saudável de desafios cotidianos.

Mas não quero me estender mais. Tem uma taça de vinho branco esquentando aqui ao lado e escrevo este texto em um domingo.

Chegou a hora de beber:  um brinde!

 

Luiz Gustavo Lovato é enólogo e um dos sócios-fundadores do @brasildevinhos.

 

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