(foto: vinhedo da Leone di Venezia, em Santa Catarina)
Produtores de diferentes regiões do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Serra da Mantiqueira avaliam ano atípico de grandes alterações no clima, mas estão otimistas para a vindima, principalmente quando o assunto é espumante
As chuvas intensas e a imprevisibilidade do tempo provocadas pelo El Niño, fenômeno que causa alterações na distribuição de umidade e calor pelo mundo, foram os principais desafios para a maioria dos vitivinicultores nesta safra 2023/2024. Conversamos com produtores de diferentes regiões para entender mais sobre a expectativa para os resultados deste ano, que se mostrou um dos mais desafiadores dos últimos tempos. A vindima que já chegou tem uma queda no volume de produção esperada, mas o otimismo para uma colheita positiva se mantém – os espumantes prometem. Para o restante de janeiro e até o final de março a torcida é por estabilidade climática, uma trégua nas chuvas e um sol firme, muito aguardado nesse período que é decisivo para as vinícolas brasileiras.
Daniel Panizzi, presidente da União Brasileira de Vitivinicultura e também diretor da vinícola Don Giovanni, afirma que ainda é cedo para definir um panorama geral de qualidade e volume de produção: “É difícil mensurar a queda em números, porque conseguimos ter esses dados no momento da colheita. A quantidade de cachos é um indício, mas isso não nos informa sem termos conhecimento do volume por cacho, que aponta quanto cada um vai pesar.” Panizzi ressalta que entre os produtores é estimada uma queda de cerca de 50% da produção, mas variedades mais precoces que já tiveram a colheita iniciada, como Chardonnay e Pinot Noir, estão com um grau excelente e prometem ótimos espumantes.
A expectativa positiva para espumantes também é uma das projeções da Companhia Vinícola Garibaldi (foto acima. crédito: Augusto Tomasi): “estamos observando uma maturação adequada e boa acidez. Aguardamos frescor, elegância e fineza aromática”, comemora Ricardo Morari, presidente da Associação Brasileira de Enologia (ABE) e enólogo-responsável pela Garibaldi. Morari afirma que a Serra Gaúcha foi uma das regiões que sofreram com granizo, mas com incidências localizadas: “essas ocorrências também prejudicam em relação ao volume, mas foram pontuais e não generalizadas”, explica o presidente.
Essas incidências pontuais foram percebidas em Altos Montes, também na Serra Gaúcha. Giovani Fabian, sócio da Vinhos Fabian e Coordenador da Indicação de Procedência dos Altos Montes, estima que a região chegou a sofrer perdas que variaram entre 30% a 50% em decorrência dos granizos que ocorreram em novembro de 2023.
Foi uma safra que testou a resiliência dos produtores com aumento de custos de tratamento preventivo contra doenças fúngicas, geadas fora de época e incidências localizadas de granizo: o desafio foi grande. Para Morari, o manejo dos vinhedos e o uso de tecnologias preventivas em locais onde o tempo não costuma se comportar muito bem foram especialmente decisivos.
Nesse sentido, o planejamento teve um papel importante, como conta Maurício Bonafé, gerente Agrícola da Cooperativa Vinícola Aurora (foto acima. crédito: Anderson Pagani): “Cada ano é um ano para o Sul devido às questões climáticas. Quando sabemos que elas irão se desenvolver, temos algumas mudanças a serem colocadas em prática. Nos três primeiros meses descobrimos o que virá para o restante do ano. Veremos se será um ano de El Niño, La Niña ou de neutralidade. Com isso conseguimos fazer mudanças no processo e no manejo, prevendo a questão de produção da época da safra”, destaca Bonafé. O maior volume de chuva implicou em um aumento da dependência de trabalho para chegar à safra desejada pela Aurora, que prevê uma das menores quedas na produção entre as vinícolas que fizeram parte deste levantamento, de cerca de 12% a 13% a menos que a safra anterior, mas com qualidade de graduação alcoólica e acidez adequadas.
Ainda na Serra Gaúcha, em Barão, a Valparaiso Vinhos e Vinhedos, teve como principal desafio o granizo. O sistema de cobertura adotado foi um dos fatores decisivos para mitigar os danos causados. Entretanto devido ao inverno ameno não houve um período de concentração de horas de frio suficiente, causando uma brotação precoce. “Esse ano foi um dos mais complicados que enfrentamos. Como não usamos quebra de dormência artificial, não tivemos compensação com uma brotação mais uniforme”, lamenta Arnaldo Antonio Argenta, proprietário da Valparaiso. Mas mesmo com a queda na produção estimada em 40% de volume, o engenheiro agrônomo se mantém otimista. O clima mais estável previsto para os próximos meses é bem vindo após um período de chuvas que foi desafiador: “De forma geral, o produtor tentou prever uma mão de obra preparada para um período pontual, mas não há possibilidade de o serviço ser executado com chuvas tão intensas e o trabalho que precisa ser realizado acaba não acontecendo e assim todo o manejo fica afetado”, explica.
Em Santa Catarina, a vinícola Villaggio Bassetti, localizada em São Joaquim, passou por uma situação atípica devido aos alagamentos, conta Eduardo Bassetti, responsável técnico e proprietário: “nossa vinícola ficou separada da cidade por alguns dias, tivemos que fazer baldeação para trazer as pessoas para trabalhar”. A consequência da falta de manejo temporário devido a impossibilidade de acesso foram doenças fúngicas que causaram impacto na produção, mas já foram controladas. “Produziremos menos, mas manteremos bom padrão de qualidade dentro da característica da região com bastante acidez e estrutura”, projeta Bassetti.
A região catarinense sofreu também com geadas tardias, o que para Saul Bianco, proprietário da vinícola Leone di Venezia, é um dos maiores problemas. Depois que as plantas absorvem calor e começam a brotar, a chegada da geada pode acabar queimando ramos e cachos. “Felizmente as geadas não foram tão graves quanto as da safra passada. Esse ano, atingiram as variedades mais precoces que já tinham brotado e mesmo assim o dano não foi tão significativo”, comemora Bianco.
Embora a geada tardia – característica da região catarinense de altitude acima de 900 metros – não tenha sido tão intensa, assim como na Serra Gaúcha as chuvas aumentaram custos devido a necessidade imprevisível de tratamentos preventivos em maior número: “Essa safra está sendo uma das mais difíceis que nós já enfrentamos”, conta Maurício Grando, proprietário da Villaggio Grando, localizada no município de Água Doce, na divisa entre Paraná e Santa Catarina. “Nós vínhamos tendo uma safra excepcional, até que no final de novembro e início de dezembro foram chuvas ininterruptas. Choveu em 2 meses o que deveria ter chovido quase o ano inteiro. A natureza está completamente descontrolada”, sentencia Grando.
Na região da Serra do Sudeste, em Encruzilhada do Sul, Gustavo Bertolini, sócio-proprietário da Manus Vinhas e Vinhos (foto ao lado), conta que teve como principal desafio a incidência de doenças: “O grande complicador foi a falta de janela de tratamento, sem previsibilidade nenhuma. Foi muito atípica essa safra. Em 23 anos aqui em Encruzilhada, o período de primavera até dezembro foi o pior da história em termos de chuva”, lamenta. Bertolini prevê uma queda de 30% em volume de produção comparada à safra anterior.
Apesar das chuvas não serem bem vindas em algumas regiões, em outras podem ser um fator positivo. É o que conta Victoria Zara Mercio, sócia proprietária da Estância Paraizo Vinícola Boutique, localizada em Bagé, na região da Campanha Gaúcha: “a região é muito seca e viemos de uma estiagem de 4 anos. Não verificamos nenhum tipo de doença fúngica. Já vi anos com mais chuvas do que esse, e como estávamos com escassez, elas vieram para emparelhar”, conta. Victoria aponta que os ventos da Campanha também colaboram para que as doenças fúngicas, que surgem com a água, sejam menos recorrentes. A vindima mais tardia do que nas demais regiões do Rio Grande do Sul deve se iniciar entre o final de fevereiro e a primeira semana de março e a expectativa é de uma colheita dentro dos padrões.
Na Serra da Mantiqueira, o tempo seco adiantou para o início de janeiro a vindima de variedades que seriam colhidas no final do mês. “As fortes ondas de calor adiantaram a maturação e a sanidade das uvas está muito boa”, conta Isabela Peregrino, enóloga proprietária da Ventania Vinhos (foto ao lado) e que além disso trabalha com vinícolas na região que compreende o sul de Minas Gerais e São Paulo. Por lá, doenças fúngicas não foram um problema da safra: “é contraditório, porque nosso verão é muito chuvoso, mais do que no Sul. Por aqui estamos tendo um verão bem mais seco”, conta a enóloga. Segundo ela, as variedades Chardonnay e Pinot Noir, que costumam ser problemáticas, esse ano estão muito bem e prometem uma safra de verão muito positiva para produção de espumantes.
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