(na foto Horácio Barros e o filho, Pedro Henrique, na vinícola Villa Francioni, em Santa Catarina/acervo pessoal)
Engenheiro que visitou 4 continentes conta sua história e analisa potencial de produção brasileiro
Longe dos vinhedos mais tradicionais do Brasil, em Minas Gerais, um engenheiro descobriu no vinho um propósito que transformou sua vida. Horácio Moraes Barros, alguns anos antes da aposentadoria do trabalho em uma usina siderúrgica, resolveu participar de maneira despretensiosa de um curso introdutório sobre vinhos na ABS Minas Gerais — o entusiasmo foi tanto que acabou levando-o para uma aventura que o fez percorrer quatro continentes.
Durante três dias de aula, Barros migrou de um apreciador de cervejas artesanais e uísque para um entusiasta do vinho. Fascinado pela história e geografia, logo percebeu a importância de compreender as características geográficas que influenciam diretamente a produção vitivinícola, como os diferentes tipos de terroir e microclimas.
Sua curiosidade, entretanto, não o limitou ao aprendizado teórico, também serviu como o impulso que o levou a iniciar uma jornada por vinícolas em diferentes locais do Brasil, a fim de aprofundar o estudo da vitivinicultura na prática. Mas, à medida que se aproximava da aposentadoria, começou a desenhar caminhos para realizar um sonho mais ousado: estudar vinhos na Europa por dois anos.
Compartilhando os planos com os dois filhos, um deles, Pedro Henrique, fotógrafo profissional com formação em publicidade, enxergou no desejo do pai uma oportunidade para gerar conteúdo e documentar a jornada. “Pai, em vez de ficar esses dois anos logo de cara na Europa, começa a visitar aqui pertinho… Chile, Argentina, Uruguai. Assim você vai pra lá com mais conhecimento prático”, relembra Barros, citando seu filho.
Neste momento, o engenheiro percebeu que aquela era uma boa ideia, mas que a experiência poderia ser ainda maior, como uma aventura global. “Eu não sei se é defeito ou virtude, mas eu sou meio megalomaníaco”, brinca. Depois da conversa, seus planos passaram a envolver diversos países; ele queria conhecer vinhos e terroirs pelo mundo todo.
Essa decisão então marcaria o início da ‘Wine World Adventure’, uma expedição única que não só o permitiria imergir completamente no mundo do vinho, mas também compartilhar essa paixão com os outros através das lentes de seus filhos, criando um legado educacional e inspiracional que transcende a própria viagem. Sua filha, Natália, a partir disso, também passou a estudar produção de vídeos.
A ideia então começou a tomar forma. Considerando os aspectos financeiros e logísticos, o primeiro desafio foi garantir fundos para financiar essa ambiciosa jornada. Afinal, alugar hotéis e carros é caro e pouco prático — a solução encontrada foi um motorhome.
“A Iveco, do grupo Fiat, tem uma fábrica aqui pertinho em Minas Gerais”, relembra Barros. “Então eu fui lá, mostrei o projeto para o diretor de marketing da empresa e eles adoraram a ideia! Em troca de mídia espontânea, ganhei o motorhome e fique responsável por um teste de performance de todo o maquinário, das peças e tudo”, completa.
A estratégia não se tornou apenas uma alternativa mais acessível, mas também uma aventura única: uma road trip internacional para explorar os vinhedos do mundo. “Foram dois anos e quatro meses mais ou menos, percorrendo 24 países”, relembra.
Em cada país visitado, o aventureiro mergulhou na cultura vinícola local, aprendendo técnicas únicas de vinificação, compreendendo a importância do terroir e estabelecendo conexões com vinicultores e enólogos. “Cada vinícola tinha uma história para contar, cada vinho era um livro aberto sobre sua origem”, compartilha entusiasmado.
“A rota foi Brasil, Uruguai, Argentina e Chile (Punta Lobos, foto acima/acervo pessoal). Depois a costa dos Estados Unidos, a Califórnia, Oregon, Washington, até a parte do Canadá, de Vancouver até Niágara Falls, depois descendo para Nova Iorque e indo para a Alemanha,” continua. “Coloquei o motorhome no navio em Valparaíso e fui para os Estados Unidos, e de Nova York, novamente no navio, fui para a Alemanha.”
Na Europa (foto acima: Suíça/acervo pessoal), Barros e seus filhos dedicaram aproximadamente catorze meses visitando vinícolas, desde Portugal até a Grécia, documentando tudo em site próprio e blog da Iveco. As histórias e os vinhos encontrados ao longo do caminho foram compartilhados em várias plataformas de mídia, incluindo televisões e jornais internacionais, onde Horácio dava entrevistas explicando o projeto.
“A Wine World Adventure não se resumiu ao site. Ao voltar ao Brasil, iniciei a ‘Escola Itinerante de Vinhos’, um projeto para compartilhar o conhecimento adquirido com entusiastas e profissionais do vinho”, explica Horácio. As aulas não se limitam à teoria, elas são enriquecidas pela experiência adquirida pelo mundo, permitindo que os alunos vivenciem um pouco da sua vasta experiência através de histórias.
Além disso, Horácio também foi convidado para dar aulas na ABS Minas Gerais. “Consegui convencer o corpo docente a inserir no currículo aulas sobre geografia do vinho”, conta, orgulhoso. “A gente faz uma viagem pelo mundo na sala de aula, onde eu conto um pouco dessa história”, completa.
Esta aventura mundial permitiu ao professor perceber com convicção o potencial do vinho brasileiro. Por ver de perto a competição global, ele sabe que o Brasil tem o que é preciso para se destacar. “Precisamos de mais vinícolas brasileiras marcando presença em concursos internacionais, mostrando a qualidade do que produzimos”, ele insiste, destacando a importância de uma postura assertiva no cenário mundial.
“O crescimento da qualidade dos vinhos nacionais foi vertiginoso, principalmente nos últimos 20 anos”, continua. “O Brasil tem estilos de vinho diferentes, e não precisamos copiar – temos que descobrir o nosso”, completa. Um dos pontos que chama atenção do professor em termos de qualidade é a técnica da Dupla Poda – vinhos elaborados a partir de uvas pensadas para serem colhidas durante o inverno. Para ele, esse processo de evolução é ‘um sucesso nacional’.
Ao ser questionado sobre seus rótulos brasileiros favoritos, Horácio é cauteloso: “se eu mencionar rótulos, vou deixar muitos de fora”. Mas afirma que o Brasil é uma potência com diversas vinícolas que produzem diversos vinhos de qualidade em todos os cantos do país. Pelo seu trabalho distinto, ele destaca vinícolas como a Almaúnica, a Lidio Carraro e a Pizzato – as três no Vale dos Vinhedos (foto acima, em frente ao SPA do vinho/acervo pessoal). Mas também aponta outros locais do país: Santa Catarina, com seus vinhos de altitude, e o Sul de Minas, com as vinícolas Estrada Real e Maria Maria.
“Em Espírito Santo do Pinhal, São Paulo, a vinícola Guaspari tem produzido rótulos fantásticos”, diz. “Mas também tem outras várias vinícolas pequenas no interior que são surpreendentes, com meio ou um hectare, que estão fazendo vinhos excepcionais”, completa. Ele também cita o Rio de Janeiro, com projetos que envolvem o enoturismo – uma iniciativa muito importante para o setor. “Outro lugar incrível é a vinícola Uvva, na Chapada Diamantina, Bahia. Um projeto enoturístico fantástico”, continua.
A jornada do professor Horácio Moraes Barros serve como um lembrete de que o vinho é muito mais que degustação, mas também cultura, educação e união. Seu legado serve como inspiração para todos aqueles que buscam explorar, aprender e crescer. “O vinho nos ensina que não há fronteiras para a curiosidade e a paixão. Com cada garrafa, abrimos uma porta para o novo mundo”, finaliza.
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